Foto: Susi Baxter Seitz

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O mês de abril foi amargo para o rugby feminino brasileiro com a eliminação das Yaras no Hong Kong Sevens, que significou o Brasil pela segunda temporada seguida longe da elite do sevens mundial.

O mês ainda foi da largada do Super Sevens, com o Torneio Qualificatório rolando em São Paulo e trazendo alguns questionamentos importantes: será que o modelo atual de competições de clubes ajuda o rugby feminino a se desenvolver?

O nível do mundo inteiro está subindo – a Colômbia venceu o Brasil no Sul-Americano M18 duas vezes em São José dos Campos, enquanto a China e a Bélgica superaram as Yaras em Hong Kong. É preciso um projeto de longo prazo que devolva o Brasil ao grupo das melhores seleções do mundo e mantenha as Yaras por muito tempo ainda no topo da América do Sul.

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Ideias?

 

Falta solidez

Quando pensamos no nível do rugby interno, pensamos em clubes. A ideia de que criar um nível apartado de alto rendimento vai elevar o Brasil rapidamente é imediatismo. Tem efeito em um primeiro momento, mas não se sustenta. Se os clubes não forem fortes, o gigante tem pés de barro.

A ausência de rugby XV feminino no Brasil revela duas coisas:

  • Nossos clubes têm grupos femininos pequenos. É preciso que os clubes tenham números muito maiores de jogadoras treinando, seja no adulto e seja (sobretudo) no juvenil (se cada clube tivesse abundância de jogadoras, o XV aconteceria naturalmente);
  • E os clubes que têm bons números de jogadoras, precisam de calendário mais fartos para tornarem viáveis suas equipes B.
    • A existência de um time B real e ativo é o que revela a maturidade de uma equipe, pois mostra que o clube oferece atividades compatíveis a cada nível de atleta.
    • Se há espaço para todo tipo de atleta, o time A de um clube passa a ser de fato voltado ao alto rendimento, enquanto o B promove rugby para as jogadoras que não têm aspirações de alto rendimento (mas que são essenciais à saúde do clube), para jogadoras que retornam de períodos de ausência (por lesão, trabalho, maternidade) e para as jogadoras recém saídas do juvenil;
  • Essa necessidade de maior maturidade dos clubes ainda expõe outros problemas:
    • Em alguns clubes, ainda existe desconexão entre masculino e feminino, fruto de falta de colaboração entre as categorias – e de falta de voz e participação das mulheres na direção dos clubes;
    • E em muitas cidades a divisão das jogadoras em vários clubes que sozinhos são fracos e desestruturados – mas que se fossem um clube só teriam muito mais condições de se desenvolverem;

 

Super Sevens tem um propósito confuso

Eu pessoalmente não gosto do Super Sevens. Primeiramente, há um engano geral sobre o nível da competição: ele ainda é bom o bastante para manter o Brasil no topo da América do Sul, mas não é bom o bastante para devolver o Brasil à Série Mundial de Sevens.

Entre suas características mais problemáticas:

  •  O Super Sevens está repleto de clubes que não têm estaduais que lhes ofereçam calendário bons para as atletas.
    • Os estaduais precisam garantir atividade tanto para as atletas principais do clube (sobretudo as que não estiverem envolvidas com as Yaras) e também para equipes B: clube de Super Sevens precisa ter time B para garantir processos completos de renovação dos elencos, afinal, o sevens por si só já envolve poucas jogadoras. E só circuitos estaduais oferecem base para isso;
    • Nesse caso, a dependência do sevens e seu foco em um grupo restrito de atletas precariza o futuro da própria modalidade;
  • O Super Sevens hoje não tem um propósito claro:
    • Ele mistura a elite do rugby nacional com clubes que estão ainda bastante distantes do alto rendimento (isto é, clubes com aspirações a título junto de clubes ainda em construção) ;
    • Com isso, o Super Sevens falha em prover um calendário forte o bastante para as Yaras (ainda mais tendo etapas nas quais as Yaras não estão presentes) e faz o papel que deveria ser cumprido pelos estaduais: oferecer calendário aos clubes emergentes;
    • Campeonato nacional, que envolve viagens (e, no caso dos times que não são fixos, os custos são altos), não é espaço para desenvolvimento. Essa é a função dos estaduais!

 

Qual a solução? Um passo atrás para dar dois a frente

Não vou vender soluções para ninguém, mas para mim o modelo atual, se permanecer, vai seguir conduzindo os clubes ao erro e estimulando pouco os estaduais femininos a se desenvolverem.

É preciso focar o rugby feminino nos estaduais urgentemente. Um passo atrás para que dois para a frente sejam dados num futuro próximo seria aumentar a participação das competições locais no calendário dos clubes e reduzir mas melhor a qualidade do Super Sevens.

O modelo que passa pela minha cabeça é o seguinte:

  • O Super Sevens como um torneio no topo de uma pirâmide:
  • Ao invés de 6 torneios pagos parcialmente pela CBRu, o Super Sevens poderia ser:
    • Um grupo de 4 circuitos regionais qualificatórios:
      • Sul
      • Sudeste
      • Nordeste
      • Centro-Oeste/Norte
    • Cada um dos circuitos variando o número de etapas de acordo com a necessidade e realidade de cada região;
    • No Sul e Sudeste, os próprios circuitos estaduais (no caso das regiões que têm estados hoje capazes de contarem com bons estaduais feminino), seguidas de uma ou mais etapas regionais finais;
      • É necessário condicionar a participação nos regionais à classificação obtida nos estaduais! Isto é, dar um papel real aos estaduais;
      • Tais etapas regionais precisam ter sempre junto a realização de torneios juvenis – o juvenil não pode depender da Copa Cultura Inglesa;
    • No Nordeste, Centro-Oeste/Norte, pela ausência de federações, a solução é de disputas interestaduais;
      • Se Melina e Delta podem jogar o Super Sevens, então que se crie os qualificatórios nessas regiões também;
      • Os melhores times do circuitos regionais avançando ao Torneio Nacional Final (o Super Sevens propriamente), que efetivamente só reuniria os melhores clubes do país – de 8, 10 ou 12 clubes (na minha opinião 8), jamais 16;
        • O número de vagas para cada regional precisa ser baseado na classificação dos clubes de cada região nos anos anteriores e na premiação às regiões capazes de terem estaduais: quem tem mais equipes envolvidas no sistema qualificatório precisa ter mais vagas;
    • Idealmente, os torneios qualificatório precisam acontecer de março a outubro, isto é, anuais, qualificando os clubes para o torneio final do ano seguinte;
      • Isso permite um planejamento anual para os clubes. É muito ruim começar o ano sem saber se um clube está ou não na elite nacional – se é ou não uma equipe fixa do Super Sevens.
      • O Super Sevens Final, não é preciso dizer, precisa ser colocado no melhor período do ano para ter todas as Yaras envolvidas;
        • Evidentemente, se houver condição econômica, o Super Sevens Final pode ser convertido em um circuito final com mais de uma etapa. Porém, seria mais interessante hoje que o financiamento da CBRu fosse destinado a organização primária dos Torneios Qualificatórios regionais (incluindo os torneios juvenis paralelos), pois seria um investimento efetivamente de médio/longo prazo – ao contrário do pagamento das passagens atualmente aos 8 times fixos do Super Sevens nacional.

Para além do Super Sevens de clubes, na minha opinião seria muito proveitoso termos um segundo campeonato nacional, um novo Brasil Sevens, mas de seleções estaduais. Isso garantiria ainda mais foco nos circuitos estaduais e permitira que as atletas dos clubes que não forem ao Super Sevens Final possam seguir em seus clubes. Assim, o Brasil Sevens de seleções estaduais deveria ser organizado distantes da data do Super Sevens Final, como uma competição.

Já o Lions Sevens no SPAC precisa ser preservado como um torneio aberto de fim de ano, como uma opção a mais de competição nacional.

 

Estaduais simples e condicionantes

Sobre os estaduais, a realização de torneios curtos muitas vezes ajuda a tornarem viáveis calendário maiores. Isto é, torneios de 1 dia apenas e estaduais com mais de 1 divisão!

É preciso haver incentivo para que os clubes tenham equipes B nos estaduais e, para tal, são necessários estaduais com mais de uma divisão – efetivamente sendo capazes de distinguir o nível de desenvolvimento de cada clube. Assim, o rugby feminino necessita de uma pirâmide clara do time iniciante ao time competitivo, do estadual ao nacional.

 

Vamos fazer ten-a-side!

Já defendi anteriormente a importância do XV para o desenvolvimento completo do rugby feminino. Sem XV, será cada vez mais complicado o Brasil brigar entre as melhores do mundo, já que a tendência é outros países criarem atletas mais completas ou, se não melhores que as nossas, mas com mais competição interna.

Porém, cometemos um erro óbvio no rugby feminino: se não há hoje condições e/ou interesse suficiente pelo XV, por que não tentar o TENS?

O Tens é o meio do caminho para o XV e a construção de competições de tens pode tanto ajudar a evoluir o nível do sevens como levar naturalmente ao XV em questão de tempo.

 

RESUME!

O sistema atual do Super Sevens não vai nos levar a lugar nenhum. É preciso hoje dar um passo atrás, reduzir a dependência dos clubes de competições nacionais, para dar dois passos amanhã, criando uma base sólida de clubes capazes de evoluírem por conta própria por meio das competições estaduais/regionais, resultando, consequentemente, em um crescimento a longo prazo do nível do rugby brasileiro feminino como um todo – um rugby feminino capaz de ter rugby XV junto do 7s; capaz de gerir competições amadoras adultas recreativas ao mesmo tempo que tem competições estritamente de alto rendimento; com calendário juvenl; e com as Yaras mais fortes que nunca.

O Brasil é imenso e cada região é maior que muito país. A regionalização é o caminho óbvio para a evolução para evoluir quantitativamente hoje e qualitativamente amanhã.

 

Proposta de calendário:

  • Competições estaduais + Competições regionais de Março a Outubro, servindo de Qualificatório para o Super Sevens do ano seguinte;
    • Ao menos 4 torneios Qualificatórios Regionais, subsidiados pela CBRu (ao invés de um grande Super Sevens);
  • Fase final do Super Sevens: data entre Abril, após o Hong Kong Sevens;
  • Torneio do Brasil Sevens de seleções estaduais: Novembro, logo após o Sul-Americano;
  • Total: 6 torneios acima dos estaduais, mas com uma lógica de encadeamento entre si;
  • Tens: torneios espalhados pelo ano até ser possível construir um calendário de XV;

2 COMENTÁRIOS

  1. Quem sabe se a CBRU parasse de diminuir o investimento na seleção feminina elas fossem melhor nos torneios!
    O numero de academias de alto rendimento diminuiu de 3 pelo Brasil pra apenas Uma!
    A CBRU cortou gastos de treinadora auxiliar, medico e até de alimentação das atletas!
    Então ao inves de culpar o Super Sevens poderiam começar culpando a CBRU pela diminuição no investimento das atletas e por consequencia no rendimento da seleção.
    Sem contar o juvenil qué nunca teve incentivo algum para se desenvolver!

    Gostaria de saber o plano da CBRU para essa melhoria no rugby feminino brasileiro

  2. Concordo plenamente com a ideia de criar mais níveis competitivos para que a evolução da atleta e dos times seja gradual e tenha-se um nivelamento que auxilie no desenvolvimento dos clubes. Pelo o que entendo da realidade dos times (posso estar errada) o problema de hoje você regionalizar é que os times que tem capacidade de alto rendimento de algumas regiões serão mais beneficiados que outros, por que? Por exemplo, a liga sul fazia um esforço para acontecer e recebia 6 times, sendo que 3 na época eram clubes fixos (hoje do sul são 2), sendo que sudeste tem hoje 4 times fixos e mais 3 que já foram fixos em algum ano ou mais de uma temporada. O quão justo será o nivelamento que se propõe entre essas regiões. Pensando ainda assim, hoje uma seleção sudeste teria 10 Yaras ou mais, como que vamos nivelar a competitividade das outras regiões no nacional tendo esse cenário? Faz sentido um jogo do torneio nacional com um time sendo do mais alto rendimento do país e o outro ter um time com algumas atletas que já passaram por esse treinamento ou passam, mas não é a maioria. Vivendo o Super Sevens nós temos times que foram se desenvolvendo e hoje estão em crescimento (Guanabara é um bom exemplo). Claro que o estadual mais fortalecido do Rio deve ter influência, mas hoje acho um pouco fora de contexto todas essas mudanças. Concordo que sim, a CBRu deveria contar com os estaduais/regionais para ganhar vagas no classificatório do SS, concordo na importância de envolver o juvenil e, para uma tabela saudável, 12 faz todo sentido =). Depois dessa alteração, fazer métricas em relação ao desenvolvimento de cada região/estado para, se fizer sentido, ter as seleções estaduais/regionais e aí partir para um SS enxuto com um nível mais alto de rendimento. Fazer essa mudança hoje sem a preparação do terreno acredito não ser positivo para todos os participantes.