Fronteira Oeste e Uruguaiana no Torneio Integración de Tens com clubes gaúchos, uruguaios e chilenos em Uruguaiana em 2018.

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ARTIGO OPINATIVO – Uma das frases mais equivocadas que certamente todos nós já ouvimos dentro do rugby brasileiro é aquela que diz que é melhor termos “poucos mas bons clubes”. Acreditar nessa ideia é um erro que não podemos cometer mais.

Primeiramente, a Confederação Brasileira de Rugby publicou recentemente o número de clubes que responderam a sua pesquisa de diagnóstico de clubes (na prática, um censo) de 2020. Foram 61 clubes. Trata-se de um número baixo. Com a pandemia, é verdade, os clubes sofreram muito para seguirem adiante, e isso pode ter seu efeito. Por outro lado, a pandemia significou uma pausa para se respirar (ao menos no que tange o rugby) e se planejar.

A Confederação teve iniciativas positivas para se conectar com os clubes remotamente, dividindo conhecimento e quebrando ideias pré concebidas. Esperava-se que, com isso, a resposta dos clubes ao censo fosse maior. Ao menos na minha opinião. E eu me embaso pelo número de clubes que estiveram envolvidos em competições de federações em 2019: 79 clubes no masculino e 42 clubes no feminino. Números que já eram inferiores aos números de 2018 (no caso do masculino) e que não incluem os clubes que só jogaram competições de entidades não filiadas às CBRu.

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No último censo oficial que o rugby brasileiro teve antes da criação do CNRU (o Cadastro Nacional) foi em 2009 (ano que o rugby foi eleito como esporte olímpico), último ano da velha Associação Brasileira de Rugby. O número de clubes que respondeu ao censo foi de 114.

Obviamente, o que ocorreu em 2020 até o momento é que muitos clubes não responderam. Não vou analisar aqui os motivos para isso, mesmo porque a pandemia ainda está em curso, com todos os seus efeitos. No entanto, o que é importante ficar claro é que não houve necessariamente um decréscimo no número de clubes. O que houve foi um engajamento menor no censo. O que dificulta o diagnóstico para podermos comparar os números de 2009 com os de 2020. O período é essencial para ser entendido porque é o resultado de uma década da transição da velha e amadora (sem sentido pejorativo) Associação Brasileira de Rugby para a nova e profissional Confederação Brasileira de Rugby.

O que é incontestável pela vivência no rugby nacional é que a qualidade do trabalho evoluiu dentro dos clubes, afinal, o rugby como um todo evoluiu. Dentro e fora de campo. Justamente por isso é muito pertinente a questão: “Precisamos de poucos mas bons clubes? Ou de muitos clubes, ainda que precários?”.

A ideia de que é preciso se focar no desenvolvimento de alguns poucos clubes, que gerarão o retorno em termos de produção de atletas pode até fazer algum sentido do ponto de vista do alto rendimento. Recursos certeiros, gerando resultados mais previsíveis e positivos. Porém, parece primário ter que dizer que esporte não é feito apenas dentro de campo.

O esporte não é uma ciência biológica apenas, resumida a treinadores e jogadores. Esportes são fenômenos sociais, isto é, igualmente fazem parte das ciências humanas. Quando falamos em profissionalismo, competições, federações, falamos necessariamente em economia. E quando falamos em economia, falamos necessariamente em sociedade. Para se financiar, o esporte precisa ou ter apelo para o mercado, isto é, precisa dar algum tipo de retorno à iniciativa privada, ou ter relevância social que torne justificável o investimento do poder público. O argumento de que o rugby é educativo não é suficiente, porque todos os esportes têm seu lado educativo, com impacto social positivo.

A questão é a relevância social. E eu não falo naquela relevância de “mudar vidas”, tão importante para projetos sociais. Relevância social que eu falo é importar a um número grande de pessoas. O que, obviamente, significa ter fãs.

Oras, o mundo não é nada carente de opções de lazer e entretenimento. Há comunidades privadas de lazer por conta de questões econômicas, políticas. Mas para o mundo com acesso a lazer, as opções nunca foram maiores. Competir pelo tempo livre e pela atenção das pessoas é cada vez mais complexo. No caso de um esporte, a experiência pessoal do envolvimento com o ambiente do esporte (como jogador, como familiar ou amigo de jogadores) é essencial para a construção de uma comunidade de fãs, de apoiadores.

Em outras palavras, do ponto de vista da criação de fãs, de apoiadores, a matemática é uma só: quanto mais equipes, melhor. Equipes amadoras, sim, e não é problema ter apenas o intuito da diversão. Ninguém precisa ter sido bom jogador ou ter jogado muitos anos para se tornar um apoiador (e consumidor) do esporte. O fato de ter vivido algo com o esporte, criado amizades e, portanto, um laço mais forte com o rugby é receita para se construir uma comunidade sustentável. Muita gente no rugby parece desprezar as pessoas que viveram apenas o rugby recreativo, quando essas vivências são essenciais. Nada pior do que a arrogância de um ex jogador “de sucesso” (com várias aspas, convenhamos).

É evidente que o trabalho que é preciso fazer é o de tornar os clubes estruturados o bastante para terem vida longa. Aliás, no Brasil, há muitos “times” e poucos “clubes”, é fato. Mas, pra maior parte dos assuntos, pouco importa essa discussão de quem é “clube” e quem é “time”. O que importante é entender que times que nascem e morrem rapidamente também tiveram sua importância. Criaram alguns fãs que, no futuro, poderão retornar ao esporte como apoiadores de algum modo. Torcedores, pais e mães de futuros jogadores e jogadoras, influenciadores, patrocinadores.

Por outro lado, uma questão preocupante sobre o rugby é quando os jogadores são apenas jogadores. Isto é, quando esses laços de amizade se tornam o único motivo para se relacionarem com o rugby. Quem achou que 2020 foi um ano que o rugby morreu, é porque não se relaciona com rugby por completo. É fato que no Brasil não pudemos jogar rugby e isso desanima. Porém, o rugby pelo mundo rolou. Houve muito rugby para se assistir online e na TV. Quem só joga rugby, mas não assiste rugby, não colabora com a sustentabilidade econômica do esporte. Obviamente, não é errado não gostar de assistir rugby. Ninguém é obrigado. Gosto é gosto. Porém, se isso for o gosto dominante (jogar, mas não assistir), revela que a paixão pelo rugby acaba na “página dois”, porque o universo criado ao redor do rugby não empolga. Preocupante.

O que isso significa na prática? Uma ideia muito óbvia e pouco discutida. O mais importante para um esporte é ter no presente as condições que favoreçam o nascimento de novos clubes. Mesmo que esses clubes morram logo. Um presente sem novos clubes surgindo sugere um futuro de decadência, porque não se mostra atraente. Por mais importante que seja depositar esforços na estruturação e consolidação dos clubes já existentes, é um sinal de alerta estridente quando cessa ou esfria o processo de surgimento de novas iniciativas de equipes. Isto é, quando o ânimo declina.

Por isso, a ideia de que “é melhor ter poucos clubes” precisa ser superada. Obviamente, é importante que pelo menos alguns desses clubes sejam muito bons, bem estruturados. Mas é também crucial um presente que esteja dinâmico, no qual a ideia de se criar um time do zero seja atraente, empolgante. De uma centena de times criados, algumas dezenas morrerão. É normal. Mas é deles que sairão novas mentes, novos entusiasmos, novas ideias. Consequentemente, é desse “atacadão” que nascerão alguns novos clubes, com alguns que eventualmente irão se estruturar, criando novos horizontes.