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ARTIGO OPINATIVO – A morte de Diego Maradona foi, lógico, o assunto esportivo da semana e não pretendo abordar a fundo a figura de Maradona aqui, uma vez que foge do escopo de nossa página. No entanto, o assunto se relaciona diretamente com nosso esporte, uma vez que os Pumas foram criticados na Argentina nesta semana por não terem prestado uma homenagem no nível que boa parte da nação argentina esperava , a ponto da federação argentina publicamente se retratar sobre ter desapontado o público.


Primeiramente, não sou argentino para medir o tamanho de Maradona para seu povo. Foi um ícone global do esporte, bem como um símbolo nacional argentino, que ganhou ainda mais relevância por ter seu auge misturado com o momento delicado de afloramento do nacionalismo no país, a Guerra das Malvinas, nos anos 80. Maradona, no entanto, soube cultivar sua imagem como ícone nacional e apoiador dos esportes argentinos, tendo frequentado inúmeras vezes jogos dos Pumas.

Na análise sobre qualquer figura da magnitude de Maradona, é essencial separar o indivíduo – humano, com suas falhas e passível de julgamento – do personagem mítico, que tem seu significado a partir dos contextos que viveu e do que representou. No entanto, tenho muito cuidado em não cair em discursos que possam levar a nacionalismos autoritários. Toda figura nacional é passível de debate e manifestações de luto são sempre particulares. Havendo respeito pela diversidade, policiar luto pra mim é essencialmente errado, assim como querer que todos lidem com um mito nacional da mesma maneira. O melhor exemplo está na relação problemática de Maradona com as mulheres, que levou a críticas do movimento feminista a se ter como ídolo alguém que foi abusador. É justamente num caso como esses que impor como alguém deve venerar um personagem nacional é problemático e, obviamente, o feminismo está certo quando questiona o que Maradona representa. Nacionalismo acrítico tem consequências gravíssimas. O luto a Maradona é uma questão particular de cada indivíduo, do mesmo jeito que deve ser respeitado como comoção coletiva.

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Aqui justamente mora o problema com relação ao rugby. Maradona é símbolo de uma Argentina mestiça, pobre, que ganhou o mundo. Sempre apoiou os Pumas, mesmo que boa parte do rugby argentino esteja associado a uma Argentina branca e rica. Oras, acho extremamente injusto acreditar que os Pumas não tentaram honrar Maradona esportivamente. O rugby argentino venceu os All Blacks 15 dias antes, dando uma glória esportiva a um país que vê há décadas seu futebol desapontar. No entanto, as críticas ao rugby se justificam por uma assimetria entre a relação que Maradona tinha com os Pumas e que os Pumas sugeriram ter com Maradona.

Claramente, há uma cilada. Os Pumas iam a campo sabendo que as chances de derrota eram imensas, pois os All Blacks estavam feridos. O peso psicológico da mistura entre luto nacional e derrota potencial certamente teve seu impacto no desempenho dos Pumas e mesmo na capacidade de expressão de cada atleta. Contudo, houve tempo para algo melhor ter sido preparado pelos Pumas, com a consciência de que eles precisam pensar em representar todo o país. Faltou tal visão.

Assim, o problema está justamente na assimetria da relação. Os Pumas querem representar ou não toda a Argentina? Há muito tempo o rugby argentino é acusado – e com justiça – de elitismo. Obviamente, não é todo o rugby argentino que é elitista, mas há segmentos que são e mancham a imagem do esporte dentro da sociedade argentina. Não é a toa que tweets absurdos de Pablo Matera do passado foram desenterrados como mostras de que o rugby argentino ainda é refém de uma mentalidade elitista. Não só elitista, como também machista, a se ver por quão lento é o avanço do rugby feminino por lá, com Las Pumas tendo seu pior resultado na história do Sul-Americano no mesmíssimo fim de semana da derrota dos Pumas para os All Blacks. Soma-se a isso o caso do assassinato de um jovem por jogadores de rugby no começo do ano, com fraca resposta da União Argentina de Rugby, que comoveu e ferveu o país, e o resultado é um esporte em xeque no plano nacional.

Minha primeira reação ao ver a federação argentina se retratando foi de achar que tal ato seria dispensável, pois cada um expressa o luto como prefere e o rugby havia acabado de conquistar um grande feito. A passionalidade do momento é compreensível, mas corre o risco de alimentar algum nacionalismo mais autoritário, que pretenda impor um mesmo ícone para toda a sociedade. Todavia, estava óbvio que o luto a Maradona transcendia a questão da figura do futebolista e se tornava uma crítica a como o rugby participa da vida nacional na Argentina. O rugby errou em seu processo de decisão de como deveria se relacionar publicamente com o luto e se afastou de parte da sociedade argentina. O assunto, obviamente, não se encerra em Diego.

O rugby argentino merece muito mais do que isso por ser um rugby que cultiva valores comunitários caríssimos. É um rugby que inspira, mas que não é isento a críticas e que precisa seguir se transformando para responder aos anseios de uma sociedade com dramas sociais complexos. Não é fácil, nem plano.

Enfim, tanto o rugby argentino como a relação de Maradona com os esportes do país servem para o Brasil fazer, ele próprio, sua reflexão sobre como lidamos com ídolos, com o papel social do esporte e, sobretudo, como lidamos com questões nacionais.