Foto: Autumn Nations Cup/INPHO

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ARTIGO OPINATIVO – A primeira jornada da Autumn Nations Cup 2020 foi brindada por um jogo emocionante, outro de um sentido só e um demasiado monótono para excitar o público em casa, com três seleções das Home Nations a obterem vitórias frente à Itália, País de Gales e Geórgia lembrando ainda que o embate mais esperado não se realizou, que seria entre França e Fiji. Escolhemos três pormenores táticos/técnicos dos três primeiros jogos da Autumn Nations Cup para explicar o que realmente fez a diferença nos jogos entre Irlanda-País de Gales, Itália-Escócia e Inglaterra-Geórgia.

Escócia mais “adulta”, mas ainda com lampejos juvenis

A primeira-parte do Itália vs Escócia foi praticamente dominada pelos transalpinos, que detiveram 65% da posse de bola e território, conquistando 6 turnovers no breakdown (a Escócia também foi capaz de capturar 4), arrastando também o scrum escocês para trás por 3 ocasiões, com isto a equivaler um perfeito domínio dos italianos que só não teve uma dimensão maior a nível de pontos por erros de precipitação das combinações das linhas atrasadas com o bloco avançado. Quando tudo parecia estar a pender para um novo choque num fim de semana já por si chocante pela derrota dos All Blacks às mãos da Argentina, a Escócia acabou por encontrar o seu rumo e foi tudo devido à conjugação de três elementos: capacidade de concentração e manter a calma; leitura incisiva das fragilidades da equipa adversária; e aproveitamento das oportunidades.

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O foco mental, que era um dos maiores problemas da Escócia nos últimos 4 anos tendo levado a derrotas inesperadas ou quedas anímicas críticas em jogos importantes (Mundial 2019 por exemplo), mostrou-se como a maior força dos homens de Gregor Townsend que foram capazes de amparar o maior ímpeto italiano, recuperando confiança para igualar no ritmo de jogo mas com uma taxa de aproveitamento superior, sem esquecer uma criatividade superior como se mostram os 4 ensaios marcados – e dois anulados devido ao último passe ter sido para a frente – contra um único da Itália, para além dos impressionantes 650 metros conquistados com a oval em seu poder, em que o destaque principal foi Duhan van der Merwe (um dos principais agitadores do encontro, com várias quebras de linha e offloads de bela qualidade) e Stuart Hogg.

Apesar dos erros infantis que surgem em momentos capitais do jogo, a verdade é que a Escócia superou-os e conseguiu reunir todo um foco mental estável e equilibrado para reorganizar e pôr fim a uma Itália energética e com capacidade para castigar o adversário durante uma parte do embate.

Owen Farrell não deveria ser camisa 10

A larga maioria dos ensaios da Inglaterra provieram do mesmo veículo, os avançados, seja por mauls dinâmicos em que Jamie George se mostrou um finalizador astuto, ou por entradas curtas e de grande trabalho, como aconteceu com Jack Willis, surgindo muito poucas oportunidades de ensaio a partir dos 3/4’s, vislumbrando-se alguns problemas na execução rápida de jogadas ou de oferecer uma velocidade superior que fosse capaz de explorar as algumas debilidades da Geórgia no corrigir da linha defensiva ou de reagrupar após o overlap.

O problema? Owen Farrell. O polivalente atleta e capitão da Inglaterra é um dos melhores jogadores a nível mundial, mas não na posição de abertura, já que aí não traz nada de diferente ao coletivo nem consegue explorar as suas melhores particularidades técnicas a nível individual, sendo uma decisão tomada por Eddie Jones tudo por causa da segurança que o jogador dos Saracens traz, do que pelo sentido de risco e de criatividade, dois apontamentos pouco usuais na panóplia de qualidades de Farrell.

Sim, George Ford está de fora por lesão e poderia ser ele o nº10 da selecção inglesa para estes Autumn Nations Cup 2020, mas existiam outros nomes que fariam a diferença na zona de criação de jogo da Inglaterra, seja Marcus Smith, Joe Simmonds ou até Jacob Umaga, só que nenhum destes apresenta as virtudes procuradas pela equipa técnica inglesa, como a segurança defensiva (discutindo-se ou não os tackles altas de Owen Farrell, não há dúvidas que é um tacleador de franca qualidade), a inteligência tática e a durabilidade física extensa. Contudo, é impossível silenciar os adeptos críticos ao estilo maçador e mastigado do rugby da Inglaterra de atualmente, e isto se deve pelo afastamento progressivo de um tipo de jogo mais ritmado e criativo, optando por algo mais concreto, compacto e confiável em termos de segurar o território e de desgastar o adversário pela alta fisicalidade apresentada.

É ver que contra a Geórgia, correram mais metros em média o pack de avançados do que a linha de 3/4’s, com só Elliot Daly e Jonny May a superarem a marca dos 60 metros, enquanto Farrell se ficou por 4 metros conquistados, 0 quebras-de-linha, 1 defesa batido, 1 passe para quebra-de-linha de um colega de equipa e pouco mais… até quando sobreviverá esta lógica de jogo vencedora da Inglaterra?

A adição kiwi na Irlanda

Não é mentira alguma dizer que desde a entrada de Bundee Aki para o setup irlandês que se assistiram a melhorias em alguns pontos técnicos e táticos da seleção do Trevo, tanto pela versatilidade oferecida no momento do contacto surgindo sempre um offload astuto e letal ou uma arrancada mesclada por um físico imponente e veloz. Frente ao País de Gales, e indiferente às críticas de algumas lendas do rugby irlandês, Andy Farrell decidiu lançar dois novos neozelandeses no XV… foram eles o formação Jamison Gibson-Park e o ponta James Lowe. Ambos têm sido referências do Leinster nas últimas quatro temporadas, com tries, assistências, exibições que valeram títulos ou abriram caminho para esses troféus, e merecidamente obtiveram o mérito de poderem representar o país que agora chamam de “casa” e, na estreia, não só não desiludiram como foram das unidades mais importantes para vergar o elenco galês naquela que foi uma das maiores vitórias a nível de diferença de pontos marcados/sofridos dos últimos 50 anos para a Irlanda. Mas o que realmente trouxeram de diferente Gibson-Park e Lowe ao jogo?

O nº9 conferiu sempre um passe tenso e com olho para criar uma mobilidade ofensiva mais rápida, explorando bem a lentidão da defesa do País de Gales, encontrando espaços e pontos de acesso de uma forma constante e isto permitiu criar mais dificuldades e ter um bloco atacante ameaçador.

Por sua vez, James Lowe foi um constante problema para a linha defensiva galesa, revelando estes várias dificuldades para perceber como bloquear ou impedir a participação do ponta, levando a que se dessem constantes rupturas na linha de defesa sempre que o nº11 entrava. Não foi só velocidade ou aquele virtuosismo técnico com que James Lowe impõe sempre que joga, foi também o poder de leitura de como, onde e quando devia participar ofensivamente, de obter frutos a cada nova entrada e progressão com a oval em seu poder, da eficiência na recepção dos pontapés ou na perseguição dos mesmos, trazendo aquela eficiência de movimentos e concentração total própria dos atletas formados na Nova Zelândia.

O futuro do rugby irlandês pode e deve passar por este multiculturismo rugbistico que faz a diferença a todos os níveis como Bundee Aki ou CJ Stander (a adição sul-africana tem sido também fulcral para o desenvolvimento de novas virtudes na Irlanda) e a espetacularidade que James Lowe trouxe é um índice importante para os tempos futuros.