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ARTIGO COM VÍDEOS – Em fevereiro, a Seleção Brasileira conquistou uma importante vitória (histórica) frente aos Estados Unidos, uma das seleções mundiais que ocupam o top-20 da World Rugby. Você se lembra? Com abril chegando, e com ele o Sul-Americano (que terá largada no próximo dia 23), voltamos a pensar nos Tupis. Convidamos nosso colaborador especial de Portugal, Francisco Isaac, com apoio de Paulo Santos, para analisar a atuação histórica do Brasil, com um olhar neutro e baseado nas análises de vídeo. Vamos a elas!

 

O jogo contra as Águias foi decidido não só pelos chutes de penalidade ou os ensaios, mas também pela equipe que menos erros fez dentro de campo. A equipe dos Tupis teve duas fases diferentes no jogo, com os primeiros 40’ a trabalhar bem os rucks, a pressionar a defesa dos EUA e a conquistar vários metros. Na segunda metade do encontro, os brasileiros tiveram uma queda abrupta no que toca à eficácia da tackle, ao bom uso de bola e à eficiência dos chutes.

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Esta análise só vai tratar de observar o jogo contra os Estados Unidos e não o cômputo geral das exibições feitas pelo Brasil no torneio das Américas.

 

O Brasil ocupa atualmente o 42º lugar do Ranking, enquanto os EUA estão no 17º. As diferenças a nível de estrutura, número de jogadores, condições e investimento são gritantes, para além dos americanos terem vários jogadores a alinharem por equipes da Europa e resto do Mundo.

 

Entre o grupo que esteve no Mundial e a equipe que alinhou no Brasil, só 5 jogadores estiveram nas duas situações. São eles:

– Joe Taufete’e (ex Belmont Shore, hoje San Diego/PRO Rugby);

– Olive Kilifi (ex Seattle Saracens, hoje Sacramento/PRO Rugby);

– Eric Fry (Newcastle Falcons, da Inglaterra);

– Niku Kruger (sul-africano, ex Glendale Raptor, hoje Denver/PRO Rugby);

– Andrew Suniula (CSM Bucaresti, da Romênia);

– James King, natural da Nova Zelândia, veio do Super Rugby (ex-Reds e Blues) para se juntar aos EUA.

 

Que aspectos estão bem trabalhados na Seleção do Brasil? Vejamos:

 

– Pressão do Scrum. Os 8 avançados Tupis conseguem, na maioria das vezes, aplicar a força necessária para conquistar o scrum com uma XX%; também têm a capacidade de contrariar o scrum dos seus adversários. Pena que no 2º tempo, devido ao cansaço, a eficácia do scrum caiu. D qualquer forma, os Tupis podem ter aqui um setor importante para futuros jogos;

 

– Agressividade no tackle. O tackle é um dos detalhes mais complicados de se impor e atingir uma forma ideal para equipes de topo. Neste caso, o Brasil esteve bem em várias situações que lhes permitiram até ganhar bolas no contacto. Uma combinação de velocidade e técnica, permitiu pressionar bem o portador da bola dos EUA que, em alguns momentos, deixou cai-la ou passar para a frente. O tackle é 85% feita com dois jogadores, com o segundo a ter que disputar o ruck na sequência (é um dos bons princípios de defesa). O cansaço acumulado (mais uma vez) vai levar a que em certos momentos, os brasileiros falhem tackles fáceis (pelo menos uma levou a um ensaio que poderia ter sido evitado facilmente).

 

O tackle a nível individual está num bom patamar, garantindo, no jogo, algumas recuperações de bola.

Mesmo os pontas conseguem completar tackles de nível elevado, e se for bem aproveitado pode vir a ser um ponto a favor do Brasil. Quando a tackle individual é forte, a comunicação entre equipe é sólida e o trabalho do 9 e 15 é bom, situações como a do vídeo 19 acontecem, ou seja os adversários a não conseguirem entrar na área de validação.

– Alinhamentos laterais bem executados. Ora, ter um scrum forte, que pressione e seja eficaz com um alinhamento lateral que consiga iniciar jogadas é um “luxo” para equipes de “Tier 3”. O nº2 brasileiro, Yan Rossetti, tem um lançamento bem trabalhado, com a 2ª linha a saber explorar bem o ar. Por mais que uma vez conquistaram laterais dos seus adversários.

 

– Criatividade. Ainda que pouca, existe uma “veia” criativa do ataque brasileiro, que gosta de dar um uso interessante à bola. É normal termos alguns avants, que “nasçam” de offloads mal executados, mas só pela simples tentativa já é um apontamento tentativo. Há uma boa combinação das linhas brasileiras, com velocidade e a técnica de passe aceitáveis. Conseguiram criar problemas EUA em certos momentos.

 

– Contra-Ataque: a equipe dos Tupis tem um gosto especial pelo contra-ataque e executa-o bem. Infelizmente, chutam demasiadas vezes para os seus adversários invés de pegarem na bola e aproveitarem as rupturas defensivas promovidas pelos seus adversários. O nº15 tem uma visão de jogo, no contra-ataque, acima da média.

 

Um dos tries do Brasil nasce numa boa recepção de chute e num contra-ataque bem executado.

Os bons tackles a nível individual resultaram também em pontos para o Brasil, permitindo nessa situação “nascer” um contra-ataque

– Ambição. A perder por 23-21, com poucos minutos no relógio a equipe dos Tupis não teve falta de querer e vontade de lutar pela vitória. Dois alinhamentos, com 1º a ser dentro dos últimos 5 metros (seus) e com um formidável contra-ruck, os brasileiros vão conseguir chegar a uma penalidade que lhes dá a vitória. Não é fácil estar a defender 8 fases americanas sem cometer uma falta, de garantir duas bolas no ar com disputa ativa do adversário e de ter a noção de conseguir chegar aos postes com o chute. Foi um momento que a cabeça esteve sempre fria. Outro caso da ambição brasileira vai para o facto de procurarem o ensaio, mais que o chute aos postes… é um risco? Sim, não há dúvidas. Mas é um risco para jogar rugby e tentar atingir outra marca.

 

O Brasil a perder já perto do final do encontro, faz um excelente contra-ruck.

Porém, houve pontos menos bons da atuação brasileira:

 

– chutes para fora. Questionável algumas das opções do nº9 dos Tupis, Lucas Duque, que invés de esperar pelo nº10 ou 15, seguia rápido ou chutava para dentro de campo de forma propositada. Este tipo de ação pode ser comprometedora com equipes que tenham a clarividência para responder à altura do “desafio” lançado pelo Brasil. Não se entende, ou percebe, isto quando sabemos que o Brasil tem lateral e scrum de calibre.

 

– Reação ao chute. É um dos erros mais graves da equipe do Brasil, a forma como lidam contra chutes contrários. É notória a falta de intensidade e conhecimento dos pontas ou arrie que por diversos momentos não conseguiram chegar à bola da forma mais “saudável”. Isto implicou até em pontos ganhos pelos americanos. Em outra situação devia ter sido o nº11 ou 15 a chegar a uma bola, porém acabam por ficar a meio caminho deixando a bola para 4 colegas que estavam a recuar. É uma situação a rever.

 

Como aqui demonstra o ponta, com o camisa 11, do Brasil sobe mas depois acaba por recuar e abandonar o lance ali a responsabilidade de apanhar o chute do ar é de quem está atrás e vai para a frente e não de quem vem da frente para trás.

Mas há momentos em que a recepção do chute é boa e leva ao esboçar de boas jogadas de coletivo.

Porém, há que ter em atenção que esta situação custou ao Brasil alguns pontos, como aconteceu no final da primeira parte.

– Ataque “confuso”. A responsabilidade vai para o nº9, 10 e 15 que são as unidades que devem montar as ações de ataque coletivas. Há uma situação em que o formação devia ter tido notado um “buraco” na defesa americana quando os brasileiros estavam em situação de maul. Tivesse levantado a cabeça e tinha explorado bem essa situação para ir ao ensaio (a responsabilidade pode ir para o nº10 igualmente). O Brasil sabe criar espaço e entrar nele, mas o apoio e o discernimento ofensivo ainda são pormenores longe do seu melhor.

 

Algumas jogadas são questionáveis como a do chute do scrum-half brasileiro aos 19’.



Com o tempo situações como do minuto 43’ não vão acontecer, já que um ataque mais rotinado e lúcido vai aproveitar erros como os EUA cometeram nesse momento. O vídeo volta a ajudar a perceber essa falta de rotinas… nessa jogada a velocidade é boa mas o entendimento é fraco.


– Defesa coletiva. Brasil sofre pontos porque assim o permite, como demonstra a situação do 1º try, em que a reação ao maul americano (os avançados brasileiros conseguem pará-lo bem) do resto da linha brasileira é deficitária. O tempo entre relocação, “armar” a defesa e subir como um todo é lento. Para além da recolocação, muitas vezes a pressão defensiva, (principalmente se os Estados Unidos jogavam já no segundo canal), era baixa, podendo-se verificar na situação seguinte, que origina o segundo ensaio americano, que a defesa é pouco vertical, esperando uma eventual entrada ao contacto e acabando por criar espaços resultantes da passividade dos defesas. É de notar ainda, e apesar de ter sido um ponto que não foi explorado pelos americanos, que o espaço interior não é por vezes defendido como se assiste na situação abaixo apresentada.

 

Na situação do 1º ensaio dos EUA, o Brasil defende mal e sem velocidade necessária para travar a jogada.

Em outro ensaio dos EUA, os brasileiros voltam a “pecar” na defesa coletiva (e individual) o que permitem a entrada dos seus adversários.

Podemos vislumbrar outra situação dessas ao minuto 45’. É a responsabilidade do formação em manter uma linha de defesa em ordem, com o 15 sempre a dar indicações. O trabalho a fazer a nível de defesa coletiva terá de ser superior para não cometerem este tipo de erros.

Escrito por: Francisco Isaac e Paulo Santos

Foto: Bruno Ruas