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ARTIGO OPINATIVO – O rugby (o Rugby Union) tem apenas 25 anos de profissionalismo no mundo. Muita gente não sabe, mas o rugby proibia no mundo todo o pagamento a jogadores até o ano de 1995. Foi em 26 de agosto daquele ano, dois meses após a Copa do Mundo célebre que coroou uma nova África do Sul, que tudo mudou e o rugby se tornou profissional.

 

Um século contra o profissionalismo

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A data ser 1995 é extremamente curiosa, pois foram quase exatos 100 anos depois do “Grande Cisma”. Em 29 de agosto de 1895, na Inglaterra, um grupo de clubes do norte do país, descontentes com o banimento do pagamento a atletas, rompeu com a Rugby Football Union (a federação inglesa) e criou o que hoje é o Rugby League. Por 100 anos, o Rugby League – o rugby de 13 jogadores – foi a única forma profissional de rugby e, justamente por ser uma ruptura, o Rugby League passou a mudar as leis do jogo, criando uma modalidade distinta.

Para o Rugby Union, o racha de 1895 foi traumático e isso levou a 100 anos de ativo banimento das atividades profissionais. E não era apenas pagamento de salário que era proibido. Qualquer benefício material era, seja presentes, “bicho” depois de partidas ou mesmo pagamento de custos de viagens. Evidentemente, muito foi burlado nesse período e “vistas grossas” foram feitas aos montes, mas o conceito do amadorismo era rígido.

 

O bom e o ruim do amadorismo

O amadorismo levou o rugby (o Rugby Union) a ter um foco muito grande nos valores do esporte, que passaram a estar acima do dinheiro. Os clubes pelo mundo se voltaram muito mais para suas comunidades, o que levou à consolidação do conceito de que o rugby é mais que um esporte, moldando o estilo de vida, a conduta dos indivíduos. Este evidentemente é o legado mais positivo dos 100 anos de amadorismo.

No entanto, o amadorismo sempre dificultou a popularização do esporte pelo mundo. Evidentemente, ele elitizou o esporte em muitos lugares. Porém, o efeito mais evidente foi o atraso do rugby em promover competições em nível internacional. Grandes competições levariam à pressão pelo profissionalismo, pelo interesse comercial incontornável. Não é acaso que a Copa do Mundo só foi permitida em 1987, quando o interesse comercial começava a falar alto, na era da televisão ao vivo.

A forma com que o rugby mundial era organizado refletia o amadorismo. Apenas 8 países, os 8 grandes que se enfrentavam com regularidade (Inglaterra, Gales, Escócia, Irlanda, França, Nova Zelândia, Austrália e África do Sul) eram membros e tinham poder de voto na federação internacional (IRB, atual World Rugby). O sistema atual de eleições do World Rugby, tão criticado recentemente, é fruto da era amadora. Foi apenas com a criação da Copa do Mundo que novos países foram se tornando membros da federação internacional. Não parece estranho que a data de filiação da Argentina ao IRB (World Rugby) seja 1987? A mesma data de Itália, Canadá, Estados Unidos, Japão, Romênia…

 

Novos ares, novas metas

Em 1995, o mundo do rugby foi sacudido e não foi apenas pelo impacto positivo da Copa do Mundo, que atraiu olhares do mundo inteiro pelo histórico título dos Springboks, em comunhão com Nelson Mandela.

Naquele ano, uma organização de nome World Rugby Corporation lançou uma ofensiva para assinar contratos profissionais com jogadores de rugby e criar uma liga profissional, sem aprovação da federação internacional, ameaçando criar pela segunda vez (100 anos depois) novo racha no rugby. No mesmo momento, mudanças no Rugby League australiano levavam a novas ofertas para atletas de Union se transferirem para o rugby de 13 jogadores.

Depois de muitas negociações, o IRB deu o passo adiante para liberar o profissionalismo, em movimento que teve ação determinante de África do Sul, Austrália e Nova Zelândia, que formavam a atual SANZAR, apoiadas pela News Corporation, de Rupert Murdoch, que oferecia o primeiro contrato milionário de TV para o rugby, criando o Super Rugby em 1996.

Na Europa, os franceses há muito tempo defendiam o profissionalismo e lideraram a formação da Heineken Cup (atual Champions Cup, que em seu ano de estreia não teve participação dos reticentes ingleses).

A partir da liberação do profissionalismo, o rugby iniciou o trabalhou de criação de ligas e copas profissionais que outros esportes já haviam construído ao longo do século XX. Com um plano muito maior para a Copa do Mundo, a inclusão de novos países no IRB (World Rugby) ganhou novo impulso. Em 1995, por exemplo, o Brasil se filiou finalmente.

O caminho também estava aberto para o rugby buscar se tornar olímpico, agora que não mais barrava sua própria internacionalização.

 

Dupla revolução: profissional, sim, mas feminina também

Na realidade, 1995 marcou uma dupla revolução no esporte. Além do profissionalismo, outra mudança central foi o rugby feminino. Até 1995, a federação internacional (IRB/World Rugby) simplesmente não reconhecia a prática do rugby feminino, isto é, não assumia a responsabilidade de organizar a categoria. Algumas federações nacionais (como as de França, Holanda, Canadá e Estados Unidos) já organizavam o rugby entre as mulheres, mas na maioria dos países o rugby feminino vivia na “clandestinidade”. Criada em 1991, a Copa do Mundo feminina era organizada pela WIRB (Women’s International Rugby Board), uma federação internacional feminina.

A modernização do esporte veio em 1996 com a federação internacional finalmente criando um comitê para o desenvolvimento do rugby feminino, marco para a aceitação oficial da categoria pelo mundo. A partir daquele ano, as mulheres entraram oficialmente para a federação internacional.

 

E na América do Sul? E no Brasil?

O profissionalismo foi aceito de forma mais lenta na América do Sul, com o rugby argentino hoje sendo um dos últimos grandes bastiões da defesa do amadorismo a nível doméstico. No entanto, a última década foi de mudanças, que desembocaram em 2015 na criação dos Jaguares e do Americas Rugby Championship, ambos estreando em 2016.

Para debatermos o percurso da profissionalização do rugby no Brasil e na Argentina, nessa quinta-feira, dia 27, às 16h, teremos um Rugby Talks especial com Eduardo Mufarej, presidente da Confederação Brasileira de Rugby, e Sebastian Piñeyrua, presidente da Sudamérica Rugby – e da Superliga Americana de Rugby, a nova liga profissional do continente. Inscreva-se para participar:

 

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