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tupi vermelho

A escolha do Tupi como símbolo do rugby brasileiro suscita uma série de questionamentos e discussões. Vamos tentar passar esse assunto a limpo.

 

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O rugby, os símbolos e os apelidos

É fato que no mundo do rugby exista a tradição das seleções nacionais receberem apelido. Trata-se de uma tradição, não de uma regra. E uma tradição com muitas variantes.

Primeiramente, cabe diferenciar o símbolo do apelido. Adotar um símbolo como oficial não significa ser conhecido por ele. E o reconhecimento de um símbolo como parte da identidade de uma seleção nacional não está ligado necessariamente ao uso do símbolo também como apelido da equipe. O caso mais notório desse fenômeno é a Nova Zelândia. O símbolo do rugby do país é a Fern, uma espécie local de samambaia, que não dá nome à seleção nacional masculina, conhecida mundialmente por All Blacks. Ainda assim, a Fern é un ícone do rugby neozelandês. Outros casos importantes são as seleções das Ilhas Britânicas. Ao contrário do que muitos pensam, o apelido da Inglaterra não é e nunca foi “As Rosas”. A rosa vermelha é apenas o símbolo do rugby do país, e não dá nome à seleção nacional. O mesmo é válido para a Escócia, com o cardo, e para a Irlanda, com o trevo. O leão no símbolo do Quênia não dá nome à seleção, que simplesmente não possui um apelido oficial.

Por outro lado, o símbolo que dá o apelido a uma seleção também não necessita estar desenhado na camisa da equipe. É o caso de Portugal, que não possui o desenho de um lobo em seu uniforme, e ainda assim sua seleção é conhecida como Os Lobos Tonga, por sua vez, possui desenhado em seu escudo uma pomba, mas sua seleção é conhecida como As Águias do Mar (‘Ikale Tahi, em tonganês).

Se por um lado muitas seleções possuem animais ou plantas como símbolos e apelidos, outras seleções têm ainda apelidos ainda mais naturais: são conhecidas simplesmente por suas cores. Além dos All Blacks, França e Itália são conhecidas pelas cores de suas camisas: Les Bleus, para os franceses, Gli Azzurri, para os italianos, ambos significando Os Azuis. No caso da França, o símbolo no escudo da seleção é o Galo, símbolo do rugby do país, que não é usado como o apelido principal da seleção.

A África do Sul, por questões históricas, possui dois símbolos: o Springbok e a Proteas. O que significa que também é possível coexistirem mais de um símbolo. Tudo é uma questão de significação.

Fiji, por sua vez, é conhecido como Fying Fijians, Os Fijianos Voadores. O Canadá é chamado de Canucks, apelido genérico dado aos canadenses. E Samoa é conhecida como Manu Samoa, em alusão a um lendário guerreiro.

Se Manu Samoa pode parecer inusitado, a seleção do Peru é conhecida por Tumis, o nome de um punhal sacrificial inca (sendo que a identificação com o Império Inca não contempla todo o país). O Cazaquistão é conhecido como Os Nômades. Já a Ucrânia, adotou Cossacos como apelido (que também é uma escolha controversa, por se confundir com um grupo social específico do país). A seleção da Geórgia, por sua vez, é conhecida como Lelos, nome de um jogo folclórico do país, muito semelhante ao rugby, e também o termo usado para se dizer try em georgiano.

E ainda existem seleções sem apelido. Além das já citadas, é possível mencionar a Alemanha e a China, para citar seleções de países politica e economicamente importantes que são emergentes no rugby, a exemplo do Brasil (guardadas as devidas situações de cada um).

 

O rugby brasileiro precisa de um símbolo novo?

Muito se questionou se de fato seria necessário o Brasil ter um novo apelido, ou um novo símbolo. Seja porque essa não deveria ser uma preocupação no atual estágio de desenvolvimento do rugby nacional, seja porque o Brasil já possuía o seu símbolo.

Ao longo da campanha por um novo símbolo, o velho símbolo do rugby brasileiro foi lembrado. A vitória-régia, que já esteve no símbolo da ABR (Associação Brasileira de Rugby), figurando, assim, nos uniformes. Apesar de sua existência, a vitória-régia nunca foi o apelido da Seleção Brasileira. Ou mehor, raramente foi usada como tal, seja porque não agradava aos atletas (por estar envolvida em uma história polêmica), seja porque simplesmente não se tratava de um nome facilmente utilizável como um apelido.

Para que um apelido seja utilizado, é necessário criar uma identificação entre o símbolo ou o apelido e os rugbiers locais. Do mesmo jeito que hoje se critica uma artificialidade na nomenclatura Tupis, o mesmo é possível dizer sobre a vitória-régia. Sobretudo por uma simples razão: a vitória-régia era um símbolo, e não um apelido. Como a Rosa inglesa, como a Fern neozelandesa. Quando nos anos 80 e 90 ela foi usada como símbolo do rugby brasileira, ela não foi pensada como um apelido. São funções muito distintas as de símbolo e de apelido. Apenas em alguns casos elas se misturam. Essa foi uma confusão criada tanto pela CBRu como por muitos rugbiers braisleiros. O que seria o Tupi, vencedor da votação popular? Ele seria um símbolo ou um apelido?

Na minha opinião, aqui mora o erro na eleição do símbolo brasileiro. Não há problema algum em eleger por voto popular um símbolo ou mesmo um apelido. O erro é a imposição ou a obliteração de um símbolo anterior. O que quero dizer com isso? Que a escolha do Tupi não deveria levar ao esquecimento a vitória-régia. Se a vitória-régia desempenha um papel histórico como símbolo do rugby brasileiro, o Tupi poderia coexistir com ela. Da mesma forma que o Springbok coexiste com a Proteas (apesar de existir um forte movimento anti-Springbok na África do Sul). O Tupi poderia ser agregado antes como a tentativa de criação de uma identidade ou mesmo de um apelido, e não como um substituto da vitória-régia.

Antes, vale pontuar um segundo fato. Se o Tupi veio a substituir a vitória-régia, ela própria substituiu de certa forma o papagaio (semelhante ao Zé Carióca), usado por muito tempo para simbolizar extra-oficialmente o rugby brasileiro. Ele não era oficial da URB (União de Rugby do Brasil) ou da ABR, mas foi pintado em diversas ocasiões. E caiu no esquecimento.

A maioria dos apelidos do rugby mundial nasceram de forma espontânea. Os All Blacks são um caso famoso do acaso da adoção de um apelido. Os Pumas são outro. Apesar de o Puma ser o nome usado na América do Norte para a Onça Parda, e apesar de o símbolo do rugby argentino ser, no desenho, uma Onça Pintada (Jaguar), foi o nome Puma que foi incorporado. Motivo: quando, em 1965, a Argentina fez uma gira pela África do Sul, os sul-africanos erraram ao chamar o animal desenhado no escudo argentino de Puma, ao invés de Jaguar. Porém, o nome se imortalizou.

 

Identidades no rugby

Seria possível CRIAR uma identidade, um apelido? Eis duas coisas que não podem ser criadas. Elas devem e sempre são espontâneas. Se o rugbier brasileiro nunca chamar a Seleção Brasileira de Os Tupi, por mais que se tente, a seleção não será conhecida por esse nome. Assim como não o foi por vitória-régia. E assim como a África do Sul não seria conhecida como Proteas, mesmo que ela fosse imposta em detrimento do Springbok. Entretanto, apesar de não poderem ser impostos, identidades e apelidos podem ser forjados e, por meio da propaganda, da influência da repetição de meios oficiais, podem pouco a pouco serem incorporados e se tornarem também na prática oficiais. A atitude impositiva nunca é bem-vinda. Porém, é necessário ter cuidado ao taxar o novo símbolo brasileiro como imposto. A escolha final não foi imposta, já que houve a abertura para a eleição. Muitos questionam os nomes na lista final, mas seria impossível colocar todas as sugestões em votação. Toda triagem é arbitrária.

Mas, a ideia da escolha de um novo simbolo e apelido não foram impostos? Foi, esse é um problema. Mas, que fique claro, o que deveria ter havido antes era uma votação popular sobre se seria interessante ou não a escolha de um novo símbolo e apelido. Porque desde 2010, quando os sites Blog do Rugby, Mão de Mestre, Rugby Mania e Rugby Spirit se juntaram para uma eleição do novo apelido do rugby brasileiro, o número de sugestões e votos sempre foi alto, mantendo-se a tendência na eleição oficial da CBRu. Isto é, não é exatamente verdade que o rugbier brasileiro não queria um nome novo à seleção. Ainda mais sendo a maior parte dos rugbiers brasileiros hoje recám-chegados ao esporte (como poucos anos no esporte, e entusiasmados com a cultura internacional dos apelidos). Portanto, a campanha por uma novo símbolo/apelido para a Seleção Brasileira não foi uma ideia da CBRu, não foi uma simples e categórica imposição. O movimento já existia, e forte, gostem alguns ou não. No mínimo, desde o tempo que o Carcará foi eleito extra-oficialmente.

O que está por trás disso tudo é a busca do conjunto do rugby brasileiro por uma identidade. Nada mais brasileiro do que a constante busca por uma identidade, em permanente construção e em permanente contestação. Não que o rugby brasileiro não tenha sua identidade, sua história. Mas, a chegada de um número tão grande de praticantes do dia para a noite abalou as antigas identidades do rugby brasileiro. A maior parte dos rugbiers brasieiros não divide com os velhos rugbiers as mesmas memórias, as mesmas identidades. Infelizmente, a história do rugby brasileiro ainda está restrita à memória daqueles que a viveram e, claro, isso tem que mudar. Para os rugbiers que chegaram há pouco tempo no esporte, isto é, para a maioria dos rugbiers brasileiros, a identidade do esporte está em construção. O mais novos no esporte têm sim uma forte identidade como rugbiers, com, por exemplo, um discurso muito forte pró-qualidades do rugby e pautado no código de conduta do rugbier. Por isso, para eles, isto é, para esse grupo majoritário de jogadores e amantes do rugby, a busca por um novo símbolo ou apelido é natural, legítima, por completar por meio de outra natureza de simbolismo a sua identidade. O que é necessário questionar é se o novo deve apagar o antigo. E a minha resposta é: não. Apagar não, coexistir sim.

Sobre o outro questionamento feito: não existiam coisas mais importantes a serem tratadas pela CBRu? Sim. Porém, não compactuo com esse tipo de argumento que diz que porque há coisas mais importantes a serem feitas, outras menos cruciais não devem ser feitas. Balela. Por não dever ser colocado como algo prioritário, a questão do símbolo deveria ter sido mais maturada, e não resolvida de forma tão rápida após passar um período “de molho”, esquecida. O ideal era ela nunca ter sido esquecida e, pouco a pouco, ter sido discutida, sem pressa, mas sem ser obliterada por completo. No final, concluiria-se com mais propriedade se o Brasil precisaria ou não de um novo símbolo, e como usar sem obliterar os símbolos antigos.

Na minha opinião, o símbolo antigo, a vitória-régia, deveria ter sido preservado, mas um segundo símbolo poderia ser acrescentado, e seria inclusive bem-vindo. O crescimento quantitativo do rugby brasileiro comporta tal acréscimo. Se o novo símbolo viraria efetivamente um novo apelido, apenas a aceitação pública diria, ou melhor, dirá. E a aceitação depende do tempo. Por isso, quanto mais longo for o processo de escolha de um novo símbolo, melhor. A escolha não precisa ser espontânea. Na verdade, qualquer adoção de qualquer símbolo não é um processo inocente, é sempre arbitrário no momento que é realizada. A diferença é que os países mais famosos do rugby escolheram os seus em contextos históricos bem distintos do atual, quando as questões da opinião pública tinham outras características, e a comercialização das marcas no rugby não era assunto. O esporte era amador.

 

O resgate do ideal indígena e a eleição do Tupi

Dentre a gama de sugestões dadas pelas pessoas sobre um símbolo ou apelido (frisada essa confusão) para o rugby brasileiro, o meu favorito, por ventura, foi o Tupi. Aliás, fui um dos que enviaram sugestões de nomes indígenas. No argumento, coloquei o poema I-Juca Pirama, de Gonçalves Dias. No poema, as virtudes do guerreiro timbira (que é uma tribo da família Tupi) são exaltadas, e cabem perfeitamente ao rugbier. A antropofagia, isto é, o ato de se deglutir, incorporar, as virtudes do oponente, tratado com respeito, é tema. E mais, fazendo alusão a um movimento posterior da literatura brasileira, a adoção do rugby é um ato culturalmente antropofágico, por ele ser ainda fortemente marcado pela cultura estrangeira, fato revelado claramente pelo próprio vocabulário. E I-Juca Pirama exalta: “sou filho do Norte”. Eis o rugby.

Trata-se de um fenômeno muito comum na cultura brasileira. Sempre que o contexto necessita o retorno a um passagdo indígena glorificado e idílico, o índio e seu orgulho são resgatados. Mas, sempre de forma caricata. É o caso do I-Juca Pirama e do romantismo do século XIX. Passados tais movimentos, o que se fez não foi resgatar os temas indígenas e o respeito aos povos indígenas de forma mais realista. O que se fez foi simplesmente esquecê-los, ainda hoje trata-se com muita indiferença e mesmo despeito a cultura indígena. Muitos comentários feitos por rugbiers sobre a escolha do Tupis, aliás, se mostraram preconceituosos. A desvalorização das culturas indígenas no Brasil chegou a um ponto crítico, e as novas gerações de indígenas cada vez menos têm interesse em valorizar a cultura de seus antepassados. Não digo viver ao modo antigo, pois isso seria uma visão estereotipada de como deve viver um indígena brasileiro. Mas de buscar preservar a memória de seus antepassados, aprender seus idiomas, identificar-se com orgulho com suas origens.

Nesse sentido, um esporte adotar no atual contexto social o índio como símbolo é um ato justamente de grande valor simbólico, sem qualquer pleonasmo. Mesm que esse esporte, como é o caso do rugby, não seja praticado largamente por comunidades indígenas ou por cidadãos que se identifiquem como de origem indígena. O rugby tem uma posição privilegiada nesse sentido. A discussão da identidade aborígine é muito forte no esporte, mais forte que em outros esportes. Especialmente na Oceania. O exemplo neozelandês é talvez o mais importante. Não vou me alongar sobre a questão maori, pois daria um novo artigo, mas o importante a se frisar sobre a Nova Zelândia e o uso de uma simbologia maori (o haka, as tatuagens, a iconografia) é que a cultura aborígine foi incorporada fortemente inclusive por aqueles que não têm ligações sanguíneas com os maoris. E mais, foi uma incorporação conflituosa em seu início (no final do século XIX e começo do século XX), mas gradativamente se tornou algo natural. Na construção de uma identidade nacional neozelandesa, o elemento maori foi fundido aos elementos europeus resultando num produto final totalmente nacional. Uma grande parcela da população neozelandesa não é nem puramente europeia, nem puramente maori. E mesmo aqueles que podem remeter as suas origens familiares inteiramente à Europa, não podem negar que em seu dia-a-dia, isto é, em sua formação cultural o elemento maori esteja presente, em maior ou menos medida. Trata-se de um denominador comum, voluntário ou involuntário. De influência direta ou indireta. E, da mesma forma, a ritualização dos elementos maoris no rugby não é “pura”, passou por uma mediação “ocidental”, em grau menor, mas presente.

Nesse sentido, o mesmo pode ser colocado sobre a cultura indígena brasileira. Apesar de pouquíssimos brasileiros terem ligações identitárias (e sanguíneas) diretas com povos indígenas, a presença cultural é inegável. Mesmo sem tal consciência, uma grande parcela da sociedade brasileira é fruto da mestiçagem entre índios e negros e índios e brancos. Nas raízes das culturas regionais brasileiras, o elemento indígena é fortíssimo, mesmo que difícil de ser apontado com precisão. De forma mais palpável, comidas, ritmos, nomes de lugares e mitos brasileiros têm origem indígena. Mesmo não participando de algumas manifestações culturais, muitos brasileiros têm uma ligação no mínimo indireta com essas raízes. Digo isso pegando o meu caso pessoal. Sou paulistano e toda a minha família veio de Portugal ou da Itália. Ainda assim, por viver dentro de uma sociedade que tem o elemento indígena em sua formação, de alguma forma esses vínculos identitários também me pertencem. O mesmo poderia se dizer das raízes africanas. Porém, por conta de sua presença física ser muito menor, a identidade indígena tem um caráter muito mais simbólico, menos conflituoso, e arrisco dizer menos valorizado.

Qualquer rugbier brasileiro tem um grande respeito e mesmo admiração pela cultura maori. O motivo principal é a qualidade do rugby. Mas, ícones culturais maoris – como o haka e as tatuagens – são muito exaltados em nosso microcosmo rugbístico. Paradoxalmente, enquanto o maori é exaltado, o índio brasileiro segue esquecido, inferiorizado. Ele parece não ser ‘tão legal quanto” o maori. A dança de guerra maori e a tatuagem maori, por exemplo, parecem ter mais valor do que nossos análogos indígenas. Nesse sentido, a cultura do rugby pode servir muito bem para o resgate do orgulho do passado indígena brasieiro. Se no código de conduta do rugby está o respeito à diversidade, e se o rugbier brasileiro não se mostra preconceituoso com relação a manifestações culturais como as maoris, ele aparenta formar um grupo mais receptivo, por exemplo, ao elemento indígena. Não digo para fazermos danças de guerra antes dos jogos. Aliás, pelo amor de Deus, não façamos! Seria uma cópia muito descarada, e com muito menos significação. O haka tem um sentido muito além do rugby dentro da socidade neozelandesa. Não precisamos forjar sentidos, basta valorizarmos mais o que temos. Essa valorização não nasce de uma hora para a outra, mas usar o índio como símbolo (não necessariamente como apelido) é um movimento nesse sentido.

E por que o Tupi? Não estaríamos desprezando os demais povos indígenas? O Tupi seria uma associação simbólica. Não enxergo sua adoção como um desrespeito aos demais. Primeiramente, o Tupi não é um povo específico, mas um conjunto de povos com ligações históricas e culturais entre si. E são os Tupis aqueles com maior influência sobre a cultura da maior parte do país, uma vezes que eles compunham a maior parte da população da costa brasileira em 1500. Não por acaso, um termo usado como sinônimo de “brasileiro” é “Tupiniquim”, que nada mais é do que um conjunto específico de tribos do ramo Tupi. Quando falamos de “as terras tupiniquins” ou do “jeito tupiniquim”, ou qualquer variante do gênero para o emprego desse termo, não estamos excluindo os demais indígenas. O termo ganha forma de figura de linguagem. O Tupi passa a simbolizar o conjunto mais do que diverso das tribos indígenas. Enxergar todos os índios como iguais, não enxergar as enormes diferenças entre as centenas de povos de nosso país é preconceituoso. Todavia, eleger um grupo autóctone como símbolo do resgate de todo um segmento da sociedade não é um problema, pode se tornar simbólico, como a valorização de todo um conjunto de povos. O poema I-Juca Pirama, por exemplo, fala da tribo Timbira, que é do ramo Tupi. Mas, sua significação vai muito além dos Timbiras.

Ficando dentro da esfera do rugby, podemos pegar o exemplo do Peru. O tumi é um punhal sacrificial inca, mas nem todo o Peru tem raízes incas. Aliás, inca não é um povo, é o nome dado pelo esapnhóis para um império, apropriando-se para tal do nome do “imperador”, o Inca. A cidade de Lima, por exemplo, é de origem espanhola, e tem forte presença africana e japonesa. Ainda assim, a cultura incaica é um forte denominador comum da identidade peruana, e o tumi ganha seu sentido.

O que vai determinar se a adoção de um símbolo é positiva ou negativa são seus usos. Se o Tupi for usado de forma estereotipada ou meramente comercial, sem nunca levar a uma valorização maior da cultura indígena entre os rugbiers (o que é muito dificil de se mensurar), ou mesmo se nunca houver uma comunicação das confederação com lideranças ou comunidades tupis, o símbolo terá sua significação esvaziada. E a valorização pode se dar mesmo de forma comercial, por exemplo, com propagandas que associem os valores do rugby aos valores indígenas, mas que também apontem para a necessidade de se ter um outro olhar para a causa indígena. Essa seria uma troca positiva.

 

As Amazonas

Por fim, quero levantar a questão do nome da Seleção Feminina. Se tem um apelido que “pegou” no rugby brasileiro foi Amazonas. No século XVI, o navegador e explorador Francisco de Orellana relatou em sua viagem pela Amazônia a presença de mulheres guerreiras na tribo dos Tapuias, chamando-as de Amazonas, em alusão ao mito grego das mulheres guerreiras. Tal associação deu nome à região, a Amazônia. Os Tapuias são uma tribo do ramo Tupi. Sendo assim, se existe uma revisão do apelido oficial que tem que ser feita logo é a do nome da Seleção Feminina. Chamá-las de Amazonas faz todo o sentido, e, como demonstrado, não conflita em nada com o termo Tupis. Aliás, combina.