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Bernardo Lapasset, presidente do World Rugby, fez comentários neste mês, no mínimo, intrigantes. O dirigente comentou, após fechar novo contrato lucrativo para a Série Mundial de Sevens, que o rugby XV também precisa de uma reforma em seu calendário. Para Lapasset, é necessário um melhor alinhamento entre o hemisférios Norte e Sul e a estruturação de um novo sistema de competição. Lapasset afirmou que o Six Nations é um modelo bem sucedido e que o Rugby Championship tem sucesso um pouco menor,  além de ter ressaltado a evolução de seleções como Geórgia, Fiji e Samoa e o crescimento dos Estados Unidos, lamentando o interesse menor dos russos pela modalidade não olímpica.

 

Já nesta semana a União Samoana de Rugby anunciou prejuízo financeiro no evento que realizou ao receber os All Blacks pela primeira vez na história. O país gastou 3,4 milhões de dólares para receber a seleção neozelandesa, entre todos os gastos, mas recuperou na comercialização do jogo somente 1,9 milhão, acumulando 1,5 milhão de perda, agravando a situação financeira da entidade. Com apenas 200 mil habitantes e uma economia pobre, Samoa, assim como outras ilhas do Pacífico, não reúne condições econômicas para grandes eventos lucrativos do esporte mundial, pelo que o amistoso com a Nova Zelândia revelou. Ou, pelo menos, não organizando-os sozinha.

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Tais afirmações são inquietantes para quem pensa no futuro do rugby XV. Qual seria o novo modelo para o XV? Como seria possível alinhar Norte e Sul, sem entrar em rota de colisão com os clubes milionários, como o Toulon do falastrão Mourad Boudjelal?

 

Saber o que se passa na cabeça dos dirigentes do World Rugby no momento é difícil, mas podemos especular soluções e abri-las para debate:

 

– Expansão do Six Nations e do Rugby Championship? O assunto é delicado, pois estas são ligas privadas, organizadas pelos países participantes e com pouca influência do World Rugby. Isso significa que sugerir que um dos países que atualmente integram tais competições possa ser rebaixado a uma divisão inferior é irreal. O que o World Rugby poderia fazer para aproveitá-las, abri-las e expandi-las? Ajudar a bancar a entrada de novas equipes, como fez com a Argentina no Rugby Championship.  Nessa perspectiva, o Six Nations talvez pudesse abrigar 7 equipes, com um time rotativo, isto é, o campeão do Europeu de Nações do ano anterior. O mesmo para o Rugby Championship, que poderia ter uma equipe rotativa também, o campeão da Copa das Nações do Pacífico – a qual poderia ainda ser expandida para contemplar, num sistema de grupos, os melhores times de Ásia, África e América do Sul, hoje sem acesso a essa competição.

 

Poderia funcionar? Sim, mas resultaria no aumento dos custos do torneio e no aumento do calendário de seleções, que poderia levar a atritos com os clubes. Para acontecer, primeiro seria preciso acomodar o calendário de seleções, talvez reduzindo o número de amistosos ou criando um sistema mais efetivo de compensação financeira aos clubes pela perda de atletas, subsidiado pelo World Rugby, para as nações mais pobres não ficarem em desvantagem. E, claro, parceiros comerciais que comprem a ideia.

 

– Criação de um sistema de liga mundial, substituindo os amistosos? Vários esportes têm suas ligas ou circuitos mundiais. O rugby tem, mas no sevens. Seria possível substituir os amistosos de junho e novembro por uma estrutura centralizada pelo World Rugby que garantisse mais oportunidades de partidas de alto nível para nações emergentes e ainda aumentasse o lucro das potências? Hoje, os amistosos são fontes de renda imprescindíveis para os países da elite mundial e eles não abririam mão de sua autonomia na escolha de seus oponentes, gastando tempo e dinheiro com mercados hoje pouco lucrativos, se não tivessem a garantia de que o torneio que aderissem lhes traga verbas mais robustas – e certeza de crescimento das mesmas no futuro.

 

Um modelo de liga mundial, como possui o vôlei, o hóquei sobre a grama, o críquete, ou de mundiais de peso menor intercalados com a Copa do Mundo principal e os Jogos Olímpicos, como o handebol e do polo aquático, podem ser positivos a principio, mas caem no risco de diminuir o prestígio da competição principal, a Copa. Mais que isso, no caso do rugby, ainda poderia haver conflito com o British and Irish Lions, alma do nosso esporte. Seria uma aposta arriscada, sem dúvida, e de árdua implementação.

 

– Unificar o calendário do Sul com o do Norte? Sim, mas quem abriria mão de seu atual calendário? Provavelmente o Sul, pela força dos clubes europeus. Mas, como seria essa adaptação? O Rugby Championship, hoje colidindo com a temporada de clubes europeus, e com África do Sul, Argentina e Austrália usando atletas que atuam no exterior, seria o mais vulnerável à mudança. Poderia ele ser disputado junto do Six Nations? Sim, mas se ele abrisse a temporada, poderia não ter o mesmo nível competitivo, já que os atletas estariam voltando de férias. A menos que as férias do Hemisfério Sul passem para julho, quebrando a tradição do esporte de inverno. O rugby teria sérios problemas para se adaptar a isso na Austrália, onde a competição com outros esportes é ferrenha. Mas, seus dois maiores concorrentes são o rugby league e o futebol australiano, que são disputados de março e outubro. Mudar para uma temporada de agosto a junho faria o rugby competir lá com críquete e futebol, o que não é o pior horizonte. Na África do Sul, no entanto, as altas temperaturas em algumas regiões e o solo seco poderiam ser ruins para a prática do rugby em dezembro, janeiro e fevereiro, por outro lado. E concorrer por atenção com o Six Nations no mesmo período do ano pode ser outro aspecto indesejável.

 

E todas as alternativas têm que lidar com os atletas, que já estão no limite do desgaste com um elevado número de jogos fisicamente desafiadores que o atual calendário os impõe. As medidas para a transformação do sistema competitivo do rugby XV em algo mais global, democrático e, ao mesmo tempo, lucrativo, não são nada fáceis ou óbvias. Mas, aparentemente, o World Rugby quer dar um passo adiante no processo. Que venham mudanças! Quais? Não sabemos.