Rugby League hoje tem um trabalho forte já em mídias sociais. Foto: NRL

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ARTIGO OPINATIVO Um artigo muito bom foi publicado recentemente no Rugby Pass, problematizando como o rugby não vem conseguindo criar o impacto necessário com as gerações mais jovens. O artigo aponta um declínio da modalidade entre os mais jovens inclusive na Nova Zelândia e levanta a questão de como o esporte vem lidando com as redes sociais.

Este artigo não vai trabalhar a questão do rugby nas escolas ou o rugby juvenil como um todo. Já falamos outras vezes sobre esse assunto e ele é completamentar ao tema da popularização do esporte como espetáculo.

No passado recente, levantamos a questão crucial de como o rugby está distante do universo dos jogos eletrônicos (e dos e-sports), com uma carência de bons jogos de video game – ou mesmo de jogos online, mobile. Eles existem, mas o rugby está muito atrás de outros esportes nesse assunto.

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Tal questão também se agrava ao olharmos o universo da cultura de animes, mangás ou mesmo uma cultura bastante antiga e muito pouco explorada pelo rugby como os álbuns de figurinha – que incrivelmente resistiram às mudanças geracionais quando o assunto são megaeventos esportivos. Ao olharmos para a Copa do Mundo de Rugby, sua presença nesses universos de cultura completar é aquém do necessário. E para as demais ligas profissionais isso é ainda mais grave.

Chamo de cultura complementar porque é importante diferenciar o que é concorrência ao rugby e o que não é. Hoje, os esportes sofrem uma concorrência cada vez mais de outras formas de entretenimento numa batalha pelo tempo das pessoas. Essa batalha, no entanto, não nasceu hoje. Ela sempre existiu. Ver TV, ir ao cinema, ler livros, ir ao bar, ao restaurante, à balada, ao museu sempre concorreram com a prática esportivo pelo tempo livre das pessoas. Mas sempre foram entendidos de modo distinto. Afinal, ninguém vive de um interesse só.

No entanto, a internet possibilitou uma quantidade imensa de produtos se tornaram acessíveis e de rápido e mais amplo consumo. Hoje, as plataformas de vídeo permitiriam as pessoas assistirem quantos filmes ou séries quiserem (antes, era preciso esperar o momento da transmissão). Os jogos eletrônicos saíram da solidão do console no quarto e passaram para plataformas online que forjam e consolidam amizades.

No entanto, tanto os video games como filmes, séries, livros, quadrinhos, por exemplo, podem convergir com os esportes. Não se trata de uma completa concorrência porque o rugby pode virar video game, animação, série, filme, livro ou quadrinho. Os e-sports aparentam serem concorrentes dos esportes convencionais, mas na verdade eles podem – e devem – ser entendidos como complementares.

O tempo das pessoas, no entanto, é o mesmo. Ainda que formatos distintos de entretenimento sejam “complementares”, o tempo não é. Ele é um só. Por isso, é preciso entender que fatalmente os modos de consumo dos esportes vão e estão já mudando. Se antes era esperável que uma pessoa sentasse na TV e quisesse e parasse tudo para assistir a um jogo, hoje não é o que ocorrerá. Ao longo de uma partida ao vivo, a atenção estará fatalmente repartida com outras coisas, em especial pela existência do celular. Se antes um fã era o que assistia a todos os jogos na íntegra, hoje muitas vezes o fã é quem vê partes de jogos, cenas, melhores momentos, memes, ouve podcasts…

Evidentemente, a plataforma que mais altera a forma de consumo é o celular com suas redes sociais – sejam elas as redes sociais “convencionais” (Facebook, Twitter, Instagram), as redes focadas em vídeos, transmissões ou jogos online (YouTube, Twitch) ou os aplicativos de mensagens (WhatsApp, Telegram). Aliás, é importante entender como o WhatsApp mudou a sociabilidade para um nível além do que o Facebook ou os finados Orkut, MSN ou (quase finado) ICQ. Do mesmo modo, é importante entender como cada vez mais essas redes misturam seus propósitos. O Instagram se tornou também plataforma de vídeos, enquanto muita gente conversa por Twitter ou faz amizades via Twitch.

O tempo das pessoas está cada vez mais repartido, da mesma maneira que seus interesses e a forma como sociabilizam. Um dos fatores que mais aproximavam as pessoas no passado com relação aos esportes era o poderio deles fomentarem amizades. Hoje, há muitas plataformas que propiciam isso. Não vou entrar em discussões sobre a natureza das amizades feitas à distância ou qualquer outra discussão sobre a superioridade da vida vivida “offline”. O que interessa aqui é que muitos esportes já entenderem que precisam interagir com o público “online”.

O rugby certamente faz isso. Ele está “online”. Todas as federações e clubes estão. Mas com qual qualidade? Com qual propósito? Com qual projeto?

 

Ser falado, ser reproduzido

Algo que ligas de outros esportes já aprenderam (e o rugby não) é que o maior produto é o interesse das pessoas pelo seu esporte. Em outras palavras, o que realmente importante é ser visto e comentado. Isto é, criar a atração para o consumo.

Quando falamos em conteúdo nas redes sociais, por exemplo, a maioria esmagadora das federações de rugby (estou falando de rugby internacional profissional, não brasileiro), incluindo o World Rugby, valorizam têm como preocupação “número 1” policiar as redes para impedir a propagação de vídeos e fotos que não sejam “seus”. Isto é, preocupam-se em zelar pelos interesses comerciais imediatos e impedir que imagens com “copyright” se propaguem. Mais precisamente, derrubam vídeos de lances que viralizam, derrubam vídeos de melhores momentos e afins.

Trata-se de uma visão míope e anacrônica (isto é, fruto de dirigente, consultores ou funcionários que não entraram no século XXI) e que terá um alto preço. Primeiramente porque o que faz sentido mesmo proteger é a transmissão do jogo na íntegra, uma vez que se trata do produto básico delas e que gera o dinheiro. No entanto, os produtos derivados das partidas, no caso, o trabalho de fãs, imprensa e “influencers” de selecionarem momentos do esporte que gerarão interação com mais fãs e criarão mais interessados não deveria ser impedidos.

Acima de tudo, um vídeo curto de um try, um tackle, um scrum, um erro de um atleta, acompanhados de comentários que vão do humor à análise técnica, são pura propaganda gratuita para o esporte. São eles que garantem que o esporte se propague por todo o universo “online” – e, consequentemente, pela sociedade como um todo – como m produto que estimula as pessoas a quererem se aproximar dele.

Tal consumo não pode se resumir às redes oficiais porque elas não bastatm. Por conta dos algoritmos cada usuário não visualiza tudo o que segue. E as pessoas não estão 100% do tempo conectadas. Logo, quanto mais perfis falando e mostrando o esporte, melhor.

É preciso entender a diferença entre produzir um produto secundário (um meme, um vídeo curto de humor, uma análise técnica), derivado do produto principal (o jogo em si) e a pirataria criminosa (que, na minha visão, é a cópia sumária de algo, que vai do “inofensivo” “print”, do “copia e cola”, ao link que quebra o “paywall”, isto é, que disponibiliza gratuitamente por vias ilegais um conteúdo pago). No entanto, a vontade de alguém de edificar construindo algo a partir dessa matéria prima deveria ser estimulada, simplesmente porque ela oferece retorno, (retro)alimenta o ecossistema! O retorno em mais fãs, mais consumidores, mais praticantes, mais voluntários. E democratiza um pouquinho, num universo esportivo cada vez mais cara para se participar (pelos preços de ingressos ou pelas assinaturas para as transmissões). Não estou fazendo uma discussão do ponto de vista legal (nem quero). Trata-se de uma discussão lógica. É óbvio que quem produziu as imagens vai se sentir lesado se elas forem utilizadas. Vai inclusive entender como pirataria. Porém está tendo uma visão imediatista e não sem razão.

É por isso que esse passo é preciso ser dado pelos clubes, ligas, federações. Como donos do produto (do jogo), eles precisam deixar claro que a visão precisa mudar e favorecer a viralização das imagens que, em última instância, formam os fãs em um mundo cada vez mais competitivo por atenção.

O primeiro retorno que um esporte pode dar para quem pagou pelos patrocínio ou pelos direitos de transmissão é que haja fãs. Para isso, há um preço extra a se pagar, que é a flexibilização da reprodutibilidade das imagens que geram a paixão. Reprodutibilidade que agregue algo, logicamente. Porque o esporte não é só negócio. Ele é diferente demais de um negócio convencional porque ele é identidade das pessoas, é paixão, é sociabilidade. É um produto que depende do lado afetivo e dos significados sociais, culturais, que ele próprio oferece. Portanto, é preciso entender que no século XXI é preciso estimular a circulação do esporte – e não predê-lo.