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O Rio 2016 provou que o sevens é uma modalidade que merece um lugar nos Jogos Olímpicos. Rápida, eletrizante e já tendo produzido cenas que entrarão para o imaginário olímpico para sempre: o haka em lágrimas da seleção feminina da Nova Zelândia e o ouro inédito de Fiji no masculino serão lembrados por décadas mesmo por quem não era ainda fã do rugby. A histórica vitória do Japão sobre a Nova Zelândia e o épico duelo entre argentinos e britânicos no masculino, assim como o feito da seleção feminina do Brasil ao alcançar o nono lugar não sairão da mente dos rugbiers do Brasil e do mundo que estiveram em Deodoro ou que vieram o espetáculo todo pela TV e internet.

 

Baixada a poeira, é hora de pensarmos o futuro do rugby sevens nos Jogos Olímpicos e no mundo. E a primeira ponderação que deve ser feita é que, apesar do sucesso que o rugby foi em Deodoro, ele ainda precisa dar um salto, atingir uma maturidade que obviamente não era esperada para o Rio de Janeiro. Afinal, o rugby sevens estreava nos Jogos Olímpicos em um país onde o esporte ainda não é grande. Sem imagens olímpicas na memória do brasileiro, é claro que o interesse geral pelos eventos em Deodoro seriam muito maiores entre quem já era do rugby do que entre o restante da população. A distância de Deodoro para as principais arenas olímpicas tornou os eventos do rugby menos atrativos para quem apenas queria “curtir” os Jogos Olímpicos. Afinal, era muito mais sedutor estar no Parque Olímpico ou no Engenhão do que em Deodoro. O mesmo pode ser dito para os estrangeiros, mesmo para os de países onde o rugby é um esporte desenvolvido. Tal situação ficou mais evidente no evento feminino, cujo público foi sensivelmente menor do que no masculino. Mas, ainda assim, foi possível encontrar em Deodoro muitas pessoas que não conheciam direito antes o rugby, que foram ao torneio pela experiência olímpica de conhecer um novo esporte.

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O Rio 2016 cumpriu muito bem com seu papel. Era o de apresentar o rugby aos Jogos Olímpicos e o sevens ao mundo que ainda não o conhecia. O resultado final de público foi bom, satisfatório, já levando em conta as esperadas limitações que a sede impunha. No estádio não tivemos o mesmo clima de festa a fantasia que é típica de torneios da Série Mundial, mas isso se deve à cultura de sevens ainda em construção no Brasil. Foi divertido e deve ajudar a aquecer o crescimento do rugby brasileiro: é o que importa.

 

Tóquio, no entanto, promete levar o torneio a uma nova dimensão em 2020. Com um estádio para 50.000 pessoas, mais central na cidade, e uma cultura de rugby fortíssima – e muito anterior ao sucesso de 2015, pois basta dizer que, de acordo com o último censo local, o rugby é jogado regularmente por cerca de 130.000 japoneses, sem contar o Tag Rugby, e o país conta com cerca de 3.700 clubes. Os japoneses estão no Top 10 do mundo na demografia do rugby e com sua seleção em franca ascensão (o masculino de sevens já causou impacto em 2016, enquanto o feminino é esperado que faça barulho até 2020, com certeza), o que significa que espera-se casa cheia para o rugby olímpico.

 

Até lá, no entanto, é importante analisar os esforços de crescimento do sevens em nível global. E ainda há muito a ser feito. Por maior que seja a Série Mundial de Sevens Masculina, ela ainda não ocupa uma posição central nas discussões do mundo do rugby. E mesmo alguns atletas de seleções centrais do circuito ainda não vivem do sevens. Os salários pagos pelos selecionados “permanentes” ainda precisam atingir uma maturidade que só virá quando a Série Mundial passar a ser um negócio com lucros milionários. E ela ainda está longe de ser. Com 10 etapas, ainda sem nenhuma na América do Sul, o circuito tem um percurso longo ainda a crescer – e é preciso dizer que o World Rugby vem sendo bastante lúcido e responsável nesse processo, sem cometer loucuras. E esse crescimento passa também por encorpar os circuitos continentais, que dão espaço a seleções emergentes, e mesmo em criar um circuito mundial de segunda divisão e torneios juvenis de sevens – quem sabe um Mundial M20 de Sevens?

 

Hoje, para seleções de países onde o XV é o foco, como Austrália, França ou Gales (ou mais drasticamente Irlanda e Itália, que sequer são seleções centrais do circuito), o sevens não expressa hoje nada próximo do real talento que esses países podem oferecer, tornando-se apenas um trampolim para muitos jovens jogadores chegarem ao XV em um nível maior. A maturidade que o sevens buscará alcançar até 2020 – ou talvez só em 2024 – é de ter na Série Mundial um circuito que realmente seja um espetáculo televisivo popular em todos os países onde o rugby já é forte e em constante crescimento onde ainda ele não é, podendo pagar salários mais próximos do que os clubes pagam em seus elencos de XV – ainda mais porque os elencos de sevens são muito mais enxutos.

 

Esse crescimento do sevens não deve ser pensado como uma modalidade que rivalizará com o XV, não! E isso não ocorrerá, pois a cultura do XV é muito mais forte, sobretudo porque o calendário do rugby mundial é pautado pelo XV, tendo em paralelo as iniciativas de sevens. A Premiership inglesa já apontou para o caminho, criando um circuito de sevens de pré temporada, enquanto o Top 14 francês já estuda fazer o mesmo – e inclusive usar o sevens para levar rugby profissional a cidades que ainda não tem times de elite. No rugby profissional, o sevens pode ser um complemento de negócios ao XV. No amador, no entanto, a situação requer mais cuidado, para não fazer com que a obrigação do sevens afogue os clubes que têm como foco o XV. Nesses casos, cabe muito mais às federações encontrarem o caminho para o sevens, centrando-o no nível das seleções nacionais ou seleções regionais, por exemplo.

 

Já para o rugby feminino o sevens oferece ainda mais oportunidades, tendo em vista que o rugby feminino é amador no mundo todo e que o sevens se apresenta como um caminho mais fácil de profissionalização, ainda mais com o bônus do rugby olímpico. Entretanto, esse aspecto é alarmante do mesmo jeito que empolgante. Afinal, corre-se o risco de, por pragmatismo estratégico (pensando apenas financeiramente), se relegar o XV feminino a uma condição marginal – no mundo todo. Hoje, com o crescimento do sevens feminino e sua participação olímpica, é preciso um plano claro do que se quer do XV feminino para o futuro – e o XV feminino é essencial no desenvolvimento da modalidade, pois ele é mais democrático e inclusivo, forma de maneira mais completa as atletas, além de que o calendário dos clubes amadores femininos no mundo todo só ganha corpo a partir do XV. O sevens, pelo modelo de disputa que ele tem, não permite encorpar o calendário das equipes femininas de forma satisfatória. Hoje, tirando a Europa que tem seu Six Nations Feminino, o restante do mundo não tem um calendário sólido para o XV internacional e isso preocupa demais.

 

Por outro lado, agora pensando apenas no sevens, a Série Mundial Feminina também vive um momento que requer cautela. Em 2014-15, o circuito chegou a 6 etapas, mas foi reduzido a 5 em 2015-16. Os torneios do feminino são onerosos. Dão prejuízo financeiro ainda, com públicos baixos e sem contratos de TV valiosos. Tanto é que a CBRu já desistiu de receber a etapa da Série Mundial no Brasil em 2017. O World Rugby precisa achar um modelo mais sustentável para o circuito que encoraje as federações a quererem receber etapas, para que a longo prazo seja possível ter um circuito feminino igual ao masculino. A qualidade do sevens feminino, o Rio 2016 deixou claro, que é já boa e está em evolução, tem potencial.

 

O que é preciso é maior visibilidade para que, com o tempo, mais fãs de rugby passem também a acompanhar o feminino – o que está muito longe de acontecer, basta ver a cobertura mínima que o circuito tem nos jornais e sites de notícias, de rugby especificamente ou de esporte em geral, mesmo nos países onde o rugby é forte. Para isso, talvez um caminho que possa ser considerado é a realização conjunta das etapas femininas com as masculinas, o que pode ter como efeito positivo o aumento da familiaridade do espectador do sevens masculino com o feminino. Hoje, apenas um torneio é parte dos dois circuitos: Dubai. É claro que isso gera um custo muito maior aos torneios que se propuserem a fazer isso (entre hospedagem, deslocamentos, campos de treino), além de gerar desafios extras à montagem da tabela de jogos, mas a possibilidade de aumentar o número de pessoas alcançadas é inegável. Estados Unidos, Canadá e França hoje recebem etapas já da Série Mundial Feminina, separadas da masculina, o que significa que tais federações já estão arcando com a organização de torneios para as duas categorias. O único país que recebia apenas o feminino era o Brasil.

 

Para concluir, outro desafio pela frente é o de se reinventar a Copa do Mundo de Sevens, cuja próxima edição ocorrerá em 2018, em São Francisco, Estados Unidos. Com o rugby nos Jogos Olímpicos a cada quatro anos e com a Série Mundial de Sevens anual, a Copa do Mundo de Sevens pode severamente perder interesse. Primeiro porque hoje ela tem a cara de “mais do mesmo”, isto é, trata-se de um torneio que é igual a uma etapa da Série Mundial, porém com um pouco mais de times – 24 masculinos e 16 femininos. Muito pouco diferencial para causar impacto e cobiça. É preciso antes redefinir o conceito que se quer para esse torneio, que também tem a proposta de ser disputado a cada quatro anos, sempre agora dois após os Jogos Olímpicos. O torneio poderia ser repartido em várias cidades durante “duas etapas”, isto é, dois fins de semana, um com a primeira fase e outro com as finais? Sim, para mim seria uma opção, como uma mini Copa do Mundo, acessível para países que não têm tantas condições de receber o Mundial de XV poderem sediá-la. Poderia incluir também a categoria M20? Poderia ter ainda mais times? É que questão de se analisar.

 

São muitas possibilidades. O importante é criar um calendário entre os Jogos Olímpicos que propicie o crescimento contínuo do sevens profissional no mundo, sem colidir com o XV, mas somando positivamente ao rugby mundial como um todo.

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