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De todos os esportes coletivos, talvez o rugby seja o mais coletivo. Na era moderna do esporte, Hemisfério Norte e Hemisfério Sul optaram por dois modelos de profissionalismo: o Sul optou pelo seu modelo tradicional de seleções provinciais, enquanto o Norte apostou no modelo de clubes.

 

No Sul, os clubes permaneceram amadores e quem virou profissional foram as seleções provinciais, contratando os melhores jogadores da esfera dos clubes e disputando os campeonatos nacionais (Currie Cup, na África do Sul, e NPC/ITM Cup, na Nova Zelândia). O Super Rugby surgiu como uma estrutura acima dos campeonatos nacionais, operando com franquias regionais, com as equipes provinciais sendo associadas às franquias. Dentro desse modelo, as federações nacionais exercem maior controle sobre as equipes provinciais e as franquias e têm inclusive participação nelas e na contratação de atletas. No primeiro semestre, os melhores jogadores atuam pelo Super Rugby e, no segundo semestre, os atletas jogam pelas suas seleções nacionais ou seus respectivos campeonatos nacionais. A temporada é bem dividida entre franquias e seleções nacionais e os atletas top de cada país podem se dedicar às suas seleções por períodos longos.

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Na Europa, França, Inglaterra e Itália apostaram no modelo de clubes profissionais, como no futebol, enquanto Irlanda, Escócia e Gales apostaram nas equipes regionais, seguindo o modelo do Hemisfério Sul. A temporada no Hemisfério Norte é longa e as seleções nacionais concorrem por espaço no calendário com os clubes, que segue jogando inclusive em datas que as seleções atuam – o que não ocorre no Super Rugby. As seleções entram em atividade no meio da temporada de clubes, não tendo um período longo de dedicação de seus atletas a elas. Em anos sem Copa do Mundo, o período mais longo de atividade contínua dos atletas nas seleções dura um mês e meio, no período de fevereiro e março, pelo Six Nations, tendo ainda um mês em novembro e um mês em junho, ao passo que os atletas do Hemisfério Sul se reúnem de agosto a novembro quase ininterruptamente por suas seleções, além de também terem o mesmo de junho.

 

Se treinar junto pelas seleções ajuda o rendimento dos jogadores, atuar com os mesmos parceiros na seleção e no clube é ainda  mais benéfico à coesão do grupo e ao rendimento deles, correto? Tendo isso em mente, levantamos dados sobre a precedência dos jogadores de algumas seleções da Copa do Mundo:

 

Nova Zelândia

Número de clubes representados: 5 (2 clubes têm 19 dos 32 convocados)

Clubes entre os jogadores da Copa do Mundo: Crusaders (10), Hurricanes (9), Chiefs (5), Highlanders (4) e Blues (4)

 

Austrália

Número de clubes representados: 6 (3 clubes têm 28 dos 33 convocados)

Clubes entre os jogadores da Copa do Mundo: Waratahs (12), Brumbies (9), Reds (7), Rebels (2), Toulon (2) e Force (1)

 

África do Sul

Número de clubes representados: 11 (3 clubes têm 22 dos 32 convocados)

Clubes entre os jogadores da Copa do Mundo: Sharks (8), Bulls (7), Stormers (7), Cheetahs (3), Toulon (1), Stade Français (1), Ulster (1), Leinster (1), Saracens (1), Bath (1) e Suntory Sungoliath (1)

 

Argentina

Número de clubes representados: 11 (1 clube tem 18 dos 34 convocados, sendo que 21 já têm contrato para a franquia argentina do Super Rugby em 2016)

Clubes entre os jogadores da Copa do Mundo: Pampas XV (18), Toulon (3), Lyon (2), Cardiff Blues (2), Newcastle (2), Worcester (2), Leicester (2), Saracens (2), Bath, Gloucester e Racing.

 

Escócia

Número de clubes representados: 7 (2 clubes têm 27 dos 32 convocados)

Clubes entre os jogadores da Copa do Mundo: Glasgow (20), Edinburgh (7), London Irish (1), Gloucester (1), Castres (1), Perpignan (1), Highlanders (1)

 

Irlanda

Número de clubes representados: 4 (1 clube tem 19 dos 34 convocados)

Clubes entre os 31 jogadores: Leinster (19), Ulster (7), Munster (6) e Connacht (2)

 

Gales

Número de clubes representados: 11 (3 clubes têm 21 dos 35 convocados)

Clubes entre os jogadores da Copa do Mundo: Ospreys (8), Scarlets (7), Cardiff Blues (6), Dragons (3), Racing (3), Bath (2), Gloucester (2), Northampton (1), Exeter (1), Wasps (1), Bristol (1)

 

França

Número de clubes representados: 9 (3 têm 18 dos 32 convocados)

Clubes entre os jogadores da Copa do Mundo: Clermont (7), Toulouse (6),  Racing (5), Toulon (4), Stade Français (3), Castres (3), Montpellier (2), La Rochelle (1) e Bordeaux (1)

 

Inglaterra

Número de clubes representados: 8 (3 clubes têm 19 dos 32 convocados)

Clubes entre os jogadores da Copa do Mundo: Saracens (8), Bath (6), Harlequins (5), Northampton (3), Leicester (3), Exeter (3), Gloucester (2) e Wasps (2

 

*Os clubes correspondem à equipe que cada atleta defendeu na temporada 2014-15, incluindo os jogadores cortados no meio do Mundial. O termo “clube” é usado genericamente, compreendendo clubes, equipes provinciais e franquias regionais

 

O cálculo se fosse feito para as seleções do Pacífico Sul – Fiji, Samoa e Tonga – chega ao absurdo de:

Fiji: 33 atletas distribuídos entre 30 clubes diferentes;

Tonga: 31 atletas distribuídos entre 26 clubes diferentes;

Samoa: 32 atletas distribuídos entre 24 clubes diferentes;

 

Opinião:

Um rugby nacional competitivo permite que as seleções trabalhem com mais atletas que atuem no país. Fica menos complicado conciliar os trabalhos dos clubes com os das seleções. Em muitos casos, é a própria união que organiza os principais campeonatos do país. Ademais, é possível manejar um calendário que respeite as datas de atividades dos dois lados, inclusive as férias e tempo de descanso.

 

A Argentina entrou nesse processo há pouco e já colhe os frutos. Com isso, se valoriza o atleta através da programação, conciliação, mas sobretudo e respeito às atividades dele. Já não precisa se preocupar em solicitar a liberação do clube. Uma eventual ausência pode incomodá-lo. Afinal, ele pode perder uma titularidade. Em caso de atletas profissionais, os rendimentos financeiros podem se comprometer. Ele joga menos, o reserva entra, acaba jogando melhor, deixa ele no banco de reservas, e o valor da renovação do contrato para a próxima temporada acaba ficando menor. Ao mesmo tempo, uma eventual recusa à seleção pode ser muito mal recebida pelos torcedores.

 

O aspecto da coesão do grupo também deve ser levada em consideração. Com o calendário concorrido, parte da diferença de desempenho pode ser entendida pela quantidade de tempo que os atletas das seleções treinam e jogam juntos. Quando clubes bem sucedidos se tornam base de seleções nacionais, é o entrosamento que está sendo levado junto, dando um salto no caminho que a seleção deve percorrer em sua preparação para seus desafios. Quando avaliamos que uma seleção é “organizada” ou “desorganizada” a origem dos atletas deve ser levada em consideração.

 

Ao respeitar o atleta em relação ao calendário, ele treina, ele joga mais tranquilo. Um atleta tranquilo, despreocupado, entrosado com seus companheiros, rende dentro do campo, o ambiente fica melhor e a produtividade aumenta. E vemos isso nas estatísticas e resultados.

 

 

10 COMENTÁRIOS

  1. Na NZ, Austrália e Af.Sul, não haveria lugar para 3 times de SP.
    Se o que este texto defende é o Modelo desses 3 países, temos de deixar de copiar o Modelo falido do Futebol (Hemisfério Norte).
    O que aconteceria com SP (nesses países) é que teria apenas a sua Seleção Estadual (35 jogadores), e depois os restantes jogadores paulistas estariam livres pra serem contratado (ou não) pelos outros Estados.
    A isso, chama-se nesses 3 países de “Competições Equilibradas” (Balanced Competitions), que cada vez mais acredito ser a principal razão do sucesso tão consistente, desses 3 países.
    Esperta foi a Argentina, que está indo na cola, mas assente em Campeonatos Locais fortíssimos como a URBA (72 Clubes, cada um com pelo menos 3 Equipas Adultas + 3 Equipas entre 15 e 19 anos – obrigatório para jogar no Grupo I. Mas a maioria do Grupo I tem mais equipas: 4ª Adulta + M22 e pelo menos 5 equipas entre 15 e 19 anos)

  2. Ótimo artigo Victor, esclarece bem as diferenças conceituais entre o NH e o SH.

    Uma correção sobre a Argentina : Pampas XV não é e nunca foi um clube, mas uma seleção de jogadores novos escolhidos para jogar a Vodacom Cup Sul-Africana a partir de 2010. Assim como os Jaguares foram por um bom tempo a segunda seleção Argentina, depois da Vodacom Cup a segunda seleção de fato era o Pampas XV, e os Jaguares a terceira que jogava os Sul-Americanos. Por exemplo, o Landajo antes de assinar com a UAR para jogar o Super Rugby era jogador do CASI, assim como o Cubelli era do Belgrano Athletic Club, o Cordero do Regatas Bella Vista, e assim por diante, todos semi-profissionais pagos pelo Plano de Alto Rendimento.

  3. A Argentina deveria profissionalizar suas seleções regionais. O único problema seria com a URBA, que concentra 45% dos jogadores federados. Daí necessitaria-se desmembrar a seleção da URBA em ao menos três seleções para equilibrar a coisa. Se o Brasil optar pelo modelo de seleções estaduais, deveria-se pensar em São Paulo jogando com três times (Capital, Campinas, Vale do Paraíba), como é em campeonatos M17 e M19.

  4. Na NZ, Austrália e Af.Sul, não haveria lugar para 3 times de SP.
    Se o que este texto defende é o Modelo desses 3 países, temos de deixar de copiar o Modelo falido do Futebol (Hemisfério Norte).
    O que aconteceria com SP (nesses países) é que teria apenas a sua Seleção Estadual (35 jogadores), e depois os restantes jogadores paulistas estariam livres pra serem contratado (ou não) pelos outros Estados.
    A isso, chama-se nesses 3 países de “Competições Equilibradas” (Balanced Competitions), que cada vez mais acredito ser a principal razão do sucesso tão consistente, desses 3 países.
    Esperta foi a Argentina, que está indo na cola, mas assente em Campeonatos Locais fortíssimos como a URBA (72 Clubes, cada um com pelo menos 3 Equipas Adultas + 3 Equipas entre 15 e 19 anos – obrigatório para jogar no Grupo I. Mas a maioria do Grupo I tem mais equipas: 4ª Adulta + M22 e pelo menos 5 equipas entre 15 e 19 anos)

  5. Ótimo artigo Victor, esclarece bem as diferenças conceituais entre o NH e o SH.

    Uma correção sobre a Argentina : Pampas XV não é e nunca foi um clube, mas uma seleção de jogadores novos escolhidos para jogar a Vodacom Cup Sul-Africana a partir de 2010. Assim como os Jaguares foram por um bom tempo a segunda seleção Argentina, depois da Vodacom Cup a segunda seleção de fato era o Pampas XV, e os Jaguares a terceira que jogava os Sul-Americanos. Por exemplo, o Landajo antes de assinar com a UAR para jogar o Super Rugby era jogador do CASI, assim como o Cubelli era do Belgrano Athletic Club, o Cordero do Regatas Bella Vista, e assim por diante, todos semi-profissionais pagos pelo Plano de Alto Rendimento.

  6. A Argentina deveria profissionalizar suas seleções regionais. O único problema seria com a URBA, que concentra 45% dos jogadores federados. Daí necessitaria-se desmembrar a seleção da URBA em ao menos três seleções para equilibrar a coisa. Se o Brasil optar pelo modelo de seleções estaduais, deveria-se pensar em São Paulo jogando com três times (Capital, Campinas, Vale do Paraíba), como é em campeonatos M17 e M19.