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O Portal do Rugby e a Revista Rugbier agora são parceiros

Número de times brasileiros quase triplica em quatro anos e, acredite, não é por causa do terceiro tempo. Matéria de capa da segunda edição da Rugbier, de autoria de Victor Ramalho.

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Já não é exagero dizer que o rugby está sendo jogado em todo o Brasil. Ainda que o Sudeste se mantenha com a maior concentração de clubes (54%), a popularização do esporte, desde os anos 2000, atingiu 25 dos 27 estados do país. O salto é vistoso. No último censo realizado pela então Associação Brasileira de Rugby (ABR), em 2009, o número de agremiações era de 104, distribuídas por 17 estados. Em 1986, a ABR registrava apenas 19 clubes, concentrados principalmente em São Paulo, Rio de Janeiro e Paraná.

De lá pra cá, o rugby deslanchou. Em 2013, 278 equipes estão plenamente ativas no Brasil – o número leva em conta uma parcela de clubes ainda não formalizados com a Confederação Brasileira de Rugby (CBRu). Os dados foram levantados pelo Portal do Rugby, que ainda computou a presença de categorias juvenis e femininas dentro de cada time. Depois de um século de existência dentro do eixo “Rio–São Paulo” fica claro que o esporte toma novos rumos, que começaram a ser traçados no sul do país e já migram para Centro Oeste, Norte e Nordeste.

Em 1981, a fundação do Curitiba Rugby Clube começou a mexer de fato no eixo nacional. A primeira Copa do Mundo de Rugby (1987) ainda não tinha sido realizada e o esporte estava longe de se tornar profissional. Na década de 90, o esporte apareceu ainda na Universidade Federal de Viçosa (MG), e chegou ao Norte do país com a criação do Grupo de Rugby da Universidade do Amazonas (GRUA). Santa Catarina entrou na história em 1995 com a fundação do Desterro Rugby Clube, em Florianópolis, marcando o início de um processo de difusão do rugby por todo o território nacional.

 

SUL

“Surgimos a partir do Serra RC, de Caxias do Sul. Eu treinava lá. Houve uma influência muito positiva do Serra em nosso desenvolvimento, inclusive eles realizaram treinos da equipe em Bento Gonçalves para fomentar o esporte. Durante os dois primeiros anos não tínhamos nenhum estrangeiro ou jogador experiente na equipe”, relembra Luis Flores, o Tito, presidente do Farrapos Rugby Club, fundado em 2005, na cidade de Bento Gonçalves, no Rio Grande do Sul.

O rugby chegou de fato ao estado em 2001, com a fundação do Charrua Rugby Clube, na capital Porto Alegre. Doze anos depois, o Rio Grande do Sul já é o segundo estado com mais clubes no país, com 25 ao todo. No entanto, a primeira e única equipe da região até hoje a alcançar o Super 10 (Campeonato Brasileiro da Primeira Divisão) foi o Farrapos, de Bento Gonçalves, cidade com pouco mais de cem mil habitantes.

O clube é um caso notável de crescimento meteórico. Em apenas seis anos de existência conquistou quatro títulos estaduais e ergueu o troféu de campeão da Copa do Brasil de 2010, divisão de acesso ao Super 10. Em seu segundo ano na elite, atingiu o inédito quinto lugar nacional. O feito relembra o excelente início do Desterro (SC), que foi ainda mais longe: se sagrou campeão brasileiro logo no seu segundo ano de existência, em 1996.

“O rugby no Brasil ainda é amador. Acredito ser mais fácil um clube de rugby conquistar espaço em uma cidade do porte de Bento Gonçalves do que em uma capital. Além disso, muitas pessoas vão aos jogos por saberem que quem defende o clube da cidade é aquele seu colega de trabalho que, além de trabalhar das 8 as 18 horas, treina à noite e, aos sábados, joga pelo time da cidade”, ressalta Tito. Em suas campanhas no Super 10 e no Campeonato Gaúcho, o Farrapos leva ao Estádio da Montanha (concedido em parceria com a Prefeitura), um público de dois a três mil torcedores, número comparável apenas aos jogos da Seleção Brasileira de Rugby.

 

CENTRO OESTE

O esporte também deu as caras na Capital Federal. A fundação do já extinto Brasília R.C. em 2001, fez o rugby aparecer no Centro-Oeste, acompanhando o desenvolvimento econômico da região. Em 2009, nasceu a Copa Brasil Central, o Pequi Nations, reunindo as equipes do Campo Grande R.C. (de 2002), Brasilia Rugby (de 2005) e Goiânia R.C. (de 2006, hoje Goianos R.C.). Em 2010, o torneio incorporou o Cuiabá R.C. (de 2009), passando a contar com times de todos os estados da região.

O Cuiabá é o exemplo de equipe fundada pela ação de rugbiers com anos de experiência nas costas. O idealizador da equipe foi o francês Alain Leplus, ex-atleta do Auch, da França, e ex-técnico da seleção uruguaia juvenil e da seleção brasileira juvenil nos anos 90. Junto de seu irmão Michel, Alain Leplus se mudou para uma fazenda no Mato Grosso, e criou o Buriti Rugby Clube, na cidade de Nova Mutum, no interior do estado.

Em Cuiabá, os Leplus se juntaram a outro europeu, o italiano Paolo Targioni, que fez sua carreira no Rugby Prato (atual I Cavalieri Prato) e se mudou para São Paulo para fazer doutorado na USP, onde jogou de 2005 a 2008 na equipe da FFLCH (Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas), da qual foi treinador antes de se mudar para Cuiabá com sua esposa.

“Em Cuiabá, o primeiro problema é o clima seco e quente. O outro é a força do futebol americano, que já foi campeão brasileiro e recebe atenção da secretaria de esportes. Tivemos uma rotatividade altíssima de jogadores no início”, expôs Paolo. “Agora, o objetivo é trazer crianças e jovens para jogarem, promover partidas interescolares, além de projetos sociais”, completa. A distância de outros times e a falta de estrutura física também são desafios do clube. “Em 2013, nosso foco será Sevens. Precisamos jogar mais, porque o Pequi Nations tem apenas três rodadas. Para enfrentar qualquer time são pelo menos 700 km de estrada. São cerca de 20 mil reais por ano só para jogar o torneio”, aponta Paolo.

Enquanto isso, o Mato Grosso do Sul já conta com um campeonato estadual de XV desde 2007, com as participações de Campo Grande, Corumbá, Dourados e Três Lagoas. Em 2012, a Federação Goiana de Rugby lançou seu estadual de Sevens e, em 2013, foi a vez da Federação Brasiliense de Rugby iniciar um torneio estadual de XV, envolvendo os três clubes da cidade: Brasília, Rugby Sem Fronteiras e Candango.

 

NORDESTE

O rugby também chegou a todos os estados do Nordeste, um movimento que começou com a criação do Recife Rugby Club em 2005 e culminou com o surgimento do Sergipe Rugby Club em 2012. A região conta com outra tentativa de desenvolvimento: a associação com clubes já existentes de futebol, caso das parcerias entre Galícia Esporte Clube com o Bahia Rugby Clube, em Salvador (BA), e do Alecrim Futebol Clube com o Potiguar Rugby Clube, em Natal (RN). A junção também aconteceu no Maranhão entre a Associação Atlética Upaon Açu e o Sampaio Correa, 31 vezes campeão maranhense de futebol, o maior do estado.  “A parceria é um convênio, o Sampaio nos oferece estrutura de treinamento e em contra partida usamos o nome do Sampaio. A Upaon Açu tem total controle e liberdade na gestão da modalidade dentro do Sampaio Corrêa, autonomia importante para conservar valores tradicionais que o rugby carrega”, afirma Juan Frota, ex-treinador da Associação Maranhão Rugby (AMARU) e fundador da Upaon Açu. “Podemos dizer também que vestir a camisa do clube com a maior torcida do estado é algo que facilita o processo de popularização do rugby e gera afinidade”, completa Juan.

Fundada em 2011, a AMARU foi a introdutora do rugby no estado. O início se deu sem a participação de rugbiers experientes. “Um grupo de pessoas que assistiam ao esporte pela TV e internet se mobilizou e passou a praticar o rugby aos sábados nas praias de São Luis. Como o único do grupo que já tinha jogado rugby antes, passei a ensinar o esporte e a estruturar um cronograma de treinamentos. Mudamos da praia para um campo de futebol”, contou Frota, ex-treinador da equipe. Para seguir atraindo atletas, a AMARU usou as redes sociais e apostou no marketing “boca a boca”, estratégia comum entre os clubes brasileiros.

Para Juan, que jogou no Rio Grande do Sul, Distrito Federal e no Souths, de Brisbane, na Austrália, o maior problema do rugby nordestino é a falta de continuidade dos times. Criado em 2006, o Campeonato Nordestino de Rugby ganhou nova cara em 2012. “O Nordestão era disputado apenas em um final de semana e não permitia um planejamento dos clubes durante todo o ano. O novo formato de competição foi intitulado Liga Nordeste de Rugby XV, e teve em sua primeira edição oito clubes divididos em dois grupos, Norte e Sul.  A divisão geográfica dos grupos facilitou o desenvolvimento da competição. Em 2013, a Liga cresceu para 12 clubes, divididos em quatro grupos. Toda essa movimentação fez com que o projeto se tornasse viável e sustentável”, ressaltou Juan.

Com onze treinadores nível 1 (escala internacional da International Rugby Board), quatro árbitros, equipes femininas e planos para a criação de um campeonato estadual M18, o rugby maranhense mostra que, mais do que entusiasmo, é necessário pensar nas estruturas para o esporte crescer. O desenvolvimento começa a aparecer também no Norte do país, com a criação do primeiro campeonato regional de rugby XV: a Copa Norte, em 2012.

 

NORTE

Quem acha que a chegada do rugby na região Amazônica está mais a frente na linha do tempo, se engana. Em 1995, nascia o GRUA, Grupo de Rugby da Universidade Federal do Amazonas, em Manaus, por iniciativa do professor Marcelo Gordo, do Instituto de Ciências Biológicas, que jogou rugby em São Paulo. Já em 1999, surgiu em Belém do Pará, o Rugby Açu, que durou apenas um ano. Mas a semente plantada em Manaus vingou, e levou à fundação de outros clubes, como o Guerreiros Korubo, em 2000, e o Gárgulas MR, em 2011. Após GRUA e Korubo iniciarem as disputas do Campeonato Amazonense de Rugby XV, a bola oval chegou a outros estados da região. Em 2010, nasceu o Palmas R.C., na capital do Tocantins, enquanto em 2011 foram fundados o Porto Velho RC, em Rondônia, e o Acemira Rugby Belém, que devolveu o rugby ao Pará.

Em 2011 também foi realizada a 1ª Copa Amazônia Legal de Sevens. Em 2012, foi lançada a Copa Norte de XV, realizada em Manaus, com a participação de GRUA, Korubo, Parintins (primeiro clube no interior do Amazonas) e Porto Velho – competição que terminou com o título do GRUA e sua classificação inédita à Copa do Brasil.

A última fronteira brasileira conquistada pela bola oval foi em Roraima, com a fundação, no fim de 2012, do Macuxi Rugby Clube, em Boa Vista. “Tudo começou com o José Reinaldo, o Junoca, que fazia academia comigo e assistia rugby na TV. Um dia ele comprou uma bola pela internet e nós começamos a juntar os interessados pelas redes sociais. O intuito não era nem jogar certinho, era fomentar o esporte. Se a gente não vai atrás, nada acontece”, conta Pedro Ferraz, o Peu, fundador e presidente do clube.

O Macuxi ganhou impulso com a entrada na equipe de Célio Oliveira, ex-atleta do Desterro que se mudou para Roraima. “Ele que passa os treinos de fundamento e é o único que já jogou rugby”. Hoje, por conta da divulgação na internet, novos interessados passaram a entrar na equipe. “Gente que eu nem conhecia começou a participar”, lembra Peu. “Já entramos em contato com a CBRu, e estamos preparando a formalização do time. Também já fomos atrás da secretaria de esportes e de empresas. Outro objetivo é conseguir montar clínicas de rugby ainda neste primeiro semestre para divulgar o esporte em Boa Vista”.

Impulsionados pelo rugby na televisão fechada e internet, incentivados por ex-jogadores ou apoiados em trabalhos de marketing e mídia local, os clubes tem buscado seu caminho pelo país.

 

NOVO EIXO

Histórias recentes mostram também como o esporte invadiu o interior dos estados, inclusive em São Paulo, que reúne 97 times, maior marca do país.

Se São Paulo é o centro tradicional do rugby brasileiro, então Presidente Prudente é o novo eixo fora do eixo. Localizada a 558 km da capital paulista, a cidade ganhou time em 2001, por iniciativa de Murilo Martoni.  Conhecido hoje como Cowboys Rugby Clube, o time foi um dos fundadores, em 2005, da LIPAR (Liga Paulista de Rugby), hoje filiada à FPR e responsável por gerir a maior parte dos eventos no interior do estado. A distância, no entanto, fez o clube criar a LOPaR – Liga do Oeste Paulista de Rugby – em 2011, junto de outros clubes novos da região, vindos de Marília, Pirajuí, Junqueirópolis e Garça.

O clube também se aproximou do poder público e levou adiante um projeto social de desenvolver o rugby nas escolas: “a Secretaria de Esportes nos cedeu um campo para treinar, que fica no Parque do Povo, região central, de visibilidade. E já conseguimos viajar com ônibus da prefeitura. Tudo graças ao reconhecimento de nosso projeto social que colocou o rugby nas escolas de Ana Jacinta, periferia da cidade”.

O clube também organiza atividades junto do SESC local e fomenta o rugby nos Jogos Regionais e nos Jogos Abertos do Interior. “Os times são, em geral, novos, formados por gente que conheceu o rugby na faculdade em outras cidades e têm poucos atletas. Por isso Sevens é o ideal e ainda reduz os custos”. A organização simples e comprometida da LOPaR e de seu circuito de Sevens chamou a atenção. Não por acaso, Prudente receberá nada menos que cinco cursos IRB de arbitragem e coachingem 2013, por iniciativa da FPR e da CBRu. O futuro em nosso rugby não está mais na força do eixo, mas na pluralidade de novos centros.

 
 
Escrito por Victor Ramalho
Foto: Divulgação
 
 
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