Barbarians contra Nova Zelândia em 1973

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A vinda dos Barbarians ao Brasil parece que ainda não “clicou” para os rugbiers brasileiros. Muita gente certamente já viu um jogo dos Barbarians, mas talvez não tenha a dimensão que esta instituição tem para a história do rugby mundial. Será simplesmente a primeira visita dos Barbarians à América do Sul na história, em partida que rolará no Estádio do Morumbi, em São Paulo, no próximo dia 20, com exibição ao vivo da ESPN.

Vamos entender a história dos “Baa-baas” (apelido dos Barbarians) e sua importância para o rugby mundial.

O espírito vivo do rugby

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Dizer que os Barbarians são simplesmente uma “seleção” do mundo não expõe o que realmente é tal equipe. Ou melhor, tal “espírito”, pois mais que uma marca, uma instituição, os Barbarians são um espírito do esporte.

Primeiramente, os Barbarians são um clube, o Barbarian Football Club (não nos deixando esquecer que o rugby é um “football”). Uma equipe privada, nascida em 1890, na Inglaterra, pela iniciativa de um ex-aluno e jogador da universidade de Cambridge, William Percy Carpmael.

Na época, o rugby ainda estava unido (isto é, não havia ainda acontecido o racha entre Union e League, que ocorreria em 1895) e isso é muito importante para se compreender os Barbarians. O rugby na época era amador no mundo todo e o profissionalismo era proibido pelas federações. Viagens (os tours, ou giras) eram frequentes, mas a tensão entre os principais clubes britânicos crescia, sobretudo os clubes de origem operária, que buscavam a liberação do pagamento para horas perdidas de trabalho por seus atletas (que dependiam de seus empregos em fábricas, minas, etc). Ligas nacionais não eram incentivadas, para não alimentar o desejo pelo profissionalismo.

Em meio a tal clima, Carpmael teve uma ideia singela: montar uma equipe que unisse atletas de clubes diferentes, para confraternizarem (no melhor espírito do rugby) e enfrentarem grandes times. Uma oportunidade de jogarem o melhor rugby e quebrarem as divisões entre as equipes.

“Uma equipe para cavalheiros de todas as classes sociais, mas não para maus esportistas de qualquer classe”. Este seria o mote da equipe anos mais tarde, expressando que, acima de tudo, para ser convidado a atuar pelos Barbarians era preciso ser um bom esportista, reconhecido por seus valores. Os Barbarians introduziram, assim, um conceito novo: serem uma equipe de convite, formada especificamente para cada jogo. Jogando apenas amistosos, jamais campeonatos. Sem sede, sem elenco fixo.

O primeiro desafio foi contra o time galês do Penarth, em 1890, localizado no coração operário de Gales, de onde saíam grandes jogadores para Gales. A iniciativa dos Barbarians partida do seio da alta sociedade inglesa, mas quebrando a política muitas vezes elitista dos principais clubes ingleses.

O caráter de celebração do espírito do rugby segue com os Barbarians, que doam seus lucros à caridade, sendo uma das instituições que superou o desafio do advento do profissionalismo (liberado mais de um século depois, em 1995) para manter uma atitude amadora – no melhor sentido.

A seleção do mundo

Com o tempo, os Barbarians se tornaram uma verdadeira seleção do mundo, sendo formada para enfrentar grandes seleções do planeta. No entanto, todos os anos, os Barbarians ainda disputam partidas contra clubes amadores, convidando atletas amadores para tal. Não se trata apenas de uma “seleção do mundo”. Os Barbarians se adequam a seus adversários e também seguem existindo dentro do universo amador.

Os Barbarians fizeram seu primeiro jogo contra uma seleção apenas em 1915, contra Gales, para levantarem fundos durante os esforços da Primeira Guerra Mundial. Foi somente após a Segunda Guerra Mundial que a ideal de desafiar seleções nacionais surgiu.

A inovação veio em 1948, quando a Austrália fez sua gira pela Europa. Depois de enfrentarem todas as principais seleções, o último jogo, batizado de “Final Challenge”, foi contra os Barbarians, que reuniram grande elenco e venceram por 9 x 6, em Cardiff (Gales).

A ideia “pegou” e em 1952 foi a vez da África do Sul enfrentar, também na capital galesa, os Barbarians, triunfando por 17 x 03. O jogo se consolidou como uma das partidas mais aguardadas na Europa quando uma seleção do Hemisfério Sul fazia sua visita ao continente. Entre os jogos mais célebres está o famoso duelo de 1973, em Cardiff, contra a Nova Zelândia (All Blacks), que é considerado um dos maiores jogos da história do rugby, com os Barbarians reunindo uma constelação de craques das Ilhas Britânicas para vencerem 23 x 11 – com direito ao “try do século”, do galês Gareth Edwards.


Em 1977, os Barbarians também marcaram época ao fazerem um duelo especial contra os British and Irish Lions (a seleção dos melhores jogadores de Inglaterra, Gales, Escócia e Irlanda), algo repetido apenas em 2013, em Hong Kong.

Brasil terá oportunidade raríssima

Ao longo de sua história, a grande maioria dos jogos dos Barbarians foram realizados nas Ilhas Britânicas, por conta do “Final Challenge”. Por isso mesmo, por muitas décadas, a grande maioria dos atletas que vestiam a camisa dos Barbarians eram europeus (já que, em tempos de amadorismo, trazer jogadores de outros continentes era tarefa dura). Foi apenas com o profissionalismo que se tornou mais comum atletas do Hemisfério Sul (neozelandeses, australianos, sul-africanos, argentinos, fijianos, samoanos….) jogarem pelos Barbarians.

No entanto, em algumas (raras) oportunidades os Barbarians viajaram para outros continentes, como em 1958, para o Quênia, em 1976, para o Canadá, ou em 2009, para a Austrália. Jamais na história os Barbarians jogaram na Nova Zelândia, na África do Sul ou na Argentina. All Blacks, Springboks e Pumas só tiveram a oportunidade de jogarem contra os Barbarians na Europa até hoje.

A última visita a uma seleção não-mundialista (que não joga a Copa do Mundo) dos Barbarians foi em 2016 contra a República Tcheca e, antes disso, em 2008, contra a Bélgica, e em 2007, contra a Tunísia. Em 2004, os Barbarians estiveram em Lisboa, enfrentando Portugal, que só estreara em Mundiais mais tarde, em 2007. A América do Sul era o único continente onde os Baa-baas ainda não jogaram.

Anualmente, os Barbarians costumam fazer entre 3 e 5 jogos contra seleções nacionais, dividindo tais compromissos entre maio/junho/julho (no período de amistosos de meio de ano) e novembro (amistosos de fim de ano). Em junho de2019, os Baa-baas encararam a Inglaterra, em Twickenham, em Londres, perdendo por 51 x 48. Em 2018, o jogo de Twickenham contra os ingleses (hoje anual) já havia sido um espetáculo de 63 x 45 para os Baa-baas.

O que importante é se divertir e dar espetáculo

Além de celebrarem o espírito do rugby, os Barbarians se comprometem a dar espetáculo. A filosofia da instituição é de sempre jogar um rugby aberto, despretensioso, ousado, a fim de proporcionar o melhor espetáculo e diversão a todos. Algo natural pela falta de entrosamento dos atletas e estrutura de jogo. Ao longo do tempo, os jogos dos Barbarians são de jogadas inovadoras, inusitadas, irreverentes.

Não por acaso, muitos craques do rugby mundial optam por se aposentarem do esporte com a camisa dos Barbarians, como será os casos do irlandês Rory Best e do sul-africano Tendai Mtawarira neste ano. Os Baa-baas também são espaço de homenagem.

Entre as tradições da equipes estão:

  • As meias, uma de cada cor (cada atleta escolhe a cor delas, em geral fazendo tributo a seus times de origem);
  • Atletas “sem caps”, isto é, convites a algum(s) atleta(s) que jamais vestiram a camisa de suas seleções, mesmo em jogos contra equipes muito fortes;
  • Atletas do país oponente, isto é, os Baa-baas costumam contar com ao menos um jogador que já atuou pela seleção que estão enfrentando. Não é sempre que ocorre, mas é tradicional;

Finalmente o rugby feminino

O rugby feminino, todavia, demorou para ser abraçado pelos Barbarians, mas a modernização veio justamente agora, em 2019, com a formação do primeiro time femininos para enfrentar os Estados Unidos, no Colorado, em abril. Em junho, o time feminino dos Barbarians fez seu primeiro jogo no estádio de Twickenham contra a Inglaterra, e voltará a ser formado neste mês de novembro para encarar Gales, em Cardiff, no dia 30.

 

Uma família internacional

Além dos seus times masculino e feminino, os Barbarians reconhecem outras equipes pelo mundo chamadas “Barbarians”, que foram sendo formadas ao longo do tempo e que formam uma família internacional que celebra os mesmos valores.

O mais famoso “outro” Barbarians é o Barbarian Rugby Club, ou simplesmente Barbarians Franceses (BRC), fundados na França em 1979 com o mesmo propósito. Hoje, no entanto, o BRC se tornou oficialmente a segunda seleção (seleção B) da França, em parceria firmada com a Federação Francesa em 2017.

Na África do Sul, o South African Barbarians nasceu em 1960 e acabou se tornando um símbolo da luta contra o regime racista do apartheid, colocando em campo atletas brancos e negros juntos, desafiando a ditadura local. A viagem dos Barbarians Sul-Africanos em 1979 à Europa foi o ponto alto de sua história.

New Zealand Barbarians (da Nova Zelândia, com suas famosas camisas vermelhas), Australian Barbarians (da Austrália) e South Pacific Barbarians (das Ilhas do Pacífico) também são reconhecidos pela instituição original, assim como Portugal, criados em 1987 pelo atual presidente da Federação de Rugby da Bahia, Manuel Cabral, reconhecidos oficialmente pelos Barbarians em 1991.