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ARTIGO OPINATIVO – Na última quarta-feira, World Rugby (a federação internacional) e Sudamérica Rugby (a confederação sul-americana) anunciaram como serão as Eliminatórias para a Copa do Mundo de 2023 na América do Sul. Além da Argentina, já classificada ao Mundial 2023 (como uma das 12 melhores seleções do Mundial 2019), as Américas terão 2 vagas diretas na Copa do Mundo, com uma terceira equipe indo para a Repescagem Mundial.

Criado em 2016, o Americas Rugby Championship vinha sendo cogitado para servir como Eliminatórias para 2023, o que significaria que pela primeira vez desde 2005 o Brasil teria igualdade de condições na disputa por vaga na Copa do Mundo. O uso do Americas Rugby Championship, na verdade, seria um retorno ao formato usado nas Eliminatórias para os Mundiais de 1999, 2003 e 2007, quando as Américas contavam com um quadrangular final em ida e volta entre Canadá, EUA e dois sul-americanos.

No entanto, o futuro do Americas Rugby Championship foi colocada em xeque no começo do ano após o Canadá votar a favor do inglês Bill Beaumont (e contra o argentino Agustín Pichot) na eleição para a presidência do World Rugby. A Sudamérica Rugby colocou em dúvida a manutenção da competição, por considerar rompida a aliança com a América do Norte.

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A Sudamérica Rugby apostou em lutar por uma vaga direta para a América do Sul e defendeu uma Eliminatória sul-americana separada. No modelo usado para o Mundial de 2019, a América do Norte tinha uma vaga direta e a segunda vagas das Américas era disputa entre América do Norte e América do Sul. No entanto, o World Rugby rejeitou a proposta de vaga direta para a América do Sul, colocando as duas vagas das Américas para serem disputadas entre Norte e Sul.

Com a pandemia dificultando o planejamento do Americas Rugby Championship para 2021, decidiu-se por uma Eliminatórias semelhante à organizada para a Copa do Mundo de 2019, mas com jogos em sede única na América do Sul e um playoff extra entre norte e sul-americanos, dando à América do Sul a chance de ter até duas equipes classificadas ao Mundial de 2023. Isto é, um modelo melhor do que o usado para 2019, sim, mas não o ideal.

 

Modelo arriscado para o Brasil

Para o Brasil, mais uma vez, o modelo das Eliminatórias representa o risco de ser prejudicado pelo modelo de disputas. O Brasil terá que enfrentar Chile, Paraguai e Colômbia em Junho de 2021 e, poucas semanas depois, em Julho, os dois melhores entre esses países encararão o Uruguai em torneio de sede única, que ainda terá a Argentina XV (cujos jogos não deverão valer pelas Eliminatórias).

A sede do torneio final não foi confirmada ainda, mas dificilmente poderá ser no Brasil, uma vez que os Tupis só saberão que jogarão o torneio final poucos dias antes de seu início. O mesmo é válido para chilenos, paraguaios e colombianos. O torneio de Julho qualificará duas equipes para a fase de mata-mata, o que significa que um país entre Brasil, Chile e Uruguai será eliminado da luta por vaga no Mundial já em Julho de 2021. Para piorar, o país eliminado poderá não ter jogado nenhuma partida em casa. Algo certamente muito ruim para patrocinadores, público e torcedores da seleção eliminada. Afinal, jogos de Eliminatórias para a Copa do Mundo são obviamente  ideais para se atrair público (acima da média) e para se engajar patrocinadores e imprensa. São jogos que não acontecem todo ano.

Com isso, na prática, há dois cenários para 2021:

  • Cenário neutro: Argentina como sede do torneio de Julho;
  • Cenário que beneficie o Uruguai: Uruguai como sede em Julho;

O cenário com o Uruguai sendo sede em julho seria lastimável e colocaria em xeque a integridade da disputa. O cenário com a Argentina como sede seria aceitável, por ser um país neutro. Esperamos que a Sudamérica Rugby nomeie a Argentina como sede.

 

Desde 2009, Brasil é sempre prejudicado e Uruguai sempre beneficiado

A história, no entanto, coloca o Brasil como costumeiro prejudicado nas Eliminatórias para a Copa do Mundo. O Brasil vem tentando uma vaga no Mundial desde as Eliminatórias para 1999 e jamais recebeu o Uruguai em solo brasileiro. Pior: a última vez que o Chile jogou no Brasil pelas Eliminatórias foi em 2005.

Vamos repassar o que ocorreu em cada edição?

  • Eliminatórias para o Mundial de 1999
    • Brasil eliminado na 1ª fase (1996), com derrota para Trinidad e Tobago;
  • Eliminatórias para o Mundial de 2003
    • 1ª fase (2001/2002): Brasil campeão, ao vencer Venezuela, Colômbia, Peru e, em playoff, Trinidad e Tobago;
    • 2ª fase (2002): Brasil eliminado após derrotas para Chile (no Brasil) e Paraguai (no Paraguai);
  • Eliminatórias para o Mundial de 2007
    • 1ª fase (2004): Brasil campeão, ao vencer Venezuela, Colômbia e Peru;
    • 2ª fase (2005): Brasil eliminado após derrotas para Chile (no Brasil) e Paraguai (no Paraguai);
  • Eliminatórias para o Mundial de 2011
    • 1ª fase (2008): Brasil campeão, ao vencer Paraguai, Venezuela, Colômbia, Peru e, em playoff, Trinidad e Tobago;
    • 2ª fase (2009): Brasil eliminado após derrotas para Uruguai (no Uruguai) e Chile (no Chile). Sem jogos no Brasil;
  • Eliminatórias para o Mundial de 2015
    • 2ª fase (2012): Brasil vence Paraguai (no Brasil);
    • 3ª fase (2013): Brasil eliminado após derrotas para Uruguai (no Uruguai) e Chile (no Chile). Sem jogos no Brasil;
  • Eliminatórias para o Mundial de 2019
    • 3ª fase (2017): Brasil eliminado após vitória sobre o Paraguai (no Brasil) e derrotas para Chile (no Chile) e Uruguai (no Uruguai);

É evidente que o Brasil não é o único prejudicado nessa história das Eliminatórias na América do Sul. Paraguai, Colômbia, Peru, Venezuela também têm razão de reclamações, assim como o próprio Chile, que enfrentou o Uruguai apenas em Montevidéu nas últimas três Eliminatórias (2009, 2013 e 2017).

Por isso mesmo, na Europa, as Eliminatórias são (desde 2009-2010) a somatória de dois anos seguidos do chamado “Six Nations B”, para que todos os concorrentes joguem entre si em casa e fora de casa. Seria esse o projeto nas Américas caso o Americas Rugby Championship tivesse sido utilizado para o Mundial de 2023.

Vale lembrar que, assim como o “Six Nations B” tem sistema de rebaixamento para o “Six Nations C”, também era planejado que o Americas Rugby Championship tivesse sistema de rebaixamento para o Americas Rugby Challenge (sua segunda divisão).

 

A pandemia inviabilizou mesmo o Americas Rugby Championship em 2021?

Essa é a explicação oficial para o formato escolhido, mas esta é uma “meia verdade”. Vamos aos fatos?

O Americas Rugby Championship seria entre Agosto e Setembro de 2021 e, todos sabemos, ainda há muitas incertezas com relação à pandemia – que também trouxe questões econômicas. No entanto, para Novembro de 2021 estão marcados jogos de idade e volta entre os campeões e os vices de América do Norte e América do Sul. Isto é, a organização já confia que a normalidade será alcançada antes de Novembro de 2021.

A importância de Novembro é óbvia: é o mês que os clubes europeus liberam os atletas para as seleções. Certamente algo desejável para Uruguai, Canadá e Estados Unidos. Isto significa ainda que Estados Unidos, Canadá e os sul-americanos não deverão jogar amistosos na Europa em Novembro (como seria esperado), pois terão os compromissos pelas Eliminatórias.

Ou seja, se Novembro é um mês seguro para as Eliminatórias acontecerem com jogos em casa e fora de casa entre Norte e Sul, por que não se escolheu um formato reduzido (por exemplo, 2 grupos de 3 times) para o Americas Rugby Championship 2021? Lógico, valendo como Eliminatórias.

A resposta é provavelmente muito mais política do que prática. O futuro do Americas Rugby Championship estava em xeque antes da pandemia se agravar e lançar dúvidas sobre o segundo semestre de 2021.

 

Qual formato você escolheria?

Na minha visão, o formato ideal seria:

  • Americas Rugby Challenge, com México, Colômbia, Paraguai e o campeão caribenho (mais, eventualmente, algum outro país) ocorrendo antes de Novembro de 2021;
  • Americas Rugby Championship em grupos (sem Argentina XV) em Novembro de 2021:
    • Exemplo:
      • Grupo A: Uruguai, Brasil e Chile;
      • Grupo B: Estados Unidos, Canadá e o campeão do Challenge (suponhamos, Colômbia);
      • Calendário:
        • 30/10 – Chile vs Brasil (no Chile) / Colômbia vs Canadá (na Colômbia);
          06/11 – Uruguai vs Chile (no Uruguai) / EUA vs Colômbia (nos EUA);
          13/11 – Brasil vs Uruguai (no Brasil) / Canadá vs EUA (no Canadá);
          20/11 – Uruguai vs Brasil (no Uruguai) / EUA vs Canadá (nos EUA);
          27/11 – Chile vs Uruguai (no Chile) / Colômbia vs EUA (na Colômbia);
          04/12 – Brasil vs Chile (no Brasil) / Canadá vs Colômbia (no Canadá);
  • Semifinais em Fevereiro ou Março de 2022 (durante a janela do Six Nations, como ocorreu em 2018 nas Eliminatórias);
    • Exemplo:
      • EUA vs Brasil (ida e volta);
      • Uruguai vs Canadá (ida e volta);
  • Final e 3º lugar em Julho de 2022;
    • Exemplo:
      • Final: EUA vs Uruguai;
      • 3º lugar: Brasil vs Canadá;

Modelo que seria justo, daria tempo à pandemia e oferecia a todos os países (ao menos os da fase de grupos) a oportunidade de jogarem em casa, diante de seus torcedores, relacionando-se com seus patrocinadores e mídia. Então, por que não se optou um modelo como esse?