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haka kiwis

Com o aumento do número de artigos e das transmissões televisivas do rugby league no Brasil, algumas compreensões equivocadas apareceram sobre o esporte irmão e rival do rugby union (acompanhadas de boa dose de ignorância, intolerância e desrespeito com relação àqueles que gostam do league, os quais, no Brasil, também são em sua quase totalidade praticantes ou apoiadores do union). Este artigo busca escalarecer qual a real dimensão do rugby league no mundo e sua comparação com o rugby union.

 

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Esportes diferentes?

Não há dúvidas: rugby league e rugby união SÃO esportes diferentes. Afinal, ambos são disputados sob regras diferentes. Entretanto, aqueles que colocam um ponto final no fato de league e union serem esportes diferentes e sem relação estão equivocados. As semelhanças são tão grandes que permitem que dezenas de jogadores anualmente troquem o league pelo union ou o union pelo league. O que raramente ocorre entre outros esportes, mesmo entre aqueles que têm alguns pontos em comum.

Seria um equívoco acreditar que o futebol americano seria tão próximo do rugby league quanto o é o union, já que a adaptação entre rugbys e futebol americano é muito mais lenta e radical. Carlin Isles pode ter trocado o futebol americano pelo rugby union (sevens), mas sua adaptação foi muito mais radical do que, por exemplo, a de Sonny Bill Williams, Brad Thorn (Nova Zelândia), Israel Folau, Wendell Sailor, Lote Tuqiri, Mat Rogers (Austrália), Sam Tomkins, Jason Robinson (Inglaterra), Gareth Thomas (Gales) ou Fabrice Estebanez (França), só para citar alguns ídolos recentes. E isso se dá não apenas pelo fato de muitos fundamentos e preceitos serem muito semelhantes, mas pelo fato de os dois esportes dividirem os mesmos espaços e comunidades, com seus praticantes jogando os dois e se beneficiando da prática conjunta – é inegável como o League pode beneficiar o atleta do Union em fundamentos como o passe, o offload, a corrida, o tackle ou a definição dos tries.

 

Difusão do League pelo mundo

A difusão do rugby league pelo mundo é notavelmente menor que a do rugby union. Enquanto o IRB – entidade máxima do rugby union mundial – conta com 118 países membros, dos quais 100 são ranqueados, a RLIF – entidade máxima do rugby league mundial – conta com somente 45 membros, dos quais 27 são ranqueados.

Entre os países filiados à RLIF, as disparidades são imensas em termos de número de praticantes e poder financeiro. Hoje, em apenas 4 países o rugby league desfruta de pleno profissionalismo em seus principais clubes, sendo eles Austrália, Inglaterra, Nova Zelândia e França. As duas grandes ligas profissionais do mundo são a NRL australiana (que conta com 15 times da Austrália e 1 da Nova Zelândia) e a Super League inglesa (que conta com 13 clubes da Inglaterra e 1 da França). Em Gales e na Papua Nova Guiné, a situação é de semi-profissionalismo. Os galeses contam com 2 times jogando a terceira divisão inglesa (um dos quais esteve recentemente na Super League), enquanto os papuásios possuem seu próprio campeonato nacional, a PNGRL, que esbarra na pobreza do país.

 

League popular

Em apenas dos países citados o rugby league desfruta nacionalmente de maior popularidade que o rugby union: na Austrália e na Papua Nova Guiné – país no qual o rugby league é o esporte nacional.

Na Austrália, o rugbier desavisado ou enviesado pode crer piamente no contrário, por conta dos números das médias de público da NRL e do Super Rugby, e estará ovalmente equivocado. A NRL teve, em 2012, média de público de 17.346 pessoas por jogo, contra média de 21.807 pessoas por jogo do Super Rugby no mesmo ano. Entretanto, se excluídas as médias de público dos times da África do Sul e da Nova Zelândia, a média australiana do Super Rugby é de 19.348. O que ainda é enganoso. A NRL conta com nada menos que 15 clubes na NRL, que disputam entre 24 e 28 partidas por ano na liga, enquanto a Austrália conta com somente 5 times no Super Rugby, que jogam de 16 a 19 partidas por temporada. Assim, a o menor número de times (1/3) e de partidas colabora para o equilíbrio nas médias, mas esconde os números brutos. No total, 773.940 pessoas assistiram aos jogos nos estádios do Super Rugby na Austrália, contra 3.486.494 pessoas na NRL.

Em termos de selecionados, o Union tem os Wallabies, mas o League tem os Kangaroos e, sobretudo, o colossal State of Origin, a série de três jogos entre as seleções dos estados de Nova Gales do Sul e Queensland. Quando comparados os números do State of Origin com os dueos entre NSW Waratahs (originalmente a seleção de Union de Nova Gales do Sul) e Queensland Reds (originalmente a seleção de Union de Queensland), a constatação é óbvia. Em 2013, os três jogos do State of Origin tiveram os seguintes públicos: 80.380, 51.690 e 83.813. Já os dois jogos de Waratahs x Reds tiveram 35.801 e 26.037. E os estádios foram os mesmos. Ja em termos de praticantes, os números divulgados variam muito, por conta da prática informal disseminada e da presença desses esportes nas escolas, mas de acordo com a União Australiana de Rugby (Union), 261.437 australianos jogaram rugby union em 2012, contra mais de 1 milhão que jogaram League, de acordo com a Liga Australiana de Rugby (League).

 

League regionalizado

Em Inglaterra, Nova Zelândia e França, a popularidade do Union é maior, como revelam os dados oficiais de número de praticantes e públicos nos estádios.

Na Inglaterra, a Super League conta com média de público em 2012 de 10.151 pessoas por jogo (incluindo os públicos do time francês), enquanto a Aviva Premiership – o campeonato de Union, que possui 12 clubes – contou com média em 2012-13 de 12.480 (sem incluir os jogos de Heineken Cup e Amlin Challenge Cup). Ao contrário da Austrália, a divisão na Inglaterra entre Union e League é regional. Enquanto o League domina as populosas regiões industriais do Lancashire, Cheshire, Yorkshire, Humber e Cumbria, seu berço e bastião, onde estão 12 dos 13 times da Super League, o Union domina as demais regiçoes, contando com apenas 1 time da Premiership localizado na região tradicional do League. Em termos de praticantes, o Union tem cerca de 1.200.000 e o League cerca de 300.000.

Na França a diferença é muito maior. São apenas cerca 10.000 jogadores registrados de League, que conta com apenas um time de fato profissional, o Catalans Dragons, de Perpignan, que teve média de público de 9.428 pessoas por jogo da Super League 2012 (a média do Top 14, o campeonato de Union, foi de 13.850 pessoas por jogo em 2012-13). O League francês teve seu apogeu nos anos 30, sendo que em 1939 a França contava com 473 clubes de Union e 434 clubes de League, de acordo com o historiador Philip Dine. A Segunda Guerra Mundial e a ação do governo pró-nazista de Vichy, que tornou ilegal o League, foram determinantes para a sua derrocada.

Já na Nova Zelândia, o número de jogadores registrados de League é de cerca de 24.000, contra cerca de 145.000 jogadores registrados de Union. Entretanto, o único clube profissional do país, o New Zealand Warriors, que joga a NRL e é baseado em Auckland, a maior cidade do país, teve em 2012 média de público de 15.257 pessoas por jogo, que não o deixa muito abaixo dos Blues, a equipe de Union de Auckland, que contou em 2013 com média de público de 19.661. Ao contrário do que ocorre nas demais regiões da Nova Zelândia, onde o Union domina, em Auckland, a única metrópole do país, o League desfruta de muita popularidade, com cerca de 33% das preferência na cidade, de acordo com pesquisa de 2010 do jornal New Zealand Herald.

 

Boas relações?

A oposição entre rugby union e rugby league já foi tão tensa, sobretudo na Inglaterra, que na era amadora do rugby union quem ousasse jogar rugby league, mesmo em nível amador, podia ter como pena sua expulsão para o resto da vida do rugby union. As relações mudaram, e hoje é muito comum uma mesma pessoa na Inglaterra, Austrália ou Nova Zelândia, por exemplo, apreciar assistir aos dois esportes. Hoje, muitos atletas largam o preconceito de lado e se beneficiam da prática dos dois esportes, evoluindo tecnicamente em vários aspectos. Para quem vê de longe, de um país onde o Union é, na prática, a única vertente existente, a despeito de algumas iniciativas reccentes, acreditar numa incompatibilidade completa entre gostar de um e gostar de outro rugby parece frequente, mas não se justifica quando vista de dentro dos países onde, efetivamente, ambos coexistem.