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ARTIGO OPINATIVO – Você já ouviu falar no “Efeito Rainha de Copas” ou “Rainha Vermelha”?

Trata-se de uma hipótese trabalhada pelos biólogos que estudam a Evolução em uma analogia à obra “Alice Através do Espelho”, uma continuação de “Alice no País das Maravilhas”, de Lewis Carroll. Na obra, a Rainha de Copas explica a Alice que no “mundo do outro lado do espelho”, onde estavam, “é preciso correr o máximo possível, para permanecermos no mesmo lugar”.

Resumindo grosseiramente, para a biologia evolutiva, a teoria significa que conforme uma espécie evolui e adquire características que a colocam em vantagem, as espécies que se relacionam com ela terão que responder a tais transformações. A teoria busca explicar situações na natureza onde duas espécies em competição evoluem de maneira que a competição se mantém estável. A aplicação dessa teoria é comum para se explicar a “corrida armamentista evolutiva”, que sugere que, entre duas espécies, se um competidor “A” não consegue acompanhar o ritmo de desenvolvimento do seu competidor “B”, o organismo “A” será extinto, a menos que “A” alcance um nível de adaptação que o ponha de volta na competição com “B”. Assim, de modo dinâmico, as duas espécies precisam “correr” para “não saírem do lugar”. Trata-se de um processo de co-evolução.

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Tal conceito já foi replicado para outras áreas do conhecimento e certamente é fácil aplicá-lo para o meio esportivo. Se um clube ou uma equipe evoluiu, as demais precisam evoluir no mesmo passo (ou acima dele) para não ficarem para trás. Se um país se desenvolve em uma modalidade, os demais também precisam para competirem.

 

A Rainha Vermelha dos clubes

No rugby, podemos visualizar muito facilmente essa ideia. No plano dos clubes, equipes que estão consistentemente acima de outras impõem um parâmetro complicado para os clubes que vem abaixo, pois para quebrarem a hegemonia do clube mais forte precisam evoluir não de forma simples, mas em constante relação com a evolução que o clube mais forte apresenta. Em outras palavras, não basta o clube evoluir, ele precisa estar atualizado sobre o que os demais estão fazendo. Assim, sua evolução responderá à evolução dos demais.

Esse problema é muitas vezes acompanhado de frustração, pois a evolução de uma equipe nem sempre é acompanhada de resultados em campo. E o motivo é simples: os adversários também evoluíram – igual ou mais. Ou seja, diante de tal situação, é preciso sempre paciência e, lógico, estudo para se compreender onde os demais estão evoluindo.

Não há solução para a evolução de um clube: é preciso estar se capacitando continuamente, se atualizando sobre gestão, liderança, treinamento, formação, etc.

 

A Rainha Vermelha das seleções

A mesma lógica é evidente no rugby profissional ou entre as seleções nacionais. Quantas vezes não ouvimos as duas afirmações conflitando? De um lado, o atleta, o time, afirmarem que estão evoluindo, apesar dos resultados; de outro, o torcedor reclamar que o time não evolui, pois segue perdendo.

Já ouvimos e lemos isso constantemente no rugby brasileiro, sobretudo sobre as Yaras e os Tupis. E é aqui que mora a Rainha Vermelha. Ao olharmos para o outro lado do espelho, percebemos que é claro que nosso rugby evoluiu, mas os adversários igualmente.

Há 10 anos falava-se que os Tupis chegariam à Copa do Mundo de 2019 e esse projeto, por mais inspirador que fosse, esquecia do detalhe de que Uruguai ou Estados Unidos seguiriam evoluindo. Vemos agora que não só tais países evoluíram como o Chile entendeu a cilada da Rainha Vermelha e, após ser ultrapassado pelo Brasil no XV, voltou a evoluir. Nossa capacidade evolutiva aqui vai esbarrar fatalmente também em nossas debilidades, marcadas por um atraso histórico na estrutura de clubes e na categoria de base.

A SLAR, a liga profissional sul-americana, é lembrete desse fato. Na última década, a Confederação Brasileira aproveitou o momento olímpico e evoluiu por ter trabalhado a governança, profissionalizado a gestão. Oras, os vizinhos responderam a tal necessidade. Houve co-evolução. E mais: a concorrência ainda impôs uma nova evolução, a necessidade da profissionalização da seleção, no formato de franquia, que não nasceu por capricho: nasceu como uma demanda do “meio”, isto é, da concorrência dentro do cenário internacional.

A mesma coisa se passa com as Yaras, que estão evoluindo, sim, mas vendo um rugby feminino mundial dinâmico igualmente evoluindo a passos largos. Aqui, nossa capacidade evolutiva vai esbarrando nos mesmos problemas do masculino, bem como na inexistência de um recurso evolutivo crucial no longo prazo que é o XV.

É incontornável. Todos estamos constantemente correndo para, pelo menos, ficarmos no mesmo lugar. E é crucial entendermos isso para termos um justo julgamento do presente, uma visão coerente para o futuro, a paciência e a humildade de buscarmos constantemente mais conhecimento e, lógico, de termos expectativas realistas. Lógico que é plenamente possível sair do lugar e ir adiante, mas antes é preciso não perder o passo. Por isso, neste momento que todos nós estamos (quase) parados(quanto a atividades de campo), é essencial fazer esta lembrança.