Foto: World Rugby ES

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ARTIGO OPINATIVO – “O que você foi fazer neste tal fórum?” “Pra que serve?” “Quem vai?” Foram muitas as perguntas que recebi por conta da minha participação na organização e na condução do Fórum Sul-americano de Rugby Feminino em Assunção, Paraguai, na semana passada. A pergunta maior que trago, porém, não é sobre o fórum: o que interessa de verdade é o que irá (ou não) acontecer após o fórum.

A organização do evento começou ainda em dezembro do ano passado, e esta iniciativa faz parte de uma sequência de eventos similares patrocinados pela World Rugby para que as associações regionais de rugby buscassem caminhos para desenvolver o rugby feminino na região, respeitando seus desafios e particularidades. Asia Rugby e Rugby Africa, por exemplo, tiveram seus eventos no ano passado, e deles saíram com conquistas importantes como um planejamento (atrelado à alocação de recursos) robusto para fazer crescer o rugby feminino, ou reformas estatutárias para inclusão de mulheres nos níveis mais altos de tomada de decisão.

Para nós, na América do Sul, o fórum foi um exercício duro (ainda que inspirador) de honestidade: precisávamos, antes de tudo, escutar. Desenhar, a partir das contribuições das representantes de cada país, uma imagem realista de onde estamos, das oportunidades que temos, e da rota de intervenção que mais faz sentido para nós, coletivamente, como um continente. Nesse sentido, ainda que tenha sido dolorido, fez bem confrontar as verdades que insistentemente se varrem para debaixo do tapete: sermos a única região nunca representada em uma Copa do Mundo de XV, e a única associação regional sem mulheres em postos fixos nem no staff, e nem no nível de governança, por exemplo.

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Há que se reconhecer que o rugby feminino é um fenômeno relativamente recente na América do Sul, e este é o argumento mais frequente para justificar essas ausências: até não muito tempo atrás, todas as mulheres do rugby da região estavam ainda dentro de campo. É exatamente por isso que ter o fórum neste momento é tão oportuno: se queremos que o rugby feminino cresça (em quantidade e qualidade) na região, não podemos relegar ao esquecimento nossas pioneiras, e desperdiçar oportunidades de mantê-las envolvidas no jogo de alguma maneira. Qualquer transformação que se pretenda no esporte passa pela necessidade de termos gente, gente boa, capaz e comprometida com fazer a diferença – em qualquer nível que seja. Pensar em estruturas, reformas e estratégias perdendo de vista quem serão as pessoas a ocupá-las (e como prepará-las para isso) é incorrer no erro de acreditar que liderança é uma posição, e não um trabalho.

Coletivamente, as representantes que estiveram no fórum condensaram as muitas discussões em três problemas centrais: a pirâmide invertida, a ausência de um plano estratégico, e a falta de massa crítica de mulheres envolvidas no rugby na região. Regionalmente, o próximo desafio será tangibilizar uma rota de intervenção para começar a desenrolar a ponta desse novelo de lã – e estabelecer um plano de atividades atrelado a indicadores de desempenho, com alocação de recursos destinados especificamente a isso. Insisto, porém, que a mudança não virá somente de cima para baixo: uma mulher muito sábia um dia me disse para lutar para chegar ao topo e, uma vez lá, lutar para que eu não fosse a única. O desafio que deixo, para todas nós, é o desafio de trazer para perto mais uma vez as tantas mulheres incríveis que nós todos temos negligenciado em muitas esferas – clubes, federações, iniciativas de rugby. É urgente que as meninas novas que estão chegando saibam seus nomes, suas histórias, que se arrepiem por pensar que compartilham os mesmos espaços que elas. E mais: é urgente que pensemos, todos, em qual o nosso papel nisso tudo, e o que nós podemos impactar em nossas esferas diretas para gerar a mudança que queremos. Afinal, se não nós, quem? Se não agora, quando?

Texto: Marjorie Enya