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Lucas Junqueira é atleta do clube Adeacamp, de Campinas (SP), viaja para a cidade 3 ou 4 vezes por semana para seguir seus treinos de alto rendimento. É da seleção paralímpica brasileira de Rugby. Além de paralímpico, também é atleta parapan-americano e conquistou, com a equipe brasileira ao participar do primeiro Parapan, o quarto lugar geral na competição. Fora das conquistas em competições, Lucas conseguiu superar seu trauma, e, como antes dele, era uma pessoa muito ativa, conseguiu retomar suas atividades físicas depois que conheceu o rugby.

 

É de São Paulo, capital e é uma PCD (pessoa com deficiência) desde o início de 2009, quando sofreu um acidente de mergulho na praia, lesionou a medula ao quebrar o pescoço e foi diagnosticado com tetraplegia, ou seja, perdeu os movimentos do pescoço para baixo. Lucas passou por uma cirurgia na altura da fratura, colocou uma placa de titânio e com o passar do tempo reconquistou mobilidade. Hoje, tem acessibilidade em 100%, ainda tem músculos paralisados mas a situação é de grande evolução.

 

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O rugby em cadeira de rodas surgiu no Canadá em 1977, criado por tetraplégicos porque perceberam que poderiam ter mais sucesso do que desenvolviam em outras modalidades.

 

Portal do Rugby – Lucas, desde quando você conhece o Rugby? Como você o encontrou depois do seu acidente?

Lucas Junqueira – Eu conhecia antes do acidente. Cheguei a jogar antes, foi algo muito de lazer. Depois do acidente, quando eu estava em reabilitação no Hospital Sarah Kubitschek, em Brasília, recebi um leque de esportes adaptados que poderia praticar. Antigamente, eu conhecia somente natação e basquete e na reabilitação conheci tênis de mesa, tênis de quadra, esgrima, bocha e, também, o rugby. Voltei para São Paulo praticando 5 modalidades e fui afunilando, precisei escolher um esporte para me dedicar e o rugby me conquistou desde o começo, foi muito fácil escolher.

 

PdR – Como você sente a visão das pessoas que assistem os cadeirantes no rugby?
Lucas Junqueira – As pessoas olham para os cadeirantes e pensam que somos cascas de ovo, sabe? Mas quando assistem a gente em quadra e eles começam a ver o bate-cadeira, as pessoas passam a ter outro tipo de visão.

 

PdR – Todos os atletas das seleções têm a mesma deficiência?
Lucas Junqueira – No rugby, para participar, a pessoa precisa ter, no mínimo, 3 membros afetados. Por exemplo, um paraplégico que tem apenas as pernas comprometidas não pode jogar. Tem um jogador na seleção hoje que é paraplégico mas que sofreu outro acidente e lesionou a mão esquerda.

 

PdR – Tem alguma razão pela bola não ser oval?
Lucas Junqueira – Tem sim. O rugby paralímpico, como todo outro esporte, é adaptado para pessoas com deficiência. Pingar uma bola oval é muito mais difícil. Então, essa bola é parecida com uma bola de vôlei mas é feita para o rugby mesmo.

 

PdR – Como um esporte adaptado, as regras também mudam. Quais as diferenças?
Lucas Junqueira – As regras são diferentes do rugby convencional. Uma das diferenças é que o atleta não pode ficar com a bola mais do que 10 segundos – ou ele quica a bola para ganhar  mais 10 segundos, ou passa a bola para não estourar o tempo. O passe pode ser feito para frente. O try vale 1 ponto só. O time que fizer o ponto não recebe chute de conversão. Um jogo de rugby na cadeira de rodas costuma ter um placar de 46 X 45, se for parelho. O tempo é dividido em  4 tempos de 8 minutos; a partir do momento que a bola sai, o cronômetro para. São 4 atletas em quadra por cada equipe de 12, a substituição é ilimitada.  Todas as equipes podem ser mistas.

 

PdR – Como funciona a escolha dos atletas na hora do jogo?
Lucas Junqueira – Todos os atletas recebem uma classificação funcional como todo esporte paralímpico. Essa pontuação vai de 0,5 a 3,5 e vai de acordo com a funcionalidade do atleta e do quanto conseguiu recuperar de movimentos. A soma desses 4 atletas não pode passar de 8 pontos para ser um jogo justo. São todos tetraplégicos mas uns recuperaram mais que os outros; a banca de classificação é bem rigorosa e fazem vários testes.

 

PdR – Qual a sua classificação? Interfere na sua posição no jogo?
Lucas Junqueira – Minha classificação é a mais baixa, 0,5. Então, na hora do jogo, sou mais um bloqueador e abro caminho para quem estiver com a bola continuar em segurança.

 

PdR – Por que não existe uma seleção feminina?
Lucas Junqueira –  Porque não existe público. Elas podem jogar na mesma equipe que a masculina mas para ser justo, a classificação cai em 0,5 ponto. Na verdade, o time que tem uma mulher pode jogar com meio ponto a mais (8,5 na somatória geral).

 

PdR – Alguma mulher joga na seleção brasileira?
Lucas Junqueira – Na seleção não mas nos clubes do Brasil tem mulheres que jogam. No meu clube,  por exemplo, tem mulheres que jogam. Na Grã-Betanha tem uma mulher que vai jogar e é a única na competição.

 

PdR – Quais são os clubes que existem na região de São Paulo?
Lucas Junqueira – Tem o meu, Adeacamp, em Campinas (SP), o Gigantes em Campinas  (SP)  também e o MSB em Bebedouro (SP).

 

PdR – Os clubes organizam campeonatos e amistosos?
Lucas Junqueira – Antigamente, só existia o campeonato brasileiro.  Com o passar do tempo, os clubes foram realizando alguns amistosos, campeonatos abertos e desde então criamos campeonato regional, alguns outros nacionais também.

 

PdR – Qual a entidade que cuida dos atletas do Rugby na cadeira de rodas?
Lucas Junqueira – A Associação Brasileira de Rugby em Cadeira de Rodas e o vínculo que ela tem é com o comitê paralímpico, sem relação com o rugby convencional.

 

PdR – Como você tem enxergado a evolução do Rugby na cadeira de rodas nas paralimpíadas?
Lucas Junqueira – O rugby surgiu em 1977 no Canadá mas no Brasil só em 2008. Nas américas, só Canadá e Estados Unidos praticavam. Depois, surgiu Argentina, Brasil e Colômbia. Desde então, evoluímos como clubes brasileiros e como seleção. O rugby paralímpico foi crescendo mundialmente e hoje tem seleção no Peru, Paraguai, Uruguai. É a primeira vez do Brasil numa paralimpíada, mas a modalidade existe na competição desde 2004. O Brasil ainda não tem índice técnico para participar das paralimpíadas. Para participar, o país precisa ser campeão parapanamericano, por exemplo – e, para isso, precisamos ganhar do Canadá, que é o primeiro do ranking e Estados Unidos; e nossa seleção ficou em 4º no ano passado. Essa é uma grande oportunidade do Brasil participar e o objetivo é trabalhar bastante para conseguir uma vaga em Tóquio.

 

PdR – Qual o país favorito para a medalha nesse ano?
Lucas Junqueira – Participamos do evento teste, também acompanhei  alguns campeonatos europeus, a Grã-Bretanha é a atual campeã europeia, Canadá vem muito forte e a Austrália é a atual campeã paralímpica. A Nova Zelândia perdeu a vaga para a França e não participa do Rio 2016.

 

PdR – Como o rugby te ajudou na recuperação?
Lucas Junqueira – Conquistei muito mais força, resistência e fiz amizades incríveis. Lembro que na época do meu acidente, o médico me disse que a recuperação dependia do meu organismo, que não tinha tanto para ser feito. Na situação que eu estou hoje, na questão da lesão e dos músculos paralisados, o rugby me ajudou a fortalecer o que  eu já tenho. Tenho autonomia, independência e para o meu nível de trauma, pude entender como forçar e entender meu corpo, jogando rugby.

 

PdR – Quando você sofreu  a lesão, você se imaginava atleta  e, ainda mais, paralímpico?
Lucas Junqueira – Quando eu sofri o acidente, eu fiquei consciente o tempo todo e me questionava sobre a volta dos meus movimentos. Comecei a tentar dar uma função para tudo que fosse se recuperando no meu corpo. Não conhecia esporte paralímpico, mas quando fui para o Sarah Kubitschek, comecei a jogar rugby, que tinha uma seleção brasileira e, desde então, lancei uma meta: quero ser um atleta de alto rendimento, quero jogar campeonatos internacionais. Foi  quando lancei essa meta de viver do esporte que eu comecei a intensificar os treinos, investir em material. Desde que eu soube que o Brasil sediaria as paralimpíadas, eu passei a trabalhar muito pra isso.

 

PdR – Qual a rotina de treinos da seleção?
Lucas Junqueira – Na seleção são 12 atletas de diversos estados – Minas Gerais, Brasília, Rio de Janeiro, São Paulo… Então, a cada 2 meses, a gente se encontra no centro de treinamento, em Niterói (RJ) e faz uma semana inteira de treinos com 6h por dia. A gente acaba se entrosando, treinando as táticas.

 

PdR – Você já esperava que seria convocado para a seleção paralímpica?
Lucas Junqueira – Eu tinha sido pré-convocado com outros 15 atletas. Estou na seleção desde 2013 mas nada era certo da convocação. Fiquei  super ansioso. Quando saiu a lista, foi muito emocionante. Passou uma retrospectiva dos sacrifícios para atingir esses objetivos.

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