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ARTIGO COM VÍDEOS – Ontem passamos a limpo a Seleção Brasileira Masculina, com as análises de vídeo de Francisco Isaac e comentários de Pedro Leal. Hoje, nosso analista português passou analisou a Seleção Brasileira Feminina! E quem comentou foi Maria Heitor, da seleção portuguesa feminina, campeã francesa jogando XV.

 

O que podemos esperar das Tupis, ou Yaras? Confira já, a partir de uma visão imparcial, de fora.

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A visão de Maria Heitor

Portal do Rugby: Maria, nunca tiveste o prazer de jogar contra o Brasil mas já reviste e viste alguns jogos … qual é a tua opinião em relação às Yaras?

Maria Heitor: Nunca tive o prazer de jogar mas já tive de as arbitrar num torneio amigável que fizeram aqui em Portugal contra a nossa seleção. Penso que as Yaras são uma equipe com muita vontade de jogar e com algumas jogadoras que podem marcar a diferença nestes Jogos Olímpicos. Têm jogadoras com uma leitura de jogo muito boa, outras muito rápidas e também boas penetradoras.

 

PDR: Qual é a atitude do Brasil dentro de campo? Há algum pormenor ou detalhe possas destacar?

MH: Na minha opinião a equipe destaca-se pelo tackle! Sem dúvida que é um ponto muito forte na seleção brasileira.

 

PDR: Por pouco a seleção Portuguesa não esteve no Brasil para disputar os Jogos Olímpicos. Jogaste frente à Grã-Bretanha… qual é a tua opinião em relação a elas?

MH:A Grã-Bretanha é uma grande potência do rugby feminino. A equipe que é apresentada para os Jogos Olímpicos  é constituída por 11 jogadoras inglesas (uma das melhores seleções europeias) e apenas uma atleta galesa.  No campeonato da Europa, enfrentamos as duas equipes da Grã-Bretanha e percebemos que ainda estamos uma pouco atrás deste nível. São jogadoras muito fortes e que impõe uma grande velocidade ao jogo.

 

PDR: Qual é o ponto mais negativo das Yaras? E tens alguma proposta como defende-lo ou melhorá-lo?

MH: Penso que o ponto menos positivo das Yaras acaba por ser a desorganização defensiva após os primeiros pontos de contacto. Acredito que se conseguirem manter a defesa organizada serão uma equipe difícil de bater visto que seu tackle é muito eficaz.

 

PDR: Perante um grupo com Canadá, Japão e Grã-Bretanha achas que as Yaras conseguem chegar às quartas de final?

MH: Penso que terão hipóteses de chegar às finais sim. Se o coletivo conseguir superar-se tenho a certeza que serão muito felizes em casa.

 

PDR: Algum conselho para as tuas colegas do Brasil para o Rio 2016?

MH: O jogar em casa é uma mais valia. Melhor ainda, jogar em casa no ano em que o rugby volta a entrar para os Jogos Olímpicos… As jogadoras brasileiras devem aproveitar este momento como algo único. Joguem por vocês, pelas vossas famílias, pelos vossos amigos e pelo vosso. Eles estarão todos lá e vão fazer barulho por milhões. Agarrem-se a essa força e superem-se!

 

Yaras na trilha do sonho do pódio olímpico – Por Francisco Isaac

Brasil apresenta-se com um “sonho” bem credível de chegar a medalhas nestes Jogos Olímpicos com a sua equipe feminina. Durante toda a Série Mundial de Sevens Feminina 2015-16, a equipe brasileira terminou em 10º lugar, acima da Irlanda ou Japão, equipes que participaram em mais dois torneios do que as brasileiras. Vai ser precisamente o Japão um dos adversários no caminho da fase de grupos dos Jogos Olímpicos.

 

No Dubai, o Brasil caiu na final da Bowl por 13-00 (frente às nipônicas), num jogo que vamos tomar atenção na análise pormenorizada. Em São Paulo voltaram a defrontar a seleção japonesa, mas desta vez a vitória sorriu à equipe da casa, que garantiu o 3º lugar do grupo, com uma vitória por 27-05 – nota que nesta fase de grupos defrontaram a Inglaterra onde perderam por 24-12, num jogo que podiam ter conquistado a vitória. Depois mais três derrotas nos dias seguintes, com o apuramento para a final da Bowl onde voltaram a cair diante da Inglaterra (24-07). Não participando em Atlanta (EUA), as jogadoras do Brasil só voltaram a disputar o Circuito Mundial em Langford (Canadá), onde voltaram a ir à final da Taça Bronze (Bowl), agora frente a Fiji que não deram qualquer tipo de chance (24-07). Foram ainda duas vitórias frente à Irlanda, que não irá ao Rio 2016, algo que animou as Yaras para os Jogo Olímpicos que se avizinham.

 

Por isso em termos de disputa direta a Grã-Bretanha avizinha-se como um problema sério (jogo muito “agressivo”, duro e defensivamente completo), um jogo quase impossível com o Canadá (3º lugar na Série Mundial) e uma magra vantagem contra o Japão. Por isso o que é que as nossas Yaras podem fazer acontecer nestes Jogos Olímpicos?

 

Vejamos os dois pontos que definem o rugby:

 

DEFESA

Onde as jogadores do Brasil podem comprometer as aspirações e onde é que podem retirar “frutos” para chegar a um lugar bem alto da classificação? No jogo contra a Irlanda em Langford, o Brasil demonstra um processo muito interessante no tackle… tentam ir à bola, ao invés de se preocuparem em só derrubar o adversário. Haline, a camiseta nº6, desenha o mesmo movimento que a jogadora irlandesa invés de atacá-la logo, o que vai fechar o espaço de manobra da adversária, metendo, no momento, seguinte os braços na bola para tentar um turnover. Não consegue e curiosamente vai dar try à Irlanda nesta jogada, uma vez depois a Irlanda consegue uma quebra de linha. Este tipo de tackle é sucessivo no jogo frente à Irlanda, onde há uma ideia clara em tentar “roubar” a bola para rapidamente sair em ataque. O que nota-se também neste processo é a forma como as brasileiras dão o tackle, no qual a eficácia acontece quando há uma boa comunicação entre toda a linha. Vejam o mesmo a se passar no jogo com a Irlanda, em que após o tackle de Júlia, Edna vai logo à bola e conquista nova penalidade para o Brasil (é sucessivo estas tentativas). Com a Rússia, no primeiro dia de jogos no Canadá, as brasileiras conseguem mesmo um turnover na sequência de uma boa disputa, com o tackle a ser efetivo e com preocupação em “roubar” a bola. Porém, atenção que este tipo de ações podem causar problemas em caso que o tackle não seja minimamente eficaz… o primeiro try da Rússia vem de dois tackles mal concluídos, que permite à jogadora russa quebrar a linha e chegar à área de validação, numa situação que estava em desvantagem. Como remediar a situação? Comunicação. É essencial que as jogadores brasileiras façam aquilo que surge, a espaços, nos jogos… comunicar e “falar” para estabelecer prioridades de jogo, linhas de defesa e responsabilidades de tackle.



LINHA DEFENSIVA

No jogo com a Irlanda, as Tupis falham no minuto na leitura defensiva, com Luiza não percebendo a entrada em cruzamento da jogadora irlandesa… se notarem ela vai ficar sempre com a adversária que fez o passe ao invés de ter esperado até ao fim do movimento. Mas agora vejam no jogo frente à Rússia que o Brasil defende bem e sempre com “responsabilidade”. Há uma clara comunicação e uma excelente leitura daquilo que tinham a fazer e, nessa sequência, há uma intercepção no “ar” e uma quebra de ataque da equipe russa. Voltam a aplicar bem a pressão defensiva, quando na saída de um scrum da Rússia fecham o espaço interior, subindo e obrigando as adversárias a tentar fazer um jogo mais rápido e curto do que previsto… knock-on, bola Brasil. No jogo contra a Austrália, da fase de grupos do primeiro dia no Canadá, frente à Austrália temos uma excelente demonstração de como o Brasil pode e sabe defender bem. Porém, pouco segundos depois, uma sequência de bons passes vai dar try das australianas, que aproveitam o fato de estar uma jogadora menos móvel na ponta para explorar o espaço. O trabalho intenso do Brasil nesta abertura do jogo foi quase perfeito, mas acabaram por falhar, mais uma vez, na comunicação e apoio.


RECUPERAÇÃO DEFENSIVA

Um dos passos que o Brasil mais peca no seu jogo defensivo ou, mesmo, ofensivo. Notem que no jogo com a Rússia, o terceiro try que o Brasil consente no jogo provém de uma situação em que estava a atacar, comete penalidade (Júlia tentou trabalhar bem no chão, mas todo o processo de cair e rodar a bola para pôr longe do adversário tem de ser mais rápido) e o recuar defensivo é lento e sem organização. Todo este processo só ajuda às adversárias. Talvez, naquele momento, o Brasil como já estava para lá do tempo de jogo podia ter posto a bola fora de campo e reorganizar as suas linhas no intervalo. Há que saber gerir tempos e esforços e nos Jogos Olímpicos será fundamental ter isso em mente.

 

Há boas ideias no jogo defensivo brasileiro, onde os processos simples estão bem vincados, procurando um tackle efetivo e coletivo (por mais que uma vez vemos duas jogadores a ir ao contacto, com a primeira a parar e a segunda a tentar ir à bola), uma linha bem de defesa bem estruturada e uma procura pelo turnover. No sentido negativo o tackle individual transita do 100% eficaz ao fracasso total, que cria problemas, imediatos, ao Brasil. Para conseguirem garantir um bom lugar no grupo (será difícil melhor que o terceiro) há que parar jogadoras da Grã-Bretanha no primeiro tackle e procurar aplicar a pressão defensiva, sem exagero de subida. Talvez, não contra as seleções mais fortes abandonar a ideia de disputar o ruck para fixar uma defesa mais larga e com números idênticos a quem está a atacar a defesa brasileira.

 

ATAQUE

O Brasil, no jogo com a Irlanda, teve uma penalidade nos 22 metros e, ao invés de ter calma para explorar bem a oportunidade, saiu jogando demasiado rápido perdendo a bola no processo. Má leitura ofensiva, uma vez que a Irlanda tinha vantagem nos números no lado em que as brasileiras optam por jogar. O mesmo se aplica no jogo frente à Rússia que no final da primeira parte, já com o tempo de jogo esgotado, podiam ter posto a bola fora para ir para os vestiários. Porém, optaram por jogar no risco para irem ao try (bons princípios de jogo) e acabaram por sofrer novo try.

 

APOIO

No jogo frente à Rússia, o Brasil demonstra bons atributos com a bola nas mãos, onde o apoio é, quase sempre, rápido. Só houve uma quebra, quando já jogavam vantagem, mas nota-se que após 3 fases de rucks curtos, o apoio começa a ser mais lento o que dá vantagem a quem defende bem. Note-se no jogo com a Austrália a sequência de entradas curtas no contato, com apoio efetivo e bem trabalhado, o que abona a favor de uma “ponte” de ataque boa… todavia, notem que na mesma sequência de jogo a confusão instala-se no ataque brasileiro, que acaba por só estar preocupado em receber a bola e entrar no contacto curto… para quem defende bem, isto é uma vantagem, pois não cria qualquer tipo de desafio e vai tornando o ataque muito permeável a erros. A ideia aqui seria talvez sair curto, manter a bola nesse espaço num primeiro momento e soltar mais jogadores para uns metros atrás para entrarem em profundidade. A falta de um offload rápido de Edna, acaba por “engrenar” a situação também. Já vimos o Brasil fazer movimentos de ataque bem interessantes (segundo try frente à Irlanda no Canadá na vitória por 10-05), por isso há espaço que isso aconteça com mais frequência.



ORGANIZAÇÃO

Ponto muito importante numa equipe de sevens, já que a falta e organização leva a perdas de bola no contacto ou a knock-on’s “solitários”. O Brasil por vezes entra nesta sequência de más organizações ofensivas, como podemos ver no jogo frente à Austrália em que está lá Edna para abrir a bola mas Luiza, invés de esperar e deixar a sua colega trabalhar, decide efetuar um passe ela mesmo. A Austrália nessa situação estava em superioridade numérica no lado para onde vai a bola, uma vez que o Brasil tinha 4 jogadores envolvidos no ruck (uma no chão, uma a limpar, uma a garantir a bola e uma para abrir), deixando só 3 para atacar 4. Se Edna tivesse aberto a bola e seguido a jogar, o Brasil tinha uma situação de 4 para 4, com a possibilidade de fazer algo mais em velocidade… felizmente, estavam a jogar vantagem. A organização permite, também, que os detalhes individuais surjam com força, como vemos no jogo com a França em que Edna aproveita para marcar uma falta rápida e segue a jogar, conquistando cerca de 20 e poucos metros. Há uma boa sequência de entradas curtas, mas mais uma vez é o Brasil quem vai “estragar” a sua oportunidade de fazer algo mais, já que as Yaras vão se preocupar em só atacar aquele setor do jogo, invés de espalhar, ganhar profundidade e jogar outro tipo de jogo. A França como excelente equipe que é, soube esperar até conseguir encontrar um erro ofensivo brasileiro, fazendo turnover. Em nova situação no mesmo jogo, o Brasil não reúne a calma necessária para chegar ao try… alinhamento a seu favor, boa conquista, Edna sai a jogar para o lado fechado… a ideia seria que as suas colegas que estavam no chão se colocassem uns metros mais ao largo para irem abrindo espaço nas jogadores francesas, porém, tentaram meter a bola longe o que vai obrigar a um pontapé… na maioria dos casos, um pontapé no seven-a-side deste jeito acaba por entregar a bola à equipe adversária. Tatá atacou bem a bola e recuperou-a após bater no chão. Mas as brasileiras para chegarem mais longe e conseguirem mais tries, têm de perceber que o jogo tem de ser mais corrido, fluído e profundo. Fechar em situações curtas, resulta até a um certo ponto… depois, a confusão instala-se.


OUTROS DETALHES

Edna com a Irlanda tem uma saída excepcional do scrum, explorando bem o facto das suas adversárias não a atacarem logo e de ficarem na expectativa… a velocidade que Edna aplica, também faz a diferença clara no confronto de “1 para 1” (tinha um bom apoio no lado exterior com Haline a procurar bem o espaço de fora). O segundo demonstra um trabalho bem forte dos processos mais simples, com bons passes, entradas em frente e à procura do espaço (notem o trabalho de pernas de Haline, que ganha mais uns metros por não parar de dar às pernas), para depois vermos um belo movimento ofensivo, com um passe e dobra.

 

O Brasil sabe atacar, já provou isso em vários momentos de alguns jogos, tem habilidade quer com as mãos ou pés para conseguir somar mais tries do que conseguiu em todo o circuito. Porém, há ainda uma “ideia” arcaica de fechar o jogo, de jogar curto em exagero o que vai levar a perdas de bola, turnovers, erros e outras situações menos positivas. Parece-nos que o jogo está muito centrado em Edna (melhor atleta a saber conduzir a bola) ou Luiza (é uma “bulldozer” no contato), quando tem outras jogadores também competentes e com bons princípios de jogo. Se o Brasil jogar mais em espaço curto que aberto e arriscar sem cabeça (arrisca na maioria das vezes em momentos errados, ou seja, quando tem poucas jogadores para jogar ao largo) vai entregar o jogo aos seus adversários.