Kolisi pelos Springboks. Foto; Bruno Ruas @ruasmidia

Tempo de leitura: 7 minutos

ARTIGO OPINATIVO – Artigo da coluna de Francisco Isaac, em parceria com o Fair Play.

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O ano de 2020 está a ser um ano confuso para o rugby mundial, mas ainda assim tivemos direito a 90% dos jogos das Seis Nações – falta apurar o campeão, que poderá “chegar” em Outubro – para vermos alguns “novos” capitães em acção, sem esquecer que no Hemisfério Sul foram anunciados os novos a envergar o direito e honra de líderes… mas há algum padrão no rugby em termos de escolha do capitão? Tem a ver uma questão posicional, estratégica ou simplesmente porque é o jogador que melhor representa o espírito dessa selecção?

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Primeiro vamos ver quem são os capitães das principais dez selecções mundiais de rugby – Japão e Fiji não vão estar listadas como Big-10, mas vamos também visitar ambas as nações -, os backgrounds de cada um para depois perceber se existe ou não um padrão nas escolhas.

OH CAPTAIN, MY CAPTAIN!

Entre 2019 e 2020 deram-se algumas quantas alterações a nível de capitanias nas maiores selecções mundiais, com destaque para a Nova Zelândia (Kieran Read retirou-se do rugby internacional), Irlanda (Rory Best abandonou a modalidade por inteiro), Itália (o mítico Sergio Parisse ainda aguarda o jogo de despedida), Escócia (Stuart McInally foi capitão momentaneamente nessa competição) e França (Guirado também colocou um ponto final na carreira internacional). Ou seja, seguraram a braçadeira (para já) Siya Kolisi (África do Sul), Alun Wyn Jones (País de Gales), Michael Hooper (Austrália), Pablo Matera (Argentina), Owen Farrell (Inglaterra), Michael Leitch (Japão) e Dominiko Waqaniburotu (Fiji).

Michael Hooper vai ter de lutar pela posição de capitão em 2020, como Dave Rennie fez questão de mencionar há alguns meses atrás, mas continua a ser visto pelos seus colegas como o homem-certo para os guiar no caminho de novas vitórias e uma época mais estável para os Wallabies. Existem algumas dúvidas no que concerne a Pablo Matera, pois o asa já pertence à franquia argentina dos Jaguares e é usual que o capitão dos Pumas seja sempre alguém que está a jogar em terras das Pampas.

Em termos de novos caps o que há? Stuart Hogg foi o escolhido para comandar o Thistle escocês de Gregor Townsend (não começou bem em termos de exibições, mas a forma como comandou a equipa ante os Les Bleus é um sinal promissor), Luca Bigi recebeu a honra que pertenceu a Parisse durante os últimos 10/13 anos, Charles Ollivon foi a grande surpresa na França de Fabien Galthié (e que início de capitania tem tido o asa), Jonathan Sexton é o novo “chefe” do elenco irlandês e Sam Cane foi nomeado como o sucessor de Kieran Read (uma escolha consensual para a maioria, mas mesmo assim envolvida em dúvidas).

Ian Foster a explicar a escolha Sam Cane para skipper dos All Blacks

O PORQUÊ DE SEREM ELES OS CAPITÃES?

Em relação aos perfis de cada um, há algo de especial que os difere dos seus colegas? Caso a caso, há especificidades que têm lógica dentro do modelo de uma das selecções mencionadas:

Owen Farrell é o jogador que perfeitamente imbui o espírito inglês clássico, com aquela arrogância eficiente, a fisicalidade dominadora e aquela agressividade para não só absorver o impacto das equipas adversárias mas para responder na mesma moeda. Dentro do “imaginário” de modelos de equipa aperfeiçoados por Eddie Jones, Farrell é o homem certo para comandar dentro de campo as tropas, necessitando só de ganhar mais experiência para ultrapassar obstáculos-surpresa que surjam no caminho… no futuro, Maro Itoje e Sam Underhill são outros dois possíveis candidatos a dividir a tarefa de liderar com Owen Farrell;

Siya Kolisi é aquilo tudo que a África do Sul precisava, precisa e continuará a precisar em anos vindouros em termos de exemplo, raça, preserverança, inteligência e fisicalidade, podendo vir a ser um dos maiores símbolos de sempre dos Springboks. Dentro daquele grupo de jogadores que foram campeões do Mundo em 2019, Kolisi só poderia ser “igualado” (e mesmo assim é discutível) por Handré Pollard (não sendo um jogador fenomenal no jogo corrido, é um excelente agregador de homens e comunicador) ou Franco Mostert (sim, poderíamos falar de Etzebeth, mas o 2ª linha perde objectividade quando a intensidade de jogo sobe de tom);

Alun Wyn Jones dispensa palavras, pois é um daqueles jogadores que ficará para sempre recordado no Mundo do Rugby não só como um dos melhores 2ªs linhas, assim como um dos líderes mais decisivos da modalidade;

Pablo Matera é o espírito argentino no rugby, raça pura, durabilidade contínua, exigente com todos os pormenores técnicos da defesa e que se recusa a desistir, mesmo que tudo esteja prestes a ruir;

Michael Hooper apesar de ter vivido uns dois últimos anos turbulentos, representa bem as qualidades do rugby australiano: irritante, mágico, surpreendente, insistente, ritmado e que gosta de viver numa autêntica montanha-russa de emoções. Falta-lhe consistência na arte de falar com os árbitros, mas não há dúvidas do seu talento enquanto fonte de inspiração para os seus colegas;

Charles Ollivon foi a grande surpresa do ano, já que ninguém esperava que a braçadeira de uma selecção tão importante como a França fosse parar a um jogador com apenas 11 internacionalizações… a verdade é que o asa é exactamente o líder que os Les Bleus precisavam, seja pela voz astuta e capacidade de lutar em todos os parâmetros de jogo;

Sam Cane é indubitavelmente a escolha mais… consensual ou estranha? O asa tem vindo a ser preparado ano após ano para assumir um lugar de importância nos All Blacks, mas sofre do problema das pessoas compararem-no uma e outra vez com Richie McCaw, numa tentativa falhada de comparação. McCaw e Cane pouco têm a ver na sua forma de jogar e actuar, e é errado esperar os mesmos feitios ou impacto do asa dos Chiefs. Cane é um lutador, agressivo, inteligente, resiliente e pode perfeitamente ser o exemplo que os neozelandeses precisam;

Sexton era o homem que se seguia… anos de serviço à Irlanda e um dos jogadores mais inteligentes a passar pelo rugby mundial nos últimos 20 anos, o abertura só poderia ser superado por CJ Stander ou Peter O’Mahony, mas é a escolha ideal para o momento do rugby irlandês;

Stuart Hogg, Dominiko Waqaniburotu, Michael Leitch e Luca Bigi são escolhas interessantes, mas por razões diferentes: o escocês é, sem dúvida alguma, o melhor jogador da sua selecção tanto pela genialidade técnica ou por conseguir decidir um jogo de um momento para o outro; Waqaniburotu não é o melhor atleta fijiano, já que há Tuisova, Pato, Mata ou Radradra, mas é um comandante dentro de campo astuto e esse pormenor faz falta às Fiji; Leitch é um dos jogadores que tem ajudado o Japão a crescer a nível internacional, exigindo um compromisso total dos seus companheiros ou pela agressividade na defesa; e Bigi, é o típico pilar italiano que não abdica de lutar por cada milímetro.

Michael Hooper… um capitão para recordar?

ASAS ESTÃO NA PRIMEIRA FALANGE DE ESCOLHA?

Dos 12 capitães escolhidos, existe uma coincidência ou, se quisermos, padrão com os avançados a dominarem as escolhas, mais precisamente os asas. Das Big-10, cinco capitães surgem como asas, dois são aberturas (Farrell pode jogar a centro, sim, mas consideremos como abertura para o exercício) e depois apenas um segunda-linha, defesa e pilar. Se considerarmos Michael Leitch e Dominiko Waqaniburotu passamos a ter sete asas como capitães, de um total de 12 sendo a maioria, o que mostra que são talvez das unidades mais influentes do jogo ou, pelo menos, têm acesso a um posicionamento que lhes permite analisar o jogo rapidamente, perceber os problemas tanto do bloco de avançados como nas linhas atrasadas, envolvendo-se em ambas as secções, para além de poderem ser os jogadores mais versáteis dentro de campo.

Seja a coordenar a formação-ordenada, a poder tanto saltar como levantar no alinhamento, jogar junto dos centros, ou a aparecer solto na ponta para criar uma combinação interessante com as unidades de 3/4’s, a forma como a 3ª linha vê o jogo oferece toda uma multiplicidade de opções às suas selecções, sendo os atletas mais irreverentes, dotados e seguidos dentro das quatro-linhas. Perguntámos ao Professor Tomaz Morais se existia explicação para tal “fenómeno”?

Professor Tomaz Morais, desculpe queríamos efectuar-lhe uma pergunta: porquê normalmente escolher um asa/2ª linha como capitão? Tem a ver com características mentais (espírito de sacrifício, capacidade de luta etc), estratégicas (os avançados determinam o avanço territorial e o controlo da posse de bol) ou outro aspecto técnico?

  1. Além de todos os que referes geralmente são jogadores que reúnem o carisma do grupo. Pela sua atitude posicional ganham muito respeito de todos os agentes do jogo e conseguem ter também uma compreensão tática de jogo muito alargada por terem um enorme raio de ação. Gosto igualmente muito de capitães que sejam posição 9 ou 12 pela sua visão posicional. O mais importante num capitão de seniores é a inteligência com que lê o jogo e o comunica à equipa, decide com racionalidade e não faz faltas. O resto vem por acréscimo. Faltas a não ser por motivos cirúrgicos. Nunca optei muito por capitães do 5 da frente ou do 3 de trás embora me tenha dado bem com os jogos em que o Xixa (Joaquim Ferreira) e o Pipas (João Correia) capitanearam a seleção nacional com muita elevação acima de tudo pelo seu enorme exemplo de entrega total ao jogo e à equipa. A combatividade dos dois motivava e inspirava quem com eles combatia, tornava-se contagiante. Claro que o que mais gostamos de ver num capitão é o seu exemplo de Paixäo e disciplina dentro e fora das 4 linhas.

É raro se encontrar um abertura como capitão nos últimos 15 anos, mas a verdade é que Farrell e Sexton são das melhores unidades tanto da Inglaterra como a Irlanda, com ambos a aplicarem boas decisões e um amplo conhecimento do jogo, que permite jogar sempre da mesma forma ou dentro dos mesmos dinamismos.

Os avançados normalmente ficam com a mão o direito de “governar” a capitania como bem fica demonstrado nestes Big-10, já que sete dos dez (com Fiji e Japão seriam 9 em 12) fazem parte desse suposto bloco de jogadores mais “pesados” ou dedicados ao trabalho duro de ganhar metros ou domínio territorial, para permitir uma plataforma de jogo idílica para as linhas recuadas. Não há dúvida que a formação-ordenada, os alinhamentos, maul, rucks e trabalho curto são essenciais para criar fluidez no jogo da bola oval e ter um capitão que perceba como retirar os melhores dividendos de cada um desses sectores, traduz-se normalmente em domínio, pontos e vitórias. Agora é realmente um padrão internacional ou é uma simples curiosidade partilhada por várias nações do rugby?

Kolisi… o capitão da nova era dos Springboks?