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Com The Rugby Championship, Mitre 10 Cup e Copa do Mundo Feminina a todo vapor, lançamos um artigo especial passando um Raio-X na estrutura do rugby neozelandês, isto é, pelo modelo que forma os campeões All Blacks e Black Ferns. O pesquisador e doutorando José Alpuim, português de longa atuação no rugby brasileiro, nos deu um panorama da ovalada kiwi. Confira!

 

GOVERNANÇA

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A New Zealand Rugby Union (NZRU) é a federação nacional, constituída pelas 26 federações provinciais e pela New Zealand Maori Rugby Board. Todos os 27 filiados têm direito a pelo menos dois votos, mas as 26 federações poderão ter até sete votos, dependendo do número de equipes[1] (e não Clubes) que tiverem participado de competições locais no ano anterior, acima de 14 anos[2].

Além disso, podem participar ativamente, inclusivé pedindo palavra, mas sem direito de voto, os Membros Associados, o Patrono, os Membros da Direção, o Presidente, o Vice-Presidente e os Life Members. Os oito Membros Associados são: NZ Defence Force Sports Committee, NZ Marist Rugby Football Federation, NZ Universities Rugby Football Council, NZ Rugby Foundation, NZ Schools Rugby Council, NZ Colleges of Education Rugby Football Federation, NZ Deaf Rugby Football Union, Rugby Museum Society of NZ; o Patrono atual é Sir Brian Lochore, mas durante todo o século XX, o Patrono era o representante da Coroa Britânica – o Governor General; Existem seis Membros da Direção – sendo que um é o representante maori, eleito pela NZMRB -, e outros três indicados pelas suas competências profissionais específicas; o Presidente e o Vice-Presidente também são eleitos; finalmente, os atuais nove  Life Members são obrigatoriamente ex-capitães dos All Blacks que tenham tido outras relevantes atuações em prol do rugby neozelandês, para poderem ser indicados e aprovados em Assembleia Geral.

 

COMPETÊNCIAS

A NZRU é responsável pelo Desenvolvimento do Rugby em todo o país e pelas Seleções Nacionais. Com o advento do profissionalismo em 1996, a NZRU decidiu centralizar os contratos profissionais dos seus jogadores. Hoje a NZRU paga NZ$ 10.000 por jogo a cada um dos 35 jogadores que estiverem nos All Blacks. Estes também recebem a sua parte dos NZ$21 Milhões (U$ 14 Mi) que a NZRU paga aos 160 jogadores profissionais das suas cinco Franquias do Super Rugby. Além disso, os 125 jogadores profissionais não selecionados para os All Blacks, terão um pagamento mínimo de NZ$ 55.000, pela temporada que jogarão o National Provincial Championship (NPC), que hoje tem o nome do seu patrocinador principal: a Mitre10 Cup. Nesta competição, a NZRU investe NZ$1,025 Mi nos salários dos 24 jogadores de cada uma das 14 Províncias participantes. Em resumo, a NZRU paga em Salários:

– All Blacks: 12 jogos x 35 jogadores x NZ$ 10.000 = NZ$ 4,2 Milhões

– Super Rugby: 5 Franquias x NZ$ 4,2 Mi = NZ$ 21 milhões

– NPC: 14 Províncias x NZ$ 1,025 Mi = NZ$ 14,350 Milhões

Total de salários a jogadores: NZ$ 39,550 Milhões (= U$ 26,367 Milhões)

 

As FRANQUIAS do Super Rugby – Blues, Chiefs, Hurricanes, Crusaders e Highlanders – são empresas privadas, detidas pelas Federações Provinciais da sua área, em diferentes percentagens. Apenas os Highlanders já têm também investidores privados na sua estrutura (mas inferiores a 50%). As suas competências estão limitadas à comercialização da sua Marca e à gestão da sua equipa profissional. Todo o estafe técnico e todos os jogadores são contratados pelas Franquias, sujeitas ao Salary-Cap de NZ$ 4,2 Mi (anual), sendo que os salários são pagos mensalmente (12 meses) diretamente pela NZRU. O CEO de cada uma das Franquias tem uma forte componente comercial e a maioria dos CEOs vem de grande empresas, sem grande passado rugbístico.

Os filiados das 26 Federações Provinciais (Provincial Unions) (ver mapa inicial) são geralmente: os Clubes (o padrão é terem 2 ou 3 votos cada, desde que tenham competido com pelo menos dois ou mais times, no ano anterior), a Direção do Rugby Escolar[3] (1 voto), a Associação local de Árbitros (1 voto, mas em alguns casos, têm até 3 votos), a Associação local de Treinadores (1 voto), a Associação Maori local (1 voto), e em alguns casos, o Presidente e/ou Vice-Presidente também têm direito a um voto. As suas competências são a comercialização da sua Marca e gestão da sua equipa profissional, mas também o desenvolvimento e organização do rugby amador local. Todo o estafe técnico e todos os jogadores são contratados pelas Federações Provinciais, sujeitas ao Salary-Cap de NZ$ 1,05 Mi (pela temporada de 3 meses), sendo que os salários dos jogadores são pagos diretamente pela NZRU. As Federações proprietárias das Franquias do Super Rugby têm preferência sobre os 32 jogadores da mesma, mas após definição do elenco de 24 jogadores de cada Seleção Provincial, qualquer jogador profissional não selecionado é livre e pode assinar contrato com qualquer outra Província, especificamente para o NPC. Como existe um Salary-Cap de NZ$ 1,025 Mi e o salário mínimo para se contratarem jogadores do Super Rugby é de NZ$ 55.000 (o salário mínimo dos restantes é NZ$18.000), não tem como as “grandes” Províncias contratarem mais do que 8 a 10 jogadores, num elenco obrigatório de 24 jogadores. Da mesma forma, qualquer jogador amador não selecionado é livre e pode assinar contrato com qualquer outra Província. Assim as Províncias menores têm acesso a jogadores profissionais durante o NPC, e também podem contratar jogadores amadores, dos melhores campeonatos locais, tipo Auckland, Wellington e Christchurch. Finalmente, o CEO de cada uma das Federações Provinciais tem uma forte componente comercial, mas ao contrário dos CEOs do Super Rugby, quase todos têm fortes ligações ao rugby.

A maioria dos Clubes Amadores neozelandeses tem como seus Membros (todos com apenas um voto): os jogadores, os membros do estafe técnico e/ou auxiliar, os membros financeiros (usualmente ex-jogadores) e os pais de jogadores menores de idade (na verdade, menores de 12 anos, pois os Clubes não podem ter equipes entre 12 e 17 anos) e os Life Members.

Uma coisa muito interessante é que todos os meses existe uma Reunião de Clubes, em que só os Presidentes presentes podem votar. A primeira reunião é dois meses antes da Temporada começar, na sede do Clube campeão, com dois pontos na agenda: o sorteio dos locais das reuniões do ano, e o sorteio do Calendário da competição. Os assuntos tratados nessas reuniões são tudo o que seja de interesse comum e sempre têm o responsável pelo rugby Amador, da federação local

 

COMPETIÇÕES e CALENDÁRIO

Na NZ existem duas competições no primeiro semestre: o Super Rugby (profissional) e, simultaneamente, os diversos campeonatos locais[4] (amadores). Da mesma forma, existem duas competições no segundo semestre: o Rugby Championship (profissional) e, simultaneamente, o campeonato nacional (National Provincial Championship, NPC) (semi-profissional).

No Rugby Championship, os All Blacks defrontam-se com a África do Sul (Springboks), a Austrália (Wallabies) e, desde 2012[5], também com a Argentina (Pumas). É um torneio de turno e returno, com seis rodadas[6]. Cada vitória vale 4 pontos, o empate 2, e tem um ponto bónus de ataque, quando se anotam 4 ou mais ensaios (tries), ou de defesa, quando se perde o jogo por 7 pontos ou menos. Em 2017, irá realizar-se em 3 rodadas duplas, como habitual: 19 e 26 de agosto; 9 e 16 de setembro; e 1 e 8 de outubro[7]. As rodadas duplas visam diminuir as longas viagens. Por isso, na primeira rodada dupla, Argentina e África do Sul enfrentam-se entre si, assim como Nova Zelândia e Austrália. Na segunda rodada dupla, Argentina e África do Sul visitam a Nova Zelândia e Austrália em fins de semana consecutivos; e na terceira rodada dupla, Argentina e África do Sul recebem a Nova Zelândia e Austrália em fins de semana consecutivos.

No Super Rugby, as franquias neozelandesas dos Blues (sede em Auckland), Chiefs (Hamilton), Hurricanes (Wellington), Crusaders (Christchurch) e Highlanders (Dunedin), defrontam-se com quatro franquias sulafricanas – Bulls (Pretória), Lions (Johannesburg), Sharks (Durban) e Stormers (Cape Town) -, com quatro franquias australianas – Waratahs (Sydney, NSW), Reds (Brisbane, QLD), Brumbies (Canberra, ACT) e Rebels (Melbourne, VIC) e, desde 2016, também com os Jaguares argentinos e os japoneses Sunwolves. É um torneio de três Conferências, com 5 franquias cada: a neozelandesa, a australiana (com os Sunwolves japoneses) e a sulafricana (com os jaguares argentinos). Será de turno e returno entre os times da mesma Conferência e cada franquia enfrentará oito das restantes 10 equipes[8]. Cada vitória vale 4 pontos, o empate 2, e tem um ponto bónus de ataque, quando se anotam 4 ou mais ensaios (tries), ou de defesa, quando se perde o jogo por 7 pontos ou menos. Os vencedores de cada uma das três Conferências e os outros cinco melhores da fase regular classificam-se para as quartas, com mando de campo da melhor campanha. Com vista a diminuir as longas viagens, usa-se o sistema das grandes ligas norte-americanas, em que um time faz vários jogos seguidos como visitante, numa determinada área. Por exemplo, em 2017 os campeões Crusaders jogaram uma rodada dupla na África do Sul, em Bloemfontein (Cheetahs) e Pretoria (Bulls)[9]. Além dessa, ainda jogaram outras três rodadas duplas como visitante, sendo uma próxima (NZ) e outra média (Austrália). Já em 2018, é provável que façam uma rodada tripla, quando visitarem a Àfrica do Sul e/ou Argentina.

O campeonato nacional inter-Provincial (NPC) disputa-se desde 1976 e hoje está dividido em três divisões: Premiership, Championship (ambas com sete seleções provinciais semi profissionais[10]) e Heartland[11] (com 12 seleções provinciais totalmente amadoras). A Mitre10 Cup é o nome da competição semi profissional, que patrocina a mesma, dado todos os jogos serem transmitidos pelas TV e Rádio nacionais. Tanto na Premiership como no Championship, as Províncias jogam 10 jogos, sendo seis com as equipes da mesma divisão e quatro jogos com times da outra divisão, com as quatro melhores classificando-se para as semis, jogadas no estádio das equipes de melhores campanhas. O Campeão do Championship é promovido, por troca com o último da Premiership. Já na Heartland, as 12 Províncias jogam apenas oito jogos, com as quatro melhores classificando-se para as semis, jogadas no estádio dos times de melhores campanhas. Todas as viagens são custeadas pela NZRU, que normalmente usa o patrocínio da competição para isso. De 2006 a 2009, o troféu teve o nome de Air New Zealand Cup, pelas viagens “oferecidas” pela companhia de aviação. De 2010 a 2015, mudou o patrocinador e, como tal, o troféu passou a chamar-se de ITM Cup. E desde 2016 que se disputa a Mitre10 Cup.

Os diversos campeonatos amadores locais têm algumas características comuns: são todas compulsoriamente amadoras, mas todas permitem que jogadores do Super Rugby possam jogar no seu clube de formação (nos fins de semana em que não utilizados pela franquia profissional), nenhuma tem promoção/rebaixamento, mas todas têm os seus requesitos de participação na divisão principal (em que o mínimo é apresentar-se equipes A e B, mas os campeonatos mais competitivos, como por exemplo Auckland e Wellington, exigem que os Clubes participem no mínimo com 4 equipes adultas[12] e uma de Colts[13]). Os formatos competitivos diferem de cidade para cidade, mas o mais comum é serem de turno único, com semis e final. Nas sete Províncias que visitei, o nome da competição e o número de clubes participantes é o seguinte: North Harbour (North Harbour  Premier, 10 clubes), Auckland (Gallaher Shield, 15), Counties Manukau (McNamara Cup, 12), Waikato (Waikato Premier, 12), Manawatu (Manawatu Senior, 9), Wellington (Jubilee Cup, 14) e Canterbury (Hawkins Cup, 12).[14]

 

FEMININO

Apesar do esporte feminino número um da NZ ser o Netball, no rugby elas também batem um bolão !

Como o rugby feminino é quase amador na sua totalidade – exceção feita às jogadoras da seleção nacional de 7s – a estrutura competitiva assemelha-se à do masculino pré profissionalismo (em 1996), isto é, com as Black Ferns (as “All Blacks” femininas) jogando alguns amistosos por ano e a Copa do Mundo, de quatro em quatro anos. Mas não existe o profissionalismo do Super Rugby.

Em 2016, o Women’s Provincial Championship foi renomeado para Farah Palmer Cup, em reconhecimento da capitã tri-Campeã do Mundo, mas segue o formato do NPC masculino. Está dividida em duas divisões, a Premiership (seis seleções provinciais) e o Championship (com cinco). Alguns jogos serão transmitidos pela TV[15]. As seis Províncias da Premiership jogam seis jogos, sendo cinco com as equipes da mesma divisão e um com um time da divisão inferior, com as quatro melhores classificando-se para as semis, jogadas no estádio das equipes de melhores campanhas. Como o Championship só tem cinco Províncias, também estas jogarão seis jogos, sendo que quatro serão com as equipes da mesma divisão e dois com times da divisão superior, com a segunda e terceira melhores classificando-se para a semi, jogando a final com a primeira, disputando assim o acesso direto à Premiership. Todas as viagens são custeadas pela NZRU.

Em termos de campeonatos amadores locais, existem bastante menos clubes com time feminino e, por exemplo, o campeonato feminino de Auckland expõe isso mesmo, com três clubes de Auckland, dois de Counties Manukau e um de North Harbour. Já em Canterbury, o seu campeonato tem a participação de onze clubes, mas isso não se reflete numa seleção provincial tão vencedora quanto a de Auckland.

 

BRASILEIROS e PORTUGUESES

Foram e são vários os brasileiros e portugueses que se aventuraram em experiências de rugby na Nova Zelândia.

Neste preciso momento, Ravi Araújo está treinando com a seleção provincial de South Canterbury, depois de já ter jogado duas temporadas pelo clube de Geraldine. A sua companheira Paloma Diehl irá jogar por North Otago Women, na próxima temporada do campeonato de Otago, time onde este ano jogou a portuguesa Catarina Antunes e que agora irá representar Otago na Farah Palmer Cup. Outras duas jogadoras – Larissa Lima (luso-brasileira) e Isabel Ozório (capitã de Portugal) – estão mais a norte, onde jogaram o campeonato de Auckland, pelo Ardmore Marist e agora aguardam a convocatória final de Counties Manukau,para saberem se jogarão o campeonato nacional.

Nos anos 90, vários clubes portugueses começaram a contratar jogadores do hemisfério sul e alguns deles, após jogarem durante três temporadas, ficaram aptos para representar a seleção nacional do Lobos. Tim King (Sunmer, em Canterbury), Jeremy Hikuroa (Glenfield, North Harbour) e Carl Murray (Waipu) foram alguns desses casos que, junto com outros, acabaram abrindo portas e conexões no país do rugby.

Mais recentemente, os portugueses Vasco Fragoso Mendes e Francisco Vieira de Almeida fizeram o seu último ano do ensino médio no St Bede’s College (e foram campeões em 2011, de Canterbury, da Ilha do Sul, e 3° da NZ)); em 2016, também Jorge Abecassis e Sebastin Bader, assim como os brasileiros Felipe Rosa e Matheus Claudio, jogaram em clubes de Christchurch (Sydenham) e treinaram na Academia dos Crusaders. Outros brasileiros que experimentaram o rugby amador da NZ foram Matheus Cruz, Victor Guilherme, Leonardo Cicareli e Piero Pozzi.

As portas estão abertas, para quem quiser aproveitar !

 

Notas

[1] isto porque cada Clube ou Escola tem várias equipes/times. Ex: time A, B, M21, M18, Feminino, Feminino M18, etc. Todas as equipes têm obrigatoriamente de representar um Clube ou Escola

[2] conforme Constituição da NZRU em: http://files.allblacks.com/comms/New_Zealand_Rugby_Union_Inc_Constitution_2014.pdf

[3] é importante referir que todos os Clubes da NZ estão proibidos de ter equipes entre os 12 e os 17 anos, para não “roubarem” jogadores das Escolas Secundárias

[4] consultar jogos (fixtures) e tabelas (standings), por Província, em: http://draws.nzrugby.co.nz/competitions/default.aspx

[5] de 1996 a 2011 era chamado de Tri-Nations

[6] em anos de Copa do Mundo costuma ter alterações. Por exemplo, em 2015 foram somente 3 rodadas para o torneio, com uma rodada adicional considerada como amistosa.

[7] consultar em: http://www.sanzarrugby.com/therugbychampionship/fixtures/2017-trc/

[8] consultar em: http://www.sanzarrugby.com/superrugby/fixtures/2017-super-rugby/

[9] verificar em: https://crusaders.co.nz/draw-and-results

[10] consultar em: http://www.mitre10cup.co.nz/Fixtures

[11] consultar em: http://www.heartlandchampionship.co.nz/Fixtures

[12] uma das quais pode ser o time Feminino

[13] M21, M20 ou M19

[14] na verdade, em Canterbury existem 84 clubes, competindo em 3 ligas fechadas. A mais importante é da região metropolitana de Christchurch (Hawkins Cup), mas também existem os campeonatos de North Canterbury e Ellesmere Division, a sul. Existe a possibilidade real de ambas estas sub-regiões se autonomizarem num futuro próximo, como já aconteceu com Mid Canterbury em 1927, mas também com North Habour e Counties Manukau (ambas se autonomizaram de Auckland em 1985 e 1955, respectivamente)

[15] Consultar em: http://files.allblacks.com/competitions/farah-palmer-cup/Farah%20Palmer%20Cup_Confirmed_2017.pdf