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A Alemanha veio ao Brasil, mas nós vamos um pouco mais a norte. O que você sabe sobre o rugby da Suécia? Rodrigo Góes, jogador do Rugby FFLCH, foi para a terra dos Vikings e nos contou como é o rugby por lá. Confira!

 
 

Enquanto todas as atenções do rugby se voltavam para a Inglaterra durante a Copa do Mundo, culminando com o terceiro título dos neozelandeses, do outro lado do Mar do Norte um outro campeonato também conhecia seu vencedor. Em uma disputada partida o Stockholm Exiles confirmou a vantagem de 20-0 do primeiro jogo venceu Pingvin RC de Trellborg por 24 – 7 sagrando-se campeão do Allsvenskan, o campeonato sueco de rugby union. Pela decisão do terceiro lugar o Södertälje venceu o Norrköping Trójan fora de casa, 15 – 39, garantindo a terceira posição do campeonato nacional. Quando consegui meu intercâmbio para o segundo semestre de 2015 logo me animei com a possibilidade viajar até o Reino Unido e estar presente na Copa do Mundo, mas o câmbio não acompanhou meus planos e meu contato com o rugby na Europa acabou restrito à Suécia, o que tem se mostrado uma realidade bastante interessante e sobre a qual aqui escrevo um pouco, apresentando as impressões que tive sobre a sociedade sueca e seus enlaces com o rugby.

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A primeira partida de rugby realizada na Suécia foi entre a tripulação de dois navios ingleses estacionados no porto de Estocolmo. Aos poucos imigrantes de países onde o esporte já era mais popular e suecos que nesses países viveram passaram a espalhar o esporte pelo país, estabelecendo um campeonato nacional em 1943, enquanto o resto da Europa estava mergulhado na Segunda Guerra Mundial. Antes disso os suecos contaram até com seu próprio código de futebol, que se perdeu com o tempo. O rugby se consolidou definitivamente no país a partir da década de 60 onde grande parte dos clubes atuais foi fundada, inclusive o Norrköping Troján, clube pelo qual tive o privilégio de disputar cinco partidas até o fim da temporada. Ao contrário do que ocorre nos países mais ao sul, na Escandinávia os torneios de esportes jogados ao céu aberto, como o rugby e o futebol, não são divididos entre dois anos distintos, começando e terminando próximas do verão local. Com um inverno duro e imprevisível, a temporada de rugby tem início no mês de abril e acaba geralmente em meados de outubro, quando o 7s ganha força no cenário nacional antes que a neve tome conta dos gramados. Mas se os jogos oficiais não acontecem mais, o mesmo não pode ser dito sobre os treinos que então passam a ocorrer em campos sintéticos indoor quando não no frio de -20ºC, como já ouvi histórias de jogadores mais velhos, e com as quais não me empolgo muito.

 

No nível internacional, a seleção do país oscila entre a divisão 1B e 2A do Campeonato Europeu de Nações, amargando a última colocação com nenhum ponto em sete rodadas na temporada 2014 – 2016. Assim como no Brasil, é comum escutar dos suecos que o rugby é o esporte que mais cresce no país. Olhando de fora, essa afirmação faz sentido ao ver tantos garotos e garotas treinando nas categorias de base dos clubes. O que faz sentido, já que a Confederação Sueca de Esportes repassa aos clubes, por cada jogador entre 7 e 25 anos, seis coroas por treino, além de 24 pelo treinador e mais seis se esse contar com um assitente. As consequências dessa política pública são óbvios: todos os clubes passam a buscar formentar suas categorias de base como uma maneira de aumentar suas receitas. Uma consequência direta é a formação de mais jogadores, que praticam o esporte desde crianças. No Trójan a grande maioria dos jogadores é formada nas próprias categorias de base do time.

 

Algo que auxilia a implementação das categorias de base é o fato de que cada clube, mesmo os mais novos e menores, contam com campos oficiais próprios ou cedidos por clubes de futebol ou em parques da cidade. Em dias de jogos é comum a cobrança de entradas para acompanhar os jogos das modestas arquibancadas, cerca de 40 ou 50 coroas suecas – para fins de comparação, um copo de cerveja de 500 ml num bar poucas vezes sai por menos de 60 coroas. Aqueles que não estão dispostos a pagar, podem colocar suas cadeiras ao lado da arquibancada e ainda assim assistir os jogos. Fica a impressão de que os ingressos são vistos pelos torcedores apenas como uma maneira de contribuir com o clube e por este, como uma fonte extra de receita. O apoio financeiro dos torcedores durante as partidas não fica restrito apenas aos ingressos, outra fonte de receita é a venda de cachorros quentes e bebidas, já que inevitavelmente ao lado das arquibancadas existe um quiosque vendendo esses produtos. O envolvimento do time com a comunidade local é notório, demonstrado pelo patrocinadores locais ou nos jogos fora de casa, quando marmitas de macarronada são doadas por um restaurante da cidade. Os jogadores do time costumam participar do principal festival musical de Norrköping, o Bråvalla, seja coletando latas e garrafas para reciclagem ou fazendo a segurança do evento, reforançando o vínculo do clube como sua cidade além de também ser uma fonte de renda.

 

Após toda partida, ambos os times se reunem no centro de campo e o capitão de cada equipe faz um pequeno discurso, agradençendo pelo jogo e convidando o adversário para o terceiro tempo. Alguns dos clubes mais estruturados contam com sedes próprias, embora nem sempre anexas ao campo. É sempre um ambiente agradável, com um aspecto de um pub, repleto de flamulas, camisas, troféus e um inevitável telão para acompanhar os jogos da Copa do Mundo. É lá que o terceiro tempo acontece, com uma fartura de comida para todos, vi desde lasanha até arroz com chili, fazendo questão de comer o máximo possível de graça.

 

É evidente o papel integrador que o esporte em geral promovem no país entre imigrantes, refugiados e suecos de ascêndencia sueca. Basta uma dar uma olhada nos nomes dos jogadores da seleção sueca de 20 anos atrás, de hoje e da sub-18, a presença de nomes não suecos é cada vez mais constante. E apesar de todo o hype gerado pela acolhida de inúmeros refugiados pelo país, a integração desses à sociedade sueca não é tão simples. O preconceito velado existe e é uma constante. Mas o ambiente do rugby parece acolher bem as diferenças culturais e mais do que isso, se beneficia delas. Na sociedade sueca a integração de imigrantes ocidentais é muito mais simples que a de refugiados ou imigrantes de países não ocidentais, por isso não é uma surpresa a presença de jogadores vindos de países tradicionais no esporte, no Trójan por exemplo, contavamos com escoceses, sul africanos, quenianos e australianos. É constantemente dito que a recepção de refugiados sempre enriquece a cultura no país anfitrião, ao olhar para o rugby sueco essa afirmação mostra o porque de sua ampla aceitação, por exemplo, dentre os atletas que disputaram as decisões do terceiro lugar, contamos com um sírio, que jogou pela seleção de seu país antes de a guerra estourar e refugiado na Suécia, passa a se integrar na sociedade local e a contribuir com sua experiência no esporte. A fraca presença de jogadores de origens não suecas, se comparada ao futebol, é pequena, mas não porque as portas do esporte estão fechadas para eles, apenas por o esporte não chama tanta atenção desses jovens como o futebol o faz. Nesse esporte, Norrköping conta com clubes de origem síria, bósnia e chilena, atuais e antigos focos de envios de refugiados.

 

A falta de popularidade do rugby na Suécia não parece ser um motivo para sua falta de estrutura. Contando com o apoio do Estado e da comunidade, os clubes parecem trilhar caminhos sólidos em sua estruturação, o que reflete em uma melhora no nível de jogo e ajuda a divulgar o esporte pelo país. Acredito que, ressaltadas as claras diferenças econômicas, temos o que aprender com o rugby sueco, como suas políticas públicas que beneficiam o esporte. Mas o inverso não é menos verdade, em um país marcado por divisões étnicas, um projeto inclusivo como o Rugby Para Todos seria também igualmente benéfico para toda a sociedade sueca, benefícios que certamente se expandem para além do esporte.