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Na esteira do último artigo da coluna Tackle Alto do HP, o assunto de hoje da coluna TMO (Trazendo Minha Opinião) é também o rugby juvenil. Mas com uma abordagem diferente.

Quando falamos em rugby juvenil no Brasil, temos hoje que diferenciar duas coisas: uma é o Tag Rugby, outra é o rugby de contato.

O Tag Rugby é um sucesso hoje. CBRu, federações estaduais, organizações independentes como a Hurra e o SESI e um número crescente de clubes usam o rugby sem contato para desenvolver a modalidade em escolas de suas regiões. De Manaus a Porto Alegre, o Tag levou rugby a milhares de crianças Brasil afora, com olimpíadas escolares e festivais ocorrendo Brasil afora, com impulso desde pelo menos 2012. Os números – que chegam às dezenas de milhares de jovens impactados – impressionam, sem dúvida.

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Por outro lado, o rugby de contato, o sevens e sobretudo o XV não avançam. O problema da conversão e absorção dessa massa de jovens que conheceram Tag Rugby (aquele praticado fora dos clubes) para o rugby de contato ainda não foi solucionado e o rugby juvenil competitivo vive um momento calamitoso: hoje joga-se menos XV juvenil do que em 1980 no Brasil! Joga-se menos que no Uruguai ou em Portugal, países que já bem conhecemos e que estão conseguindo grandes resultados juvenis. Vamos a uns números? Apenas de M19 (porque M17 e M15 a situação é pior nacionalmente).

 

Brasil em 2017 – M19

São Paulo – 4 clubes (3 e um combinado) – 6 rodadas

Rio Grande do Sul – 6 clubes – 5 rodadas

Rio Grande do Sul – Seleções regionais – 2 rodadas

Liga Sul – 3 clubes – 3 rodadas

Amistosos no Paraná, Rio de Janeiro e o Interacademias

 

Brasil em 2015 – M19

Nacional de Clubes – 5 seleções estaduais (RS, SC, PR, RJ e MG) – 4 rodadas

São Paulo – 6 clubes – 10 rodadas

Rio Grande do Sul – 7 clubes – 6 rodadas

 

Brasil em 1980 – M18

São Paulo apenas – 7 escolas (Campeonato Colegial Paulista) – 12 rodadas + Final

 

Brasil em 1983 – M18

São Paulo clubes – 4 clubes (Campeonato Paulista Juvenil de Cluves) = 9 rodadas

São Paulo escolas – 4 escolas (Campeonato Paulista Colegial) = 9 rodadas

São Paulo clubes + escolas (Campeonato Paulista Juvenil, unindo clubes e escolas) = 6 rodadas

Total: 15 jogos por equipe;

 

Uruguai em 2017 – M19

Campeonato Uruguaio – 13 clubes – 12 rodadas

Valentin Martinez – jogos de XV com tempo reduzido

 

Portugal em 2017 – M18

Grupo A (1ª divisão) – 10 clubes – 19 rodadas

Taça de Portugal – mata-mata com todos os clubes – 8 fases (clubes da 1ª divisão jogam até 5 partidas);

Grupo B (2ª divisão) – 18 clubes

 

Algumas impressões:

Jogamos menos em 2017 do que o necessário e isso parece claro. Nenhum atleta M19 hoje no país atua mais do que 6 partidas oficiais por seu clube (já não posso aqui listar quantidade de amistosos), menos do que nos anos 80, quando havia rugby de colégios com contato, mas também menos do que em 2015, quando um atleta paulista teve 10 jogos por seu clube e jogadores dos outros estados federados tiveram ao menos 4 partidas. E são poucos clubes que conseguiram ter rugby XV juvenil jogando campeonatos. É verdade que há agora para um seleto grupo de jogadores os jogos do interacademias que, no entanto, não estimulam devidamente o desenvolvimento do M19 fora do circulo da seleção.

Ainda assim, a comparação é cruel. Em 1983, apesar de serem apenas 6 equipes em São Paulo, cada uma deles jogou 15 vezes – contra os 6 jogos de 2017, “turbinados” por alguns duelos interacademias. Em 2017, foram apenas 4 equipes em São Paulo com 6 rodadas. Número que caiu no sevens para 3 clubes engajados no estadual.

Quando se compara com Portugal – que venceu Fiji e o Uruguai neste ano – a situação é embaraçosa, com os portugueses oferecendo aos jovens dos 10 melhores clubes um calendário que supera as 20 partidas. Em um país que ainda é capaz de sustentar uma segunda divisão M18 (lá o juvenil é M18, não M19).

No Uruguai, nosso rival direto, são 13 clubes jogando 12 partidas no mínimo. Os dados estão nas páginas das respectivas federações, para quem estiver se perguntando. E antes que alguém grite que esses países têm territórios pequenos, o que é verdade, a conclusão é ainda mais cruel: Portugal e Uruguai são o que cada estadual brasileiro deveria ser. Precisei pegar alguns dados do país inteiro de XV M19 para não chegar nem perto da quantidade de rugby juvenil que há nesses países.

Em 2017, após o ciclo olímpico e com tanto Tag Rugby sendo trabalhado, o esperável era termos um ligeiro mas progressivo aumento ano após ano de participantes nas competições. E estamos decrescendo nelas, voltando a números piores que os de 30 anos atrás. Isso não faz sentido. Se o nível pode ser alegado como melhor (porque vencemos o Chile em 2017), a estrutura que alimenta o rugby adulto em cada estado é perigosamente rasa – e precariamente organizada em muitos casos.

Para muitos clubes, o caminho do rugby juvenil esbarra na falta de pessoas capacitadas e/ou dispostas, bem como nos custos envolvidos em se manter tais categorias, que se apresentam como um caminho que hoje parece não ser possível ser seguido pela maioria das agremiações. Por quê?

Onde mora efetivamente a barreira para que em 2017 a situação seja essa? E como será 2018?

 

Foto: Adriano Matos

4 COMENTÁRIOS

  1. Interessante, Victor! (e o pessoal ainda quer criar a liga profissional… aff… o gargalo vai ficar maior né? Uns três clubes com sorte vão conseguir montar uma “linha de montagem” de jogadores)
    Para quem só olha a coluna “resultados” da tabela, formação, clube amador e campeonato juvenil é perfumaria.
    Por sinal, se o Manuel Cabral disse que as exigências da CBRu são tão cabulosas assim para filiar uma federação estadual, por que não acatar uma das críticas que ele fez e flexibilizar algumas dela e em troca, sei lá (pensando alto) as federações deveriam comprovar o estímulo a formação e/ou campeonatos juvenis?

  2. Tem um outro ponto que tu não abordou. Por quê os times não tem juvenil? Obviamente todos gostariam de ter times juvenis, mas nem todos os clubes tem essa estrutura montada. Tentamos estruturar projetos pra captação de m-15 desde o ano passado, por acreditar que a longo prazo seria mais eficaz e mais vantajoso desenvolver um atleta desde a m-15, mas sempre esbarramos no problema de que não precisamos de m-15, precisamos ter uma m-19 e como o clube é amador e todos tem afazeres extra clube, não conseguimos braços pra correr atrás de uma m-19 e fazer essa estruturação pra tocar os projetos com categorias menores. O resultado é que montamos um time m-19 a cada ano, mas não conseguimos manter ess time m-19 pq logo o juvenis se tornam adultos, ou pq não dá tempo de trabalhar os valores do esporte com os guri e eles logo deixam de praticar por diversas razões (estudo, trabalho, etc…) e ao mesmo tempo tu não tem m-17 pra virar m-19 pq as exigências de competição dificultam a consolidação de uma categoria de base bem estruturada.

    • Julio, mencionei por alto isso no fim do artigo porque seria tema para outro texto. A questão é: pedir juvenil é fácil, mas qual caminho os clubes têm condições de seguir? Para ter juvenil, é preciso ter pessoas capacitadas e com meios para se dedicarem, além do clube precisar ter condições financeiras e braços para se organizar institucionalmente para suportar as demandas que uma nova categoria tiver. O tema da passagem de uma equipe de apenas time para um clube completo é um capítulo a parte. E nada fácil de se dar uma solução. Abs!