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ARTIGO OPINATIVO – O que seria do rugby brasileiro sem as universidades públicas? Pare para pensar, seja justo e lúcido. A resposta é muito mais abrangente do que você possa pensar.

Dentro das universidades públicas (estaduais e federais) nasceram dezenas de clubes de rugby. A Medicina USP foi o primeiro universitário, um dos pioneiros do rugby no Brasil nos anos 60. Época que o rugby era basicamente praticado por ingleses, quem primeiro começou a formar jogadores nascidos e criados no Brasil foi a Medicina – e que depois se tornaria campeã brasileira de clubes por duas vezes (1973 e 1981).

Na mesma época, foi formado o Clube Universitário de São Paulo, campeão brasileiro de 1972 (conhecido também como o time da FUPE, por representar a entidade), composto de muitos atletas da USP. E entre os anos 70 e 80 foram nascendo novas equipes dentro da USP, que criou um cenário em seu auge, no início da atual década, de 6 times de XV (todos formados por universitários) e uma porção de femininos, mais do que o rugby inteiro da maioria dos estados brasileiros. Um desses times é Outro é o Rugby USP Feminino, que milita no Super Sevens. Outro é a Poli, de história que data desde os anos 70 e que chegou ao auge agora com o título brasileiro.

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Mesmo hoje sendo um clube com atletas de fora da USP, a Poli de hoje é fruto de décadas de rugby praticado no espaço público que é o CEPEUSP, cujos campos são verdadeiros celeiros do rugby nacional, por onde passaram centenas (ou até milhares) de rugbiers desde sua construção. O CEPEUSP é um dos espaços seguros do rugby. Enquanto os clubes se desdobram para acharem seus campos, o CEPÉUSP assegura que haja um lugar para o rugby numa cidade com pouquíssimos espaços de lazer e esporte. Ademais, o campo da Medicina é outro espaço que tanto recebeu o rugby. Basta dizer que o Paulista Universitário, mesmo recheado de universidades privadas, é disputado nos campos da USP – CEPEUSP e Medicina. Poderia ser no campo público do CERET? Sim, mas a “grama” “agradeceria”. Ainda bem que há esses outros espaços.

E isso não é acaso. Quem constrói patrimônios esportivos abertos à comunidade são as universidades públicas, e não as particulares. Por exemplo, com toda a história que tem o rugby do Mackenzie, tão importante quanto a Medicina para o rugby, até hoje o rugby não tem um campo bancado por essa instituição. O foco é outro, a vocação é outra.

Tal realidade se replica nas federais Brasil afora. O que seria do rugby carioca sem o espaço da UFRJ? E não falo do campo olímpico abandonado. Não foi na UFF onde o Niterói sustentou por tantos anos suas atividades? Não é na UFSC onde o Desterro joga e fomento o rugby catarinense?

A lista é longa. UFRRJ em Seropédica (refúgio do rugby fluminense quando é preciso). UnB em Brasília, UFU em Uberlândia, UFOP em Ouro Preto, UFBA em Salvador, UFC em Fortaleza, UFSM em Santa Maria, UFPel em Pelotas, UFSCar e USP em São Carlos, USP em Ribeirão Preto e Piracicaba, UNESPs interior paulista afora…. todas têm história e desempenharam papéis centrais na construção do rugby nessas cidades – e em muitas outras não citadas. Pois é dentro da universidade onde há estruturas físicas e abertura para um esporte “lado B” como o rugby.

Mas o óbvio não para por aí. Dentro das universidades públicas há pesquisa, ciência. Pesquisa séria e quem estuda rugby certamente já se deparou com trabalhos sobre rugby vindos de universidades públicas. Na verdade, a maioria esmagadora dos trabalhos científicos vem delas (90% da ciência brasileira). Não por acaso, são as universidades públicas – e não as privadas – que estão no topo dos Rankings nacionais e mundiais de ensino superior em todas as áreas – inclusive em educação física e todas as áreas ligadas ao esporte. As públicas fazem o que quem depende de retorno de curto prazo não quer ou não pode fazer. Ciência é longo prazo – é futuro.

Na verdade, as origens do próprio Portal do Rugby passam pela universidade pública. Foi jogando na USP que entrei para o rugby. Foi lá que pude realizar o primeiro trabalho de pós graduação sobre história do rugby no Brasil e iniciar meu atual projeto de doutorado.

Mas não sou só eu. Há muita ciência do esporte beneficiando o rugby sendo produzida neste exato momento por alunos na EEFE-USP, na área de preparação física, análise estatística e muito mais. E para toda ciência aplicada – com impacto direto na sociedade, na economia – foi preciso antes muitos outros trabalhos de ciência dura, sem aplicação prática aos olhos do leigo, mas que dão os fundamentos para o futuro da ciência. Essa ciência que é invisível para o leigo, que acha que não servem para nada, é a que mais depende da universidade pública – justamente porque se dependesse do privado não teria apoio, pois não gera nada a curto prazo. Seus desdobramentos se dão a longo prazo, são a base de tudo, sejam elas ciências naturais ou humanas.

O mais óbvio de tudo ainda é que, com uma carreira tão desprestigiada no Brasil, a formação de professores para as escolas – essenciais para o esporte, evidentemente – também se dão majoritariamente dentro das faculdades públicas. E não só a formação, mas o aperfeiçoamento, a constante revisão dos métodos de ensino.

Se alguém quiser contestar a importância das universidades públicas para ciência, formação e para o espaço à prática esportiva amadora, precisa antes trazer os brilhantes exemplos que supostamente existem – porque, sinceramente, a única certeza é que eles estão em falta. Existem, mas deixam numericamente a desejar – e não vão suprir nossas desesperadas necessidades atuais em um futuro que esteja no horizonte.

Quem vive longe da universidade pública e seu mundo acadêmico vai, naturalmente, ter dificuldades de entender sua importância e complexidade. Mais fácil absorver e crer em estereótipos mal intencionados. Em sombras distorcidas da realidade, criadas dentro do mundo virtual.

Provavelmente, quem chegou até aqui do texto é quem gosta de ler, portanto, já deve estar careca de saber de tudo o que escrevi. E também já deve saber o óbvio: o Brasil gasta menos de seu PIB com educação do que qualquer país desenvolvido. E é mais do que óbvio que não se soluciona mal uso de dinheiro com corte de verbas – ainda mais em uma área que já recebe menos do que deveria. Corte de verba só se faz se há verba sobrando. E não quando o dinheiro já está faltando. Hoje, a educação é menos de 5% do investimento nacional – e o retorno do investimento em ciência é altíssimo, inclusive para o esporte.

Diz o bom senso que qualquer solução para qualquer área depende das pessoas que estudam essa área (educação depende de … educação!) e que têm experiência nela – e nunca de paraquedistas selecionados para imporem vontades externas – ou melhor, para empreenderem projetos de destruição, e não de edificação.

Aos hipócritas que bradam por transparência, que clamam que dão mais à universidade pública do que recebem dela, está na hora de fazer um profundo exame de consciência. Ou, no mínimo, sair do WhatsApp e começarem eles a estudar seriamente.

4 COMENTÁRIOS

  1. Parabéns pelo texto, gostaria de reforçar mais alguns pontos:
    1. O Rugby deixou de ser um esporte de “colônias” ( imigrantes temporários ou permanentes) com o desenvolvimento do Rugby universitário.
    2. Foi este mesmo Rugby universitário que na década de 80 voltou a sua origem escolar e criou o Rugby em uma dezena de escolas,
    3. A USP, tem ainda o campo da Sanfran.
    4. O Rugby começou a ser jogado na Poli em 71, participando de campeonatos a partir de 72. Campeonatos de clubes, que permitiam portanto a inscrição de jogadores não pertencentes a Engenharia. Assim tivemos estudantes da FEA, Farmácia, Educação Física, Física, FFCLH,( inclusive um professor inglês), Arquitetura, etc. Nos colégios, em maior ou menor grau de envolvimento: Santa Cruz, Dante Alighieri, Porto Seguro, Pueri Domus.
    5. Já comentei antes, que não existe uma fórmula única para a introdução e crescimento do Rugby no Brasil, e deveríamos valorizar/ criar um Modelo através do Rugby Universitário.
    6. Voltando ao tema principal do artigo, já foi largamente provado em número ( e não em blá blá blá) o quanto e gerado em retorno para a sociedade cada real aplicado em ciência, pesquisa e formação universitária.
    Abraços

    Francisco Oliveira ( Chico Bira)

  2. Parabéns pelo texto, gostaria de reforçar mais alguns pontos:
    1. O Rugby deixou de ser um esporte de “colônias” ( imigrantes temporários ou permanentes) com o desenvolvimento do Rugby universitário.
    2. Foi este mesmo Rugby universitário que na década de 80 voltou a sua origem escolar e criou o Rugby em uma dezena de escolas,
    3. A USP, tem ainda o campo da Sanfran.
    4. O Rugby começou a ser jogado na Poli em 71, participando de campeonatos a partir de 72. Campeonatos de clubes, que permitiam portanto a inscrição de jogadores não pertencentes a Engenharia. Assim tivemos estudantes da FEA, Farmácia, Educação Física, Física, FFCLH,( inclusive um professor inglês), Arquitetura, etc. Nos colégios, em maior ou menor grau de envolvimento: Santa Cruz, Dante Alighieri, Porto Seguro, Pueri Domus.
    5. Já comentei antes, que não existe uma fórmula única para a introdução e crescimento do Rugby no Brasil, e deveríamos valorizar/ criar um Modelo através do Rugby Universitário.
    6. Voltando ao tema principal do artigo, já foi largamente provado em número ( e não em blá blá blá) o quanto e gerado em retorno para a sociedade cada real aplicado em ciência, pesquisa e formação universitária.

    Havia me esquecido ainda de um ponto fundamental, o Cepeusp, seguindo o seu estatuto, não serve apenas a comunidade universitária, e sim toda a comunidade, destacando outras modalidades que lá tem o local único de prática na cidade de São Paulo, como o Remo, canoagem e seus derivados, além do ciclismo ( hoje infelizmente inviabilizado).
    Assunto sem fim
    Abraços

    Francisco Oliveira ( Chico Bira)

  3. Excelente artigo! Não sabia de todo esse impacto, mas aqui no Rio Grande do Sul como tu citou varios times dependem desse apoio e parceria para sobreviver, Nós do Charrua por muito tempo treinamos na atual ESEFID UFRGS, e outros times treinam la agora.