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Na semana passada, a USP recebeu um congresso técnico sobre futebol americano, que teve a participação de treinadores dos clubes da liga brasileira e cobrança de inscrições ao valor de 300 reais. O auditório da Escola de Educação Física e Esporte esteve lotado, com treinadores de todo o Brasil. Entre eles, Leandro “Mamute” Santos, estudante de esporte e jogador de rugby da Poli, com passagem pelo SPAC. “Mamute” nos ofereceu um relato precioso do evento e reflexões que servem para a “nossa” bola oval.

 

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Vamos começar com as desculpas primeiro?

 

“A visibilidade do FA nem se compara com o rugby”; “a NFL tem muito mais marketing, eles sabem fazer as coisas”; “eles são bobos”; “não tenho tempo”; “eu conheço o cara, já sei o que ele vai falar”; “querem doutrinar a gente, quem eles pensam que são?”. Eu acredito que o brasileiro é muito criativo, seja para o bem ou para o mal.

 

Não serei hipócrita. Morando do lado da USP, não iria investir 300 reais para assistir um congresso de coaches do Brasil. E não quero ser moralista; não vou escrever como um narrador fantasma, irretocável, sem falhas próprias. Mas após ver um dos participantes investir os 300 reais, além da passagem de avião de Belém do Pará, para ouvir os coaches adversários e expor o seu próprio método de treino e jogo, acredito que seja uma oportunidade de reflexão sobre como queremos que o rugby seja no país.

 

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Nos dias 21 e 22 de janeiro de 2017 ocorreu na Escola de Educação Física e Esporte (EEFE) da USP o 1º Congresso Brasileiro de Futebol Americano. Fui a convite dos organizadores sobre aquilo que seria um marco sobre a nossa modalidade irmã no Brasil. Auditório praticamente ocupando seus 200 lugares com palestras sobre métodos de treino e comportamento que tiravam os coaches da zona de conforto e proporcionava boas discussões durante o networking. O sucesso do congresso garantiu a realização de futuras edições nos próximos dois anos, novamente na EEFE-USP. E no mínimo pelo mesmo valor de 300 reais.

 

No rugby certamente tivemos alguns encontros na memória recente com as clínicas de Brent Frew durante a parceria CBRu/Crusaders, cursos da CBRu sobre torneios, coaching e gestão. Por mais que houvessem debates, eram no formato mestre/pupilo, cujo objetivo final era ouvir o que um lado tinha a oferecer. Mas houve uma tentativa recente de reunião entre os coaches para debater o rugby e as academias de alto rendimento, iniciativa criada pelo atual treinador do 7s masculino Jake Mangin.

 

Eu recebi o email do convite por volta de outubro com outros 100 destinatários na lista e me programei para aparecer no dia 8 de dezembro, quinta, no NAR em São Paulo. Naquela que seria a reunião para alinhar comissão técnica da seleção brasileira e os coaches dos clubes estavam eu, representando a Poli, e Cláudio, representando o Pasteur. Só.

 

A apresentação e o debate aconteceu ainda sim e foi muito útil para tirar dúvidas sobre o tal assédio que fazem com os atletas para que treinem nas academias e diminuam a importância de seus clubes; assim como o que se espera que seja o jogador de rugby brasileiro e o estilo de jogo esperado. Se eu saí de lá me achando mais preparado que os outros? Não. O objetivo não é medir forças, ser um contra o outro. O objetivo é realmente se expor, ser questionado sobre seus métodos e procurar soluções juntos.

 

Organizar tais encontros não são fáceis e nem deve se presumir que todos tenham as mesmas boas intenções. Nessa tentativa de dezembro não deu certo tanto pelo desinteresse dos coaches quanto pela comissão técnica da seleção em não firmar a data como um evento importante para o fechamento e reflexão sobre a temporada. E todos se voltam para a zona de conforto.

 

Desde 2011 temos a oportunidade de ver os jogos finais do campeonato brasileiro de XV na TV. Que jogo ruim, sempre que eu vejo me pego falando, assim como quase todos os outros rugbiers neutros que assistem. Também não é novidade ouvir, caso vocês estejam assistindo com os companheiros de time: “Quem deveria estar lá era a gente”; “como esse fulano está jogando na seleção?” enquanto achamos que fazemos diferente quando estamos em campo.

 

A formação de jogadores ainda é sofrida a ponto de distorcer a visão sobre o que é um bom jogador. A detecção de talentos muita vezes é vista como aquele que resolve o jogo. Decisão individual faz parte do jogo, mas não dominamos a maneira sobre como o jogador talentoso deve ser no time. Geralmente é tratado com parcimônia, pois ele já sabe fazer e vai chegar no jogo e resolver. Digamos que isso de fato aconteça. Qual o impacto que isso terá nos outros jogadores?

 

E a formação dos coaches também é sofrida pois estimulam ainda mais essa zona de conforto. O coach sabe como os melhores times jogam, mas não consegue traduzir isso em um planejamento com exercícios específicos para seu plantel. Será que o jogador que não rende nos treinos porque não serve pro rugby, já que o talentoso domina de letra? Não existe uma maneira de fazer um jogador medíocre melhorar? A culpa é porque “ele não é esforçado” ou porque “não aproveitou as chances”?

 

E muitos times acabam se resumindo como os talentosos apreciando mordomias, os medíocres sofrendo cobranças pesadas e os coaches selecionando os talentos e os mais próximos do ideal para completar a súmula.

 

Será que vencer é apenas levantar o troféu?

 

Ouvi uma vez que não existia uma maneira brasileira de se jogar rugby. As consequências disso é que sempre iremos depender do que os outros países fossem desenvolver para só depois pegarmos algum relapso técnico ou tático já batido. Cada clube difunde o seu rugby da sua própria maneira e contém os mesmos aspectos como qualquer outro esporte: cobrar rendimento, dedicação, sacrifícios; treinos fortes, de superação, etc. Mas ao olhar o adversário fazemos tira-teimas desmerecendo o que alcançaram, questionando porque tal fulano está na seleção ou como eles venceram tal jogo. E assim nos isolamos, cada um em seu próprio feudo, vivendo uma idade das trevas.

 

Assisti uma palestra do Wayne Smith, na época assistente técnico dos All Blacks e dos Cheifs, que ele ministrou em 2012 na Argentina durante criação do The Rugby Championship. Uma dos casos que ele conta é que em 1998 quando os Crusaders venceram o Super 12, ele como head coach da equipe juntou os coaches adversários em um fórum de internet e disponibilizou todos os esquemas de jogo que fizeram o seu time ser campeão, pois para ele não havia sentido em não trocar informações ao fim da temporada para a evolução do esporte. Foi descoberta a fórmula do sucesso? Fim dos Crusaders? Eles ainda alcançaram o tricampeonato do Super 12 em 1999 e 2000.

 

Se eu me expor usarão minha armas contra mim?

 

Se eu sei a solução de tudo então?

 

Não é esse o ponto!

 

Só há melhora ao haver debates sobre os métodos de sucesso, troca de experiências, saber como tal time conseguiu uma boa temporada sem investimento nenhum, como outro time conseguiu o seu investimento, questionar porque fazemos alguns exercícios, etc.

 

Questionar se continuarmos dessa forma, qual o destino do rugby no Brasil?

 

Escrito por: Leandro Luccas “Mamute” Santos
Foto: Salão Oval – clique aqui para mais

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