Foto: Luís Cláudio Amaral (FFRu)

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ARTIGO OPINATIVO – O último final de semana foi tanto heroico como preocupante. Tendo acompanhado os bastidores da montagem do Super Sevens Masculino e Juvenil, é importante deixar claro que o evento que rolou em Taubaté aconteceu após intensos esforços e mobilização dos envolvidos, sem dúvida. Porém, o campeonato só aconteceu por um motivo: porque precisavam ser definidos os ganhadores do Bolsa Atleta.

Com um 2019 absurdamente caótico, a Confederação, que viveu no segundo semestre troca de gestão operacional, teve que adiar a competição nacional de sevens para o início de 2020 – e não foi a primeira vez que isso ocorreu. O que foi alarmante é que a nova gestão teve que organizar o Super Sevens Masculino e Juvenil (antiga Copa Cultura Inglesa) sem projeto de Lei de Incentivo ao Esporte. Para quem não sabe, as competições que a Confederação organiza são em partes custeadas por projetos incentivados, que captam recursos com a iniciativa privada (na verdade, a iniciativa privada deixa de pagar um valor em impostos, direcionando-os ao esporte, o que significa que, no fundo, trata-se de um recurso público). Normalmente, esse é o dinheiro que a Confederação usa para pagar viagens dos times, arbitragem e outros custos do torneio (como alimentação, em anos anteriores). Há outros custos que, no entanto, sempre ficam com os times participantes. Isso varia de ano para ano, de acordo com o sucesso da captação do dinheiro pela Confederação. O importante de entender é que não é algo rápido de ser feito: são precisos meses para se fazer o projeto, ele ser aprovado pelo ex Ministério e ter os recursos captados com as empresas.

Isso significou que o custeio do evento do fim de semana passada recaiu sobre os times participantes (com alguns repassando parte dos custos aos atletas). Não vou discutir como cada equipe fez para bancar seus custos, pois isso variou de time para time e, lógico, houve muito barulho nas redes sociais. Porém, o problema é muito maior, pois um torneio sem recursos gera problemas com relação a alimentação e acomodações adequadas, que afetam o rendimento em campo dos jogadores – e suas aspirações com relação ao Bolsa Atleta. Do mesmo modo, o número reduzido de árbitros na competição igualmente tem efeitos no campo, uma vez que se há poucos árbitros, cada árbitro faz mais jogos, a fadiga aumenta e a qualidade da arbitragem cai, impactando no jogo (e nos sonhos dos que estão em campo). Para completar, um torneio sem recursos afeta a segurança dos atletas, por exemplo no que diz respeito à maior preocupação atual do World Rugby (a federação internacional): as concussões e os protocolos a serem seguidos em caso de lesões (e suspeitas de lesões). Algo ainda mais delicado quando há juvenis envolvidos.

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Qual a prioridade do rugby brasileiro?

O que é crucial extrair do caso do Super Sevens Masculino e Juvenil deste ano é a seguinte pergunta: qual é a prioridade do rugby brasileiro?

Primeiramente, é importante pontuar que a Lei de Incentivo ao Esporte (LIE) foi desenhada (lá em 2006, quando foi criada), com um propósito: ajudar a financiar o esporte no país. Não existe nada na lei que favoreça um tipo de esporte com relação a outro, entretanto o esporte olímpico sempre teve peso maior, ainda mais no ciclo de preparação para o Rio 2016.

O rugby sevens é a modalidade olímpica do rugby e a única que tem peso junto ao Comitê Olímpico do Brasil. Ainda que a LIE não esteja atrelada a modalidades olímpicas, ao olharmos o sistema de financiamento do esporte como um todo, é inegável o peso do “fator olímpico” (que inclui outros eventos poliesportivos, como os Jogos Pan-Americanos e os Jogos Sul-Americanos).

O ecossistema olímpico (isto é, as competições do rugby sevens e as fontes de receita ligadas a tal sistema de competições) não é a única fonte de renda do rugby. Para o World Rugby (a federação internacional) e patrocinadores, o rugby XV ainda é maior e países emergentes na bola oval (como o Brasil) sabem disso, pela possibilidade de participação na Copa do Mundo e pelo interesse em geral maior do público cativo do rugby pela modalidade de 15 jogadores.

Entretanto, quando pensamos no uso de receitas de origem pública, parece-me sensato pensar que o sevens deveria ser a prioridade. Não falo do ponto de vista legal, apesar falo buscando coerência, para ter conexão com os objetivos olímpicos. As receitas de origem inteiramente privada (que não é o caso das que chegam via Lei de Incentivo) que devem seguir a onda do mercado. Nesse caso, o Super Sevens deveria ser o primeiro torneio na lista de prioridades do financiamento via Lei de Incentivo ao Esporte.

Hoje, o Super Sevens Feminino (adulto) tem Lei de Incentivo, mas também está abaixo nas prioridades e nos últimos anos teve seu calendário definido após o XV masculino, pois em geral tem seus recursos captados depois.

Nosso campeonato adulto de rugby XV, cujas equipes são formadas por adultos, com emprego, braços e mentes capazes de irem atrás do financiamento privado, deveria estar abaixo na lista de prioridades da Lei de Incentivo. Isto é, o XV deveria entrar para a “fila” da Lei de Incentivo depois de estar construído e melhor financiado o sistema de competições do sevens.

Falo isso justamente pensando especificamente no absurdo que me parece ser fazer juvenis terem que se sacrificar (mental, física e financeiramente) para jogarem. Oras, o sacrifício tem que recair primeiro sobre o rugby adulto e só depois, quando não houver outra saída, sobre o rugby juvenil. Sobretudo quando pensamos no tamanho da carência do rugby juvenil brasileiro, que carece profundamente de competições pelo Brasil, quando avaliada nossa real necessidade. Faltam jovens jogando. É meio incrível precisar gastar linhas explicando sobre a importância do rugby juvenil, portanto, não o farei. Se quisermos ter atletas, voluntários e fãs no futuro, é óbvio que o rugby juvenil deveria ser prioritário. Há muita gente nos clubes e federações dando duro para fazer crescer o juvenil e é para tais trabalhos que o investimento precisar ir.

Entretanto, o que é mais alarmante sobre o juvenil é outra questão que muitos não parecem perceber. Há cada vez menos jovens praticando todos os esportes, pois há muitos outros divertimentos disponíveis. Não é preciso participar de um esporte, nem viajar, para fazer amigos e se divertir. Bem vindo ao século XXI (para quem não percebeu isso ainda). Portanto, qual o diferencial que o rugby está oferecendo para os jovens? Podemos falar longamente sobre os valores do rugby, mas aos olhos do adolescente (que vê pouca TV e está totalmente online), o que atrai? Certamente, o preço (em dinheiro) do divertimento é um fator que vai pesar em suas escolhas. O peso de um torneio precário é ainda maior no julgamento que cada indivíduo fará em sua escolha pelo esporte.

Eu sei que o torneio de 2020 foi “o que deu pra fazer”. Porque foi mesmo. O planejamento para o sucesso concreto do evento morreu no caos da CBRu de 2019. Portanto, falo aqui pensando em 2021, 2022, 2023… para não termos déjà-vu.

Dito tudo isto, fica a pergunta: algum clube apoiaria o que estou falando?