Espanha e Romênia duelando em 2018

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ARTIGO OPINATIVO – Ontem uma grande notícia foi muito bem recebida no rugby mundial: a expansão planejada para a Copa do Mundo de Rugby de 2023, que poderá ter 24 seleções. E esta notícia tem mesmo que ser festejada pela comunidade do rugby brasileiro.

Primeiramente, vou relembrar um artigo meu recente que comentava sobre a meta da CBRu de levar os Tupis à Copa do Mundo de 2023. O ponto central de meu texto era de defender que a meta de alcançar uma Copa do Mundo não poderia condicionar por completo as ações do rugby nacional (já que novas metas e necessidades aparecerão uma vez que o Brasil chegue ao torneio) e que chegar à Copa do Mundo de 2023 sem um projeto sustentável não garantiria a continuidade do crescimento do rugby no país. Em outras palavras, o desenvolvimento do rugby amador em todas as suas dimensões não deve ser relegado a segundo plano em momento algum, já que o rugby profissional sempre terá necessidades e metas imediatas.

Pois bem, tais argumentos que expus não anulam de forma alguma a importância da conquista de se estar numa Copa do Mundo para o Brasil – e, portanto, a importância da expansão do Mundial em 2023 para os Tupis.

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Primeiramente, chegar à Copa do Mundo de 2023 traria como efeito imediato, provavelmente:

  • A renovação e valorização de contratos com os patrocinadores atuais, bem como potenciais novos patrocinadores para a Confederação;
  • Aumento de exposição na mídia para os Tupis;
  • E mais recursos vindos do World Rugby (federação internacional), bem como mais oportunidades de torneios (em geral custeados pelo própria World Rugby);

Tais efeitos são esperáveis, sobretudo conhecendo a natureza do consumidor de esportes no Brasil. É claro que tais efeitos imediatos precisarão ser acompanhados do crescimento integral do rugby brasileiro, bem como com o aumento do conhecimento do público no Brasil com relação ao rugby internacional, essencial para que o feito de se estar na Copa do Mundo tenha um impacto maior.

Porém, deixando os benefícios para o Brasil de lado, a questão é: a Copa do Mundo tem mesmo condições de ser expandida?

Muita gente argumenta que não, a Copa do Mundo não deveria aumentar agora. E quais são os argumentos?

  • Mais times significariam maiores distâncias entre as seleções de ponta e as seleções coadjuvantes, correndo-se o risco de placares muito dilatados, ruins para o espetáculo;
  • E que, portanto, não haveria países bons o bastante para manterem o nível da Copa do Mundo;
  • Nesse sentido, para os críticos da expansão, a Copa do Mundo precisa representar o que há de melhor no rugby mundial e que a qualidade elevada está diretamente ligada ao sucesso comercial da competição;
  • Além disso, o exemplo da Copa do Mundo de Futebol sempre é trazido para argumentar que a expansão do Mundial leva à competição países pouco competitivos;

Na minha opinião, esses pontos não se sustentam ao analisarmos a situação atual do rugby mundial. Na minha visão, defendendo a expansão para 24 times:

  • A Copa do Mundo de Rugby tem visto queda na diferença de pontos entre as seleções de ponta (Tier 1) e as demais. Isso é constatável estatisticamente;
  • A Copa do Mundo de 2015 não teve simplesmente nenhuma seleção sofrendo 70 pontos em nenhum jogo, algo que jamais ocorreu;
    • Nos confrontos mais desequilibrados, os All Blacks venceram a Namíbia por apenas 58 x 14, enquanto os Wallabies passaram pelo Uruguai por somente 65 x 03. Para não mencionar a vitória inédita do Japão sobre os Springboks;
  • Em 2011, 4 placares superaram a marca de 80 pontos a favor do vencedor (mas nenhum jogo alcançou 90 pontos), com mais 4 jogos superando a marca dos 60 pontos;
  • Em 2007, 1 partida teve o vencedor superando 100 pontos (108 x 13 dos All Blacks sobre Portugal). Essa foi a última vez que se viu um placar desse tamanho. Em 2003, foram 2 placares com mais de 100 pontos (incluindo o 142 x 00 da Austrália sobre a Namíbia.. veja a evolução para 2015!);
  • A evolução global do rugby, como pode se constatar, não teve ainda reflexo em uma rotação maior de seleções na Copa do Mundo. A cada Mundial, desde 2003, somente 1 seleção nova (isto é, uma seleção que não esteve no Mundial anterior) consegue chegar à Copa do Mundo;
  • Porém, ao acompanharmos os resultados anualmente nos campeonatos continentais, é possível constatar que o equilíbrio também vem ocorrendo. Nesse sentido, as seleções mais fortes que ficam de fora do Mundial não estão realmente abaixo das piores seleções que vão ao Mundial;
  • Em outras palavras, com um investimento a mais nos próximos 4 anos, as 4 seleções extras que se classificarem para 2023 terão condições de, pelo menos, se nivelarem de vez com as seleções mais fracas que forem a 2019;
  • Mas, quais seriam esses países? Romênia e Espanha certamente estarão no páreo para 2023 pela Europa e não estão abaixo da Rússia. Portugal, por sua vez, tem o material humano (basta ver os impressionantes resultados no M20, que não se refletem no adulto pelo total amadorismo vivido no rugby adulto do país), enquanto não se deve duvidar da capacidade da Alemanha de crescer na modalidade;
    • A expectativa de chegar à Copa do Mundo teve na Espanha em 2018 uma amostragem de seu poderio, com o país tendo recordes de público, superando a marca dos 15 mil torcedores, nos jogos decisivos das Eliminatórias para 2019;
  • Nas Américas, o Brasil é capaz de se nivelar com o Uruguai até lá, enquanto o Canadá deverá retomar crescimento. A criação da Liga Sul-Americana em 2020 ainda fará o Chile certamente ser um concorrente mais real;
  • Na África, o Quênia reforçado com atletas do sevens pode encostar de vez na Namíbia. Apenas a Ásia parece ter ainda diferenças maiores, apesar da evolução de Hong Kong no M20. Se tiver uma seleção de nível realmente menor em 2023 ela deverá vir da Ásia, mas 1 seleção abaixo não justifica abandonar os planos de expansão;
  • Para completar, se a possibilidade de estar na Copa do Mundo ajuda a aumentar o investimento no alto rendimento em todos os países, o nível de qualquer participante de 2023 será maior em 2023 do que é hoje em 2018. O histórico do Mundial sugere isso e, portanto, não adianta prever como será 2023 com base apenas no rugby de 2018;

A comparação com o futebol é ruim e mostra, na verdade, desconhecimento sobre futebol. As pessoas confundem o quanto conhecem um país com sua capacidade competitiva no esporte. Basta pegar os resultados da Copa do Mundo de futebol para constatar que:

  • As goleadas impiedosas ficaram para trás e a maior parte das seleções “sem tradição” no futebol conseguem manter jogos equilibrados ou, no mínimo, com placares baixos. Qualquer um pode constatar isso vendo os Mundiais da FIFA na última década. São poucos “bobos” no futebol hoje;
  • A FIFA (corrupção à parte) foi crucial como líder no processo de expansão e democratização do futebol no mundo, usando justamente a Copa do Mundo como veículo para isso. A entidade, é claro, acaba colhendo isso comercialmente;
  • O desempenho decepcionante de algumas seleções tradicionais é muito mais causador de desilusão do que a presença de seleções modestas. A Costa Rica de 2014 é caso exemplar. Se todas as potências do esporte estão bem, o torneio é bom e atrativo invariavelmente;

Vale lembrar que o futebol subiu a Copa do Mundo de 16 para 24 times em 1982 e precisou de apenas 4 Mundiais com 24 seleções para ir a 32 times em 1998. O rugby passou apenas 3 Mundiais com 16 seleções e terá em 2019 já 6 Mundiais com 20 times. O tempo de espera parece o certo. Não é preciso esperar mais. Quanto maior a demora na expansão, mais demorada será a evolução do rugby. O torneio não será prejudicado. Esse é um medo que, sinceramente, é injustificado e conservador demais para o bem do esporte. Sobretudo sendo a Copa do Mundo de Rugby a fonte principal de renda do World Rugby, usada para desenvolver o rugby pelo mundo. Isto é, com mais países, a tendência é haver mais mercados atingidos e, portanto, mais dinheiro circulando no mundo do rugby.

Viva o Mundial com 24 seleções. Ele não significará um regresso a 2003. Será um passo adiante, sem dúvidas.