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Em 2009, o filme Invictus, de Clint Eastwood, estrelado por Morgan Freeman e Matt Damon, ganhou as telas do cinema e levou a milhões de pessoas a história da Copa do Mundo de Rugby de 1995 e da eleição de Nelson Mandela à presidência da África do Sul, quando se tornou o primeiro presidente negro do país, colocando fim ao regime de segregação racial do apartheid, vigente no país de oficialmente de 1948 a 1994.

Tema do livro Conquistando o Inimigo, de John Carlin, no qual Invictus foi baseado, a história da democratização da África do Sul e de como Mandela utilização da Copa do Mundo de Rugby para unir o país tem tem em seu enredo muitas outras histórias. Uma delas, ou melhor, um deles, dos personagens dessa história, chegará ao Brasil para contar um pouco mais dessa que é das mais bonitas páginas do século XX. Chester Williams, único atleta negro da equipe dos Springboks campeã mundial de 1995 dará uma palestra em São Paulo, no dia 27 de outubro, a já aclamada “Sangue, suor e lágrimas” (para mais, clique aqui).

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É para ir preparando terreno para a chegada de Chester ao Brasil que o Portal do Rugby, veículo parceiro da vinda do lendário Springboks ao Brasil, publicará matérias especiais sobre os temas que serão tratados na palestra.

 

África dividida

Em maio de 1994, quando Nelson Mandela assumiu a presidência da África do Sul, o país se encontrava à beira de uma guerra civil entre negros e brancos. As cicatrizes deixadas pelo apartheid eram incalculáveis. Ou melhor, as cicatrizes eram inclusive anteriores ao regime que caíram naquele ano.

Dividido por centenas de tribos e pequenos reinos, numa miríade de etnias, falantes de dezenas de línguas – dentre as quais as principais são Xhosa e Zulu, no sul, Sotho, Ndelebela, Venda, Tsonga, Swazi e Tswana, no centro-norte, o território do extremo sul da África passou a atrair a atenção dos europeus no século XVI, quando os holandeses fundaram em 1652 uma colônia no Cabo da Boa Esperança, onde hoje fica a cidade do Cabo. A região já era conhecida pelos portugueses, que chegaram lá em 1487.

Pelo clima temperado e propício à agricultura de produtos europeus, os holandeses ocuparam o Cabo e instalaram fazendo para abastecer os navios que iam do Oceano Atlântico ao Índico, e obrigatoriamente passavam pela região, que separa os dois oceanos. A região passou a receber um grande número de holandeses calvinistas e, a lucratividade do comércio e a maior liberdade religiosa, atraíram também franceses e alemães protestante, além de judeus, que se instalaram no Cabo e romperam suas relações com a Europa. É dessa população europeia, holandesa, com miscigenação francesa e alemã, que descendem os africâneres, que hoje representam dois terços da população branca da África do Sul e que não possuem laços diretos com a Europa desde o século XVIII, sendo “a única tribo branca da África”.

Em 1795, os britânicos assumiram o controle da região, e muitos dos bôers – como eram conhecidos os africâneres – iniciaram o movimento de conquista do interior, entrando em guerras com reinos africanos e fundando repúblicas independentes, nas regiões de Natal, Free State-Orange e Transvaal, para fugirem do controle britânico. O mesmo caminho também tomaram os coloureds, populações mestiças de brancos e negros que se organizaram de forma a constituir repúblicas coloureds, sendo a mais famosa Griqualand, o que acirraria ainda mais a divisão do país entre brancos – ingleses de um lado, bôeres do outro -, mestiços e negros (das mais distintas etnias). A ocupação inglesa e a instalação de grandes fazendo exportadoras levou à África do Sul ainda um grande número de indianos e, posteriormente, chineses.

Com a expansão do domínio inglês na África no final do século XIX e a descoberta de grandes jazidas de ouro e diamantes, duas grandes guerras eclodiram: primeiro, as Guerras Zulus, nos anos 1870-80, entre o Império Britânico e o Reino Zulu, mais forte e organizado dos reinos africanos. E, de 1880 a 1901, as Guerras Bôeres, entre britânicos e africâneres. O desfecho foi o domínio completo da Inglaterra sobre a região e da fundação da colônia unificada da União Sul-Africana.

 A Primeira Grande Guerra Mundial e a crise econômica mundial dos anos 30 fortaleceram a luta por independência na África do Sul e, em 1931, o parlamento sul-africano ganhou plenos poderes, emancipando a África do Sul do domínio britânico.  Em 1948 chegou ao poder o Partido Nacional ao poder, que instalou no país oficialmente o regime de segregação racial – que, no fundo, apenas deu base legal à divisão racial que já ocorria no país. Em 1961, o Partido Nacional destituiu a Rainha Elizabeth do titulo de Chefe-de-Estado, último poder que restava do passado colonial, proclamando finalmente a república.

Anti-democrático e autoritário, o regime do apartheid dominou a África do Sul por quase cinquenta anos, dividindo a população do país em quatro categorias, com direitos desiguais: brancos, asiático, coloureds (mulatos) e negros. Em oposição a ele se formaram grupos de resistência, com origens e ideologias distintas, que iam de brancos de esquerda (pois nem todos os brancos apoiavam a segregação), muitos ligados aos partidos comunistas (como o SACP), que pregavam a revolução, ao Congresso Pan-Africano (PAC), que defendia a segregação racial, mas com poder para os negros. Entre os extremos estava o Congresso Nacional Africano (ANC), de Nelson Mandela, que buscava a conciliação entre os dois lados e a democratização do país. Preso por 27 anos, Mandela – ou “Madiba” – liderou a luta pelo fim do apartheid, que ganhou força com os boicotes internacionais ao regime, que incluíram sanções econômicas e isolamento político – incluindo esportivo.

A transição foi feita com a subida ao poder de Frederik De Klerk, presidente de 1989 a 1994, da ala moderada do Partido Nacional, que entendia que a salvação econômica do país passava pela democratização. De Klerk tornou legais o ANC e o SACP (banidos pelo Partido Nacional), soltou Mandela da prisão e permitiu eleições livres.

Eleito para presidente em 1994, Mandela soube ler bem o momento pelo qual os brancos passavam. Apesar da perda de poder, os brancos assistiam à volta dos Springboks ao cenário internacional, impulsionados pela eleição da África do Sul como sede da Copa do Mundo de Rugby de 1995. O momento se tornou propício para usar um megaevento esportivo como forma de união do país. “Madiba” lançou mão do lema “Um time, uma nação”, mas a falta de apoio de boa parte dos brancos ao novo governo e dos negros ao rugby – associado como símbolo do apartheid, por ser o esporte preferido entre os brancos – fez necessárias outras estratégias.

A presença de Chester Williams, único negro da equipe, em anúncios publicitários, e o diálogo próximo de Mandela com o grupo de jogadores se tornaram importante ferramentas. Mas, a desconfiança com relação à qualidade do time, pelos anos afastado do cenário internacional, ainda se apresentava como um empecilho ao objetivo de Mandela com seu apoio aos Springboks.A história de superação da equipe dentro de campo e a conquista do título mundial produziram o primeiro momento na história da África do Sul no qual todo o país, independente da origem étnica e social, se entendeu como único e representado pela mesma instituição: os Springboks, que levavam a nova África do Sul, democrática, ao topo do mundo.

 

Trailer do filme Invictus

 

O rugby na era do apartheid

O rugby chegou à África do Sul com os ingleses em 1861, mas foi com sua incorporação pelos bôeres nos anos 1880 que o rugby se tornou o esporte mais difundido entre os brancos. Em 1889, a South Africa Rugby Football Board (SARFB) foi fundada, organizando a Currie Cup, a competição entre as seleções das províncias sul-africanas, que permitiu às ex-repúblicas bôeres a medirem forças e derrotarem os britânicos no esporte deles, assumindo grande significação para a identidade africâner. O jogo também passou a ser praticado de forma entusiástica pelos coloureds e ganhou alguma difusão entre os negros, ainda que estes preferissem o futebol, pouco associado aos brancos, que preferiam rugby e críquete. Em 1891, a primeira seleção sul-africana foi organizada, para enfrentar os British Lions, a seleção britânica. As cores verde e ouro foram adotadas em 1896, enquanto em 1906, em excursão da equipe à Europa, o nome Springboks foi adotado, em alusão ao animal estampado nas camisas do time.

Durante o apartheid, era a SARFB a responsável pelo rugby entre os brancos, organizando a Currie Cup e os Springboks, únicos que tinham o direito de representar a África do Sul no exterior. A brutalidade do regime negava a negros (sobretudo), coloureds e asiáticos direitos civis iguais aos dos brancos, não tendo acesso aos mesmos serviços públicos e sendo submetidos à violência repressiva do Estado. Parte dessa negação de direitos era o fato de apenas a seleção de brancos poder representar o país oficialmente. 

Os negros também tinham sua própria federação de rugby, a South Africa Rugby Association (SARA), cuja competição nacional era a NRC Cup, e a seleção nacional os Leopards (que chegaram a enfrentar os British and Irish Lions, em 1974). Já os coloureds e asiáticos tinham a South Africa Rugby Football Federation (SARFF), que organizava a Rhodes Cup e a seleção dos Proteas. Por fim, em 1966, foi fundada a SARU, South Africa Rugby Union, entidade não-racial anti-apartheid que pretendia organizar o rugby sem critério racial, reunindo em seus clubes brancos, negros, coloureds e asiáticos, tendo no South African Barbarians de 1979 a primeira equipe multiracial do país. Foi a fusão da antiga SARU com a SARB em 1992 que deu origem à atual SARU – a União Sul-Africana de Rugby.

As barreiras do apartheid foram quebradas novamente quando Errol Tobias se tornou o primeiro coloured a vestir a camisa dos Springboks em 1981. Em 1992, o boicote internacional à África do Sul – que durava desde os anos 80 – foi suspenso, e os Springboks voltaram a jogar contra as grandes seleções do mundo, agora representando todas as etnias do país.

Chester Williams, em 1993, se tornou o terceiro não-branco a vestir a camisa dos Boks. Entre ele e Tobias esteve Avril Williams, seu tio, que defendeu os Boks ainda na época do regime segregacionista, em 1984, atuando em duas partidas contra a Inglaterra.

Para saber mais sobre o rugby e a África do Sul na época do apartheid, recomendamos o artigo de Guilherme Martins, da Universidade Federal de Goiás, que estudou o assunto. Clique aqui para acessar o material.

 

Vídeo na íntegra da final da Copa do Mundo de 1995

 

Serviço:

Palestra: Sangue, Suor e Lágrimas (Blood, Sweat and Tears)

Local: Quality Moema – Atlantica Hotels
Endereço Av. Rouxinol 57 – Moema – São Paulo – SP
Data: 27 de outubro
Horário: 20h
Mais informações: Acesse o hotsite da vinda de Chester Williams no Brasil  

Ingressos para a palestra poderão ser adquiridos pelo Ingresso Rápido, com toda facilidade e comodidade. Clique para saber as formas de pagamento e adquira o seu! 

** A palestra contará com o serviço de tradução simultânea (inglês/português).

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O Portal do Rugby é a mídia oficial da vinda de Chester Williams no Brasil, e vai acompanhar cada passo do craque durante a sua visita. Até lá, mostraremos em uma série de reportagens, quem é o jogador e porque você não pode ficar de fora da palestra Blood, Sweat and Tears, passando por sua trajetória profissional dentro e fora de campo, culminando no Mundial de 1995, onde foi o símbolo de todo um povo que começava a se integrar a uma nova realidade nacional.
 
A vinda de Chester Williams ao Brasil é promovida pela SPOKESMAN.