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Hoje em dia, quem vê o Projeto Vivendo o Rugby, geralmente se interessa primeiramente em saber como um projeto brasileiro chegou a ser premiado em Londres recebendo um troféu que para a comunidade do Rugby é muito honroso. Ganhar o Spirit of The Rugby 2014, realmente foi uma honraria sem tamanho. Mas tudo o que nos levou até o troféu é o que realmente desperta a curiosidade das pessoas. Posso adiantar que foi um caminho longo e árduo, de muito estudo, trabalho e amor.

 

Algumas pessoas pensam que foi um acaso, chegaram a dizer que o IRB (hoje World Rugby), quis dar um troféu para o Brasil e por “sorte” viram nosso projeto e nos premiaram. Ora! Eu penso que isso seria subestimar o conselho julgador do IRB, subjugar o trabalho do VOR e principalmente tudo que o Rugby brasileiro vem alcançando a duras penas.

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Quando estive em Londres, fui recebida com toda a pompa (representando meu clube e meu país). Soube lá, que fomos indicados para uma outra categoria, a categoria de desenvolvimento, mas ao lerem nosso material e conhecerem nossa história notaram que estávamos inscritos na categoria errada e assim nos remanejaram para a categoria espírito do Rugby, onde concorremos com muitos outros indicados do mundo todo.

 

Foi muito legal conviver e receber a atenção de ícones do Rugby mundial. Ainda mais porque todos nos cumprimentavam pelo nosso trabalho e enfatizavam que nossa metodologia foi o que nos diferenciou.

 

Eu tenho plena consciência que existem grandes projetos sociais no Brasil. Felizmente hoje em dia temos várias frentes em todo o país fazendo um bom trabalho. Sou consciente de que não se trata de sermos melhores do que ninguém, pois isto seria muita ignorância da minha parte, mas acredito também que o que nos levou a merecer este troféu assim como todos os outros (que também considero importantes) foi a nossa organização e nosso foco, que nos induziram a criar um método próprio para nossa realidade, conduzi-lo com coerência sempre colocando os valores do Rugby em primeiro plano.

 

Tudo que acontece dentro do projeto, é amplamente planejado, posto em pratica e avaliado. E foi esta organização que despertou a curiosidade em saber mais sobre nós, deixou claro nosso propósito e nos levou ao prêmio.

 

Um dia recebi um e-mail, me pedindo uma relação de documentos (relatórios, gráficos, fotos), era para a apresentação do projeto, mas era urgente, deram seis horas para enviar tudo (esta documentação se referia a todo o histórico do projeto de 2008 a 2014). Como tenho tudo arquivado foi fácil, só salvei e enviei (sem pretensão nenhuma pois não sabia exatamente para que queriam o material).

 

Agora vem onde quero chegar quando me refiro a organização: Se eu não tivesse tudo arquivado certinho, será que conseguiria enviar um material de qualidade e que despertasse credibilidade e a atenção?

 

Isso só vem reafirmar que a fase do Rugby sem planejamento já ficou no passado. E isso vale para o esportivo e para o educacional, estamos em um estágio em que só boa vontade não leva a nada, a demanda agora exige conhecimento, estudo, estratégia e objetividade. E quem não acordar para isso vai ficar para trás. O que realmente nos diferencia além do amor e trabalho pelo Rugby é que acordamos cedo para esta realidade e resolvemos agir.

 

Por isso enfatizo sempre a importância da DOCUMENTAÇÃO (isso mesmo em caixa alta), pois a melhor prática se não for documentada simplesmente não existe. E documentação não se trata de agenda rabiscada, texto mal redigido, fotos mal tiradas. Lembrando também que mídia não é a melhor documentação quando se trata de um processo mais formal.

 

Por exemplo, ao enviar uma proposta para uma Secretaria de Educação, ou Ministério do Esporte tudo tem que estar nos moldes, não adianta muito um link com a melhor reportagem, os links só são acessados após o convencimento formal, mostrando quem é você a partir da documentação enviada.

 

Em novembro de 2014 o São José realizou o primeiro encontro de projetos sociais do Brasil, foi muito produtivo pois foi a primeira oportunidade de vários projetos se encontrarem e conversarem sobre assuntos pertinentes a evolução de todos e isso só vem a acrescentar.

 

Neste encontro ficou claro para mim, quanta gente boa vem trabalhando com os projetos, mas também ficou claro que ainda não existe um alinhamento entre os setores dos mesmos. Pois geralmente é uma única pessoa que direciona todas as ações, e isto na minha visão gera uma sobrecarga que acaba atrapalhando todo o andamento. Vou usar o meu exemplo (privilegiado) – sou coordenadora pedagógica do VOR (autora da metodologia) – tenho minhas funções todas bem estabelecidas, e todas giram em torno de fazer com que método seja eficaz. Se eu fosse ter que tratar de assuntos administrativos ou financeiros tenho certeza que não conseguiria fazer o que realmente sei que é cuidar da parte relacionada diretamente a execução da pratica. Tudo que se referir a treinamento da equipe, elaboração de planejamento e contato com as escolas é comigo. Qualquer outra coisa tem outra (s) pessoa (s) para resolver. Lógico que todas as funções são alinhadas (aí que entra a organização).

 

Temos um conselho diretor (que é o pessoal que aguenta a barra): constituído por veteranos que cuidam para que tenhamos todos os recursos para tocar o projeto, quando tem patrocínio ou mesmo sem patrocínio (temos oito anos de projeto e tivemos apenas três anos completamente patrocinados) mesmo assim eles não deixam a peteca cair. Do conselho diretor é nomeado um diretor do projeto que é responsável em passar as diretrizes estabelecidas pelo conselho, representar a equipe diante do conselho e representar o projeto perante as autoridades (todos estes cargos não são remunerados). É a partir desta cúpula que representa o clube que nasce todo o resto.

 

Minha principal contribuição para todo o processo aconteceu em novembro de 2009 quando me pediram para opinar sobre o VOR (na época inda não estava envolvida com o projeto), mas para opinar eu pedi um tempo para conhecer melhor o que estava sendo feito. E conclui que não existia um alinhamento com o que se pretendia, em relação ao que estava sendo feito.

 

E que algumas coisas deveriam ser mudadas caso quisessem realmente evoluir com o processo de iniciação ao rugby (como era o objetivo). Quando falamos de iniciação falamos de COMEÇO, e todo começo passa pelo aprendizado, e obviamente todo aprendizado precisa de instrução e não de treinamento.

 

Como sou especializada em metodologias, no meu caso é fácil compreender a diferença, mas para os veteranos não foi. Foi um processo longo e posso dizer que não foi fácil, pois implicava em mudar tudo que vinha sendo feito. E toda mudança gera conflito e insegurança. Imaginem vocês chegar para um monte de jogadores de rugby (todos excelentes) e dizer que o que eles vinham fazendo deveria ser revisto. Eu via nos olhos deles que eles queriam me esganar (risos). Mesmo assim a diretoria bancou minha ideia e pagou para ver, me deu carta branca para agir. E a partir daí (de maneira voluntária), iniciei meu caminho no rugby educacional.

 

Sobre o Rugby educacional

É muito comum confundir treino com aula, e este é o primeiro erro básico. Outro erro é primeiro ter o público alvo e depois adaptar a ensino em relação ao público (isso é muito comum de acontecer). O grande problema é que a falta de planejamento impede a avaliação efetiva do trabalho e o resultado se torna muito subjetivo. Vamos combinar que a fase do Rugby sem planejamento já ficou no passado. E isso vale para o esportivo e para o educacional, estamos em um estágio em que só boa vontade não leva a nada, a demanda agora exige conhecimento, estudo, estratégia e objetividade (postos em pratica).

 

E o que dá credibilidade a qualquer projeto é sua avaliação objetiva que passa   pela análise de seu planejamento, documentação, gráficos e resultados concretos.

 

Parece complicado! Mas uma vez desvendados estes “mistérios” o caminho se torna cada vez mais fácil e gratificante.

 

Esporte educacional

Antes de se iniciar qualquer discussão sobre projeto de Rugby é necessário saber qual o caminho a se tomar, se o esportivo ou educacional. Esta decisão irá nortear todo o caminho a seguir daí para frente.

 

Muitas vezes por falta de conhecimento entre a diferença destes dois segmentos, acaba-se perdendo um tempo precioso até formatar todo o processo.

 

Projeto esportivo é uma coisa e projeto educacional é outra. Assim como treino é uma coisa e aula é outra (e aí está o grande segredo).

 

O que não impede que um clube tenha os dois segmentos, desde que devidamente separados e administrado de forma independente um do outro. Como é o caso do São José e Curitiba Rugby, existem outros mas cito estes dois por serem claro exemplo que estou falando.

 

No caso do projeto de esporte educacional não podemos esquecer que esporte e educação caminham lado a lado. Por isso qualquer projeto de inclusão social que utilize uma modalidade esportiva como ferramenta de inclusão, deve ser associado ao Sistema da Educação de sua região. Ter a Secretaria da Educação como aliada é um grande passo para o desenvolvimento pois não existe avalista melhor.

 

O problema é que conquistar a confiança da cúpula da educação (pedagogos e diretores de escolas) não é tarefa simples, necessita conhecimento e articulação sobre o currículo educacional utilizado na região. Acima de tudo, implica em entregar o que se vende, não adianta fazer um belo discurso sobre rugby educacional e praticar outra coisa.

 

Uma das características do esporte educacional é que não segue nenhum manual nem padrões de federações e confederações esportivas, e isso torna possível a criação de um método próprio dentro das suas necessidades e uma vez que você vise alcançar o desenvolvimento integral do indivíduo, estabelecidos nos 4 pilares da educação (saber, fazer, ser e conviver) não terá erro. Utilizar o rugby como ferramenta para isso é simplesmente fantástico, visto que é um esporte baseado em fortes valores morais que concretizam estes pilares.

 

O fato de um projeto educacional não ter o foco esportivo não impede que um indivíduo introduzido neste meio não venha a se tornar um grande atleta. No caso do rugby brasileiro, grande parte dos atletas vindos do esporte educacional obtiveram sucesso devido ao forte alicerce ao qual foram introduzidos desde o início do processo.

 

Em resumo, para se criar uma metodologia é necessário muito estudo e pesquisa. Estudo no sentido de saber classificar as fases do aprendizado, alinhar cada faze com o que se pretenda ensinar, ter conhecimento profundo dos conteúdos para poder classificar em qual eles possam contribuir para o sistema educacional de sua região. Pesquisa, para se pôr a par do que vem sendo feito no mundo em termos de aprendizado do rugby, quais referencias possa seguir, qual modelo possa te inspirar e o que realmente sua realidade necessite. Existem ótimas referencias, o problema é saber se serão eficazes dentro que você pretenda em relação a realidade que você apresente.

 

Para chegar a esta conclusão é preciso pensar fora da casinha (esportiva), vá além do rugby. Procure entrar no universo da educação e dimensione onde o rugby pode agir para contribuir na formação dos alunos.

 

Tenho recebido inúmeros e-mails e mensagens perguntando sobre a metodologia do VOR, pedidos de ajuda para formatação de metodologia. Como já relatei aqui, tudo parte dos objetivos em relação a analise da realidade, mas tentarei ajudar o máximo que for possível. No próximo texto, vou entrar mais especificamente no tema RUGBY ESCOLAR e FORMATAÇÃO DE MÉTODO.

 
Escrito por Leca Jentzsch
 
Foto: Vivendo o Rugby
 

4 COMENTÁRIOS

  1. Leca, Parabéns! Realmente fiquei impressionado com seu texto e suas citações do rugby educacional. Talvez seja o momento de avaliarmos com mais precisão, as varias formas metodológicas de ensinos do rugby, Dessa forma poderemos chegar ao modelo(s) ideal(is) para o crescimento do rugby brasileiro.
    Grande abraço
    Christiano Clair
    Liga de Rugby do Vale