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ARTIGO OPINATIVO – Esta é a coluna “Voz do Rugby”, espaço aberto a rugbiers mandarem textos opinativos que não são de autoria do Portal do Rugby.

 

Meu nome é Fernando Portugal, minha paixão pelo rugby nasceu em São José dos Campos, num clube onde quase 3 décadas depois ainda me impressiono com o quanto amam este esporte.
No São José participei de uma transformação de ser um grupo jovem, que não podia jogar a primeira divisão do Campeonato Paulista, porque diziam que iríamos nos machucar, para nos tornarmos no maior campeão paulista e brasileiro dos últimos 20 anos.

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Também participei de todos os processos de seleção. Fiz parte do ultimo selecionado juvenil que disputou um mundial, quando jogamos o Campeonato mundial da FIRA em 1999 no País de Gales. No mesmo ano atuei pela seleção adulta de seven, onde joguei duas etapas do Circuito mundial de sevens, que naquele momento acontecia em Punta Del Este no Uruguai e em Mar Del Plata na Argentina. No ano seguinte, 2000, ainda juvenil, fui convocado para a seleção adulta de XV do Brasil. Naquele ano a seleção voltava a participar oficialmente de um Campeonato sul-americano depois de 5 anos, mas desta vez a serie B, contra Peru e Venezuela. Fomos campeões.

Minhas participações com as seleções de XV e Seven seguiram religiosamente até o ano de 2015, com uma breve pausa durante os anos de 2005 e 2007, quando me arrisquei no velho continente e joguei por uma equipe de Série A do Campeonato Italiano, Segni Rugby.

No meu primeiro ano na Itália tive que trabalhar como pedreiro para poder jogar rugby. Naquele momento era óbvio que um brasileiro não seria pago para jogar e apenas no segundo ano, depois de uma boa temporada, consegui um contrato “profissional”.

Em 2007 resolvi voltar para o Brasil, ainda com um desejo enorme de seguir tentando carreira profissional na Europa, mas decidi ficar e me arriscar a viver de rugby por aqui.
Por sorte, meu clube, o São José, foi um dos primeiros a remunerar os treinadores e focar nas categorias de base. Então virei treinador dos juvenis do clube e recebia um salário por isso. Neste momento as expectativas com “dias melhores” terminavam logo ali.

Por um acaso do destino fiz parte de uma geração que negou a ideia de ser “a larva da bosta do rugby mundial”, como dizia nosso capitão da época. Queríamos mais e fizemos.
No final de 2007 perdemos um amistoso para o CURDA, clube paraguaio, em Assunção. Fizemos uma reunião entre os mais velhos da equipe e decidimos que só voltaríamos ao Paraguai se fosse para vencer a seleção daquele país. Algo que naquele momento não acontecia há 18 anos.

Planejamos nossos treinos. Treinamos de quinta a domingo por 4 meses antes do sul-americano de 2008, que aconteceu também em Assunção no Paraguai. Essa preparação só foi possível graças ao “rateio”, divisão dos custos dos treinamentos entre os jogadores. Os treinos aconteciam em São Paulo e para que aqueles que moravam fora de São Paulo não se prejudicassem, dividimos os custos entre todos. Pagávamos algo em torno a R$ 750,00 por mês.

O resultado não poderia ter sido diferente, vencemos o Paraguai depois de 19 anos de derrotas e ascendemos à elite sul-americana. Em 2009 jogamos o sul-americano de serie A contra Chile e Uruguai.

Em paralelo a isso estávamos disputando as Eliminatórias para a Copa do Mundo de 2011 e fomos para Trinidad e Tobago. Vencemos os jogos de ida e de volta. E até ali chegamos. Não podíamos mais. Com 100% de certeza não passaríamos da próxima fase da qualificação. Não venceríamos o Chile e nossos recursos próprios haviam se esgotado.
E, neste momento, aparece Eduardo Mufarej, que motivado pelo momento que estávamos vivendo me convidou a jantar para saber mais sobre a realidade dos jogadores e como poderia nos ajudar.

Deste movimento nasce o que é hoje a Confederação Brasileira de Rugby, CBRu. Logicamente contamos com uma enorme força, que foi a inclusão do rugby nos Jogos Olímpicos, que seriam disputados no Brasil. O cenário perfeito, uma seleção feminina que dominava o continente, jogadores masculinos dispostos a entregar toda a energia vital para fazer o rugby brasileiro crescer, pessoas administrativamente capazes de conduzir este momento e os Jogos Olímpicos no nosso quintal.

Dentro de campo vivi algumas coisas inimagináveis, participei da primeira vitória de uma seleção sul-americana sobre uma seleção argentina em 84 anos, quando os vencemos no sevens em 2011, fui capitão da seleção, joguei em Twichenhan para um público de 83.000 pessoas e encerrei a minha carreira no Pacaembu com um público de quase 15.000 torcedores.
Além de toda participação direta dentro do campo, pude viver um pouco a estruturação em outras esferas, virei uma espécie de garoto propaganda do rugby brasileiro. Comentei jogos na televisão, convivi com muitos dos principais nomes do esporte brasileiro, fui o primeiro atleta a compor a mesa do Conselho de Administração da CBRu, que aliás fez história com essa nova forma de governar esporte no Brasil. Fiz um pouco de tudo.

Mas a verdade é que hoje eu vivo o verdadeiro sonho. A seleção tem um calendário periódico na televisão, enfrenta grandes equipes mundiais e ainda com chances de vitória. Nossos jogadores começam a assinar contratos profissionais fora do país, e eu, assim como tantas outras pessoas, sigo trabalhando com rugby todos os dias da minha vida. Sou manager da academia de Alto Rendimento da CBRu em São Paulo, onde ajudo a preparar os nossos atletas de elite e contribuo para a formação dos novos. Atualmente estou colaborando com uma consultoria no Pasteur, tradicional clube de São Paulo. Depois de muito dedicar a vida à seleção, foi bom voltar ao ambiente de clube. É apaixonante, principalmente em um lugar, que, assim como onde nasci, possuí pessoas apaixonadas em fazer o rugby desde as categorias de base.

E, por falar nisso, precisamos de mais São Josés, Pasteurs e Jacareís, sem logicamente desmerecer nenhum outro clube do país, que também trabalha arduamente pelo rugby de base.
Aqui faço uma observação, minha vida de hoje, com uma família, dois filhos estudando em boas escolas, morando segura e confortavelmente em São Paulo, não seria possível sem o rugby profissional. Porém, o rugby profissional da minha vida nunca teria sido possível sem o rugby de clube, o rugby de base, o rugby amador, o rugby paixão.

Se com a ABR, sem dinheiro, sem estrutura, sem pessoas, sem visibilidade, sem seleção jogando, sem televisão transmitindo e sem incentivo fizemos o que fizemos, por que não conseguimos mais com uma CBRu que possui seleções masculinas e femininas competitivas no cenário mundial? O que nos motivava lá no início?

O alto rendimento com dinheiro e plano, a curto e médio prazo, pode te dar algum resultado. E isso a CBRu fez com maestria, fez milagre. Infelizmente, ainda não existem patrocinadores de peso interessados em apoiar Campeonatos ou equipes de rugby à nível nacional, ou pelo menos não em larga escala. Selecões competitivas são a melhor, ou uma importante estratégia para conquistar o interesse das pessoas e aumentar recursos no medio e longo prazo para o rugby como um todo. Apesar de já existirem hoje recursos, ainda pequenos, para o desenvolvimento (coisa que nunca tivemos), o rugby da comunidade, o rugby de clubes, o rugby de base, precisa de mais pessoas, de pessoas apaixonadas, de trabalho pelo propósito, de pegar a criança pelas mãos.

Eu, você e a CBRu somos todos responsáveis pelo nosso rugby. E nesta relação não há níveis de importância. Quando vencemos, vencemos todos. Quando perdemos, perdemos todos. Assim aprendemos no campo.

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