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ARTIGO OPINATIVO – Desde que a pandemia da covid-19 tomou o mundo de assalto, a grande mídia tem acompanhado os muitos cancelamentos de eventos esportivos e as suspensões de ligas profissionais, e noticiado projeções do prejuízo que as atuais circunstâncias trarão à indústria do esporte. Evidentemente o rugby brasileiro foi também impactado, com a suspensão da recém lançada Liga Sul-Americana de Rugby e de todas as atividades oficiais de rugby no país até segunda ordem. Mais dramático ainda foi o necessário adiamento dos Jogos Olímpicos de Tóquio, que impôs uma enorme carga de incertezas a um ciclo olímpico que vinha até então sendo meticulosamente planejado e seguido pela seleção feminina. O peso disso é incalculável.

Mas este não é um texto sobre as tantas perdas (muitas irreparáveis) trazidas pela pandemia; esta é uma tentativa de reconhecer e apontar, ao invés, os movimentos do rugby que não só não cessaram, como também se fortaleceram. Não se trata de romantizar o momento atual, ou de reforçar o coro motivacional de que se deve “buscar oportunidades em momentos de crise”; é apenas reconhecer o espírito e o entusiasmo que ainda se mantêm vivos e que, ao fazê-lo, talvez estejam levando o rugby para mais perto de onde ele deveria estar.

Historicamente, pandemias funcionaram como catalizadores ou aceleradores de processos de mudança que já se anunciavam como necessários. Algumas semanas atrás, a CBRu começou a promover workshops virtuais para compartilhar com a comunidade os aprendizados desenvolvidos no seu programa de alto rendimento; mais, abriu com isso um canal de construção coletiva, para buscar caminhos para construir uma receita de alto rendimento que seja brasileira, adequada à nossa potência e às nossas limitações, e que não pode portanto ser feita só de cima para baixo. O resultado deste trabalho não está previsto na última linha de uma planilha, e a beleza que vale neste momento reside no processo. No primeiro encontro, nomes conhecidos do rugby brasileiro (mulheres e homens) dividiram a tela com curiosos, apaixonados, e com muitos críticos que estão dando uma chance para uma nova proposta; a representatividade feminina também se fez presente, com muitas ex-atletas já consolidando seu espaço como treinadoras. A pandemia chegou anunciando que deveríamos estar todos separados, mas em vez disso acelerou a oportunidade para unir numa mesma sala (ainda que virtual), pela primeira vez, tantos representantes de vários pontos da cadeia da comunidade do rugby. E essa é só uma de muitas iniciativas que vem mantendo o nosso rugby vivo, e ativo, against all odds. Internacionalmente, a World Rugby lançou um toolkit para tentar fomentar a formação de mais treinadoras, que foi resultado de um longo trabalho de pesquisa e consultas capitaneadas pela inglesa Carol Isherwood, que faz parte do Rugby Hall of Fame; mais uma de muitas iniciativas da entidade para estreitar o abismo que ainda há entre os gêneros no mundo do rugby, mantida viva e em curso mesmo quando o que se escuta é que o mundo do esporte parou.

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Quando se diz que na atualidade “o esporte parou”, explicita-se o entendimento de que o esporte que vale é só aquele que se converte em espetáculo ou negócio. Sem dúvida as competições pararam, e não há como substituir aquilo que só se constrói em encontros presenciais. Mas os desafios que se apresentam vem demonstrando também o enorme entusiasmo que permeia a comunidade do rugby brasileiro, em diversos sentidos. Sem competições à vista, muitos dos coletivos do nosso rugby (times, clubes, atléticas) seguem se reunindo da forma como dá para manter um mínimo que seja de contato e convivência, para que os grupos se mantenham vivos, ativos, conectados. Em muitos casos, esses coletivos são a primeira rede de apoio disponível para ajudar seus integrantes a navegar esse momento tão complicado. Curiosamente, talvez a crítica ausência de sedes para os nossos clubes neste momento esteja a nosso favor: desde sempre aprendemos a manter nossos grupos sólidos mesmo sem dispor do espaço físico para os nossos encontros. Essas conexões que começam no campo (ou ao redor dele), e que se expandem para além dele, são o que faz desse esporte algo tão especial. A verdade é que o momento atual pede essas conversas densas, abre espaço para as atividades de desenvolvimento, mas precisa também do humor, dos vídeos engraçados, das demonstrações de solidariedade que parecem mais recorrentes em um esporte que a tem como um de seus valores. Nunca foi, e nunca vai ser, só sobre jogar.

Texto por: Marjorie Enya