Foto: Paulo Petkoff - Peñarol Rugby

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ARTIGO OPINATIVO – Os efeitos do cancelamento da temporada 2020 da Superliga Americana de Rugby (SLAR), a nova liga profissional da América do Sul, são obviamente ruins para atletas, comissões técnicas, federações e investidores, uma vez que todos terão que interromper suas atividades e isso deverá gerar prejuízos econômicos e esportivos a todos. Isto me parece óbvio e, por isso, não será o foco do meu artigo de hoje. Vou olhar para o lado positivo do cancelamento: a liga (e, acima de tudo, o Brasil) ganhou tempo para melhorar o projeto.

O caso brasileiro é, claramente, o ponto fora da curva da liga. A preparação (não digo dentro de campo, mas fora dele) das franquias uruguaia, argentina, paraguaia e mesmo chilena foram melhores que as da brasileira, que só fez confirmações essenciais e anúncios vitais em cima da hora. A franquia do Corinthians não foi devidamente preparada para o tamanho do desafio que é uma liga profissional fora de campo. Dentro de campo, não pudemos devidamente avaliar.

A própria franquia já nasceu polêmica, uma vez que o Corinthians não investiu um centavo na equipe e sequer ofereceu o estádio do Parque São Jorge para ser utilizado (com a CBRu se desdobrando para conseguir encontrar algum estádio para a equipe, chegando a um acordo com Santo André depois do kick-off da competição). O motivo, supostamente, para a escolha da marca Corinthians seria atrair investimentos e isso igualmente não ocorreu. Não houve a venda da franquia para investidores “terceiros” e a SLAR não chegou a nenhum acordo de transmissão de TV da liga para o Brasil (pelo menos que tenha sido confirmado até o momento da suspensão). Os benefícios foram rigorosamente zero, ao menos até o momento. Caso houvesse algum investimento direto do Corinthians ou interesse de outros investidores por conta da marca, o julgamento seria mais positivo, pois ao menos o projeto teria frutificado.

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Por outro lado, a escolha do Corinthians (cuja cessão da marca era inicialmente por uma temporada, mas prorrogável) levou ao inquestionável descontentamento e incômodo de boa parte do público do rugby já existente, isto é, da comunidade rugbier que não é torcedora do clube. Infelizmente, o único efeito palpável foi o incômodo.

Com o cancelamento, haverá tempo para a CBRu lançar direito a franquia. Se a marca Corinthians será usada em 2021 não está claro. Porém, a CBRu terá tempo para conseguir uma situação melhor e analisar todos os pontos de vista. Com isso:

  • Se a CBRu optar por manter a marca, ela terá tempo para se aproximar mais concretamente do clube ou para conseguir investimentos maiores, que justifiquem a escolha;
  • Se a CBRu entender que a escolha da marca foi um erro, ela terá tempo para corrigi-lo lançando um novo projeto, uma nova marca;

 

No entanto, a liga como um todo precisa aproveitar o momento e rever os aspectos que começaram problemáticos.

Primeiramente, a SLAR, que está sendo conduzida pela Sudamérica Rugby, lançou um website sem tabela de jogos, resultados, tabela de classificação ou estatísticas mínimas, o que me parece um erro crasso de comunicação para uma liga profissional que pretenda criar um bom produto. Haverá tempo para “turbinar” o projeto de comunicação e marketing da competição. Com calma, sem ser feito às pressas.

Em segundo lugar, a liga foi lançada com dúvidas com relação às suas transmissões. Chegou a ser publicado oficialmente pela liga que a ESPN argentina transmitiria os jogos ao Brasil, o que não era verdade. A ESPN brasileira não teve um contrato assinado para a transmissão da liga. O projeto televisivo, portanto, precisa melhorar, ainda que seja digno de aplausos a viabilização com qualidade das transmissões no YouTube da liga.

Quanto aos demais países envolvidos, nem tudo foi bom. A Argentina entrou em um conflito entre clubes e liga que precisa de um desfecho pacífico, para o bem do rugby argentino e dos atletas que desejam jogar o esporte profissionalmente. Igualmente seria importante para o rugby argentino e para a SLAR contar com uma segunda equipe argentina. Primeiramente porque o Ceibos apareceu logo de início como candidato a ser campeão invicto. Ou seja, ele precisa de um rival local, o que elevaria o nível técnico da competição. E, na Argentina, criar mais um time profissional acarretará problemas de ordem política com os clubes amadores – algo que demandará tempo para ser resolvido.

Além disso, é importante entender como será a estrutura profissional do rugby na Argentina, que hoje tem a seguinte configuração:

  • De fevereiro a junho, são 2 equipes profissionais: Jaguares (no Super Rugby) e Ceibos (SLAR);
  • De julho a outubro, haverá 3 equipes se sobrepondo: Los Pumas (amistosos e The Rugby Championship), Argentina XV (eventuais amistosos e Americas Rugby Championship) e Jaguares XV (Currie Cup sul-africana);

Com isso, uma nova equipe na SLAR no primeiro semestre seria positiva ao sistema argentino.

Por sua vez, o Uruguai assumiu o risco de ter o Peñarol como sua equipe e alienar os torcedores do Nacional (os dois clubes juntos são mais de 80% do país). Certamente, para o bem do rugby uruguaio, é preciso uma aproximação com o Nacional, que poderia ocorrer em 2021.

O projeto da SLAR é importante para o futuro do rugby profissional de alto rendimento da América do Sul, pois cria um sistema “piramidal” crucial na região. Seguindo o modelo utilizado na Austrália, Nova Zelândia, África do Sul, Irlanda, Escócia, Gales, Estados Unidos, Canadá e Argentina (desde a criação dos Jaguares), o restante da América do Sul passa a ter uma estrutura profissional acima dos clubes amadores, o que permite que os clubes se foquem em investirem no rugby juvenil e na manutenção de jogadores/sócios pelo aspecto recreativo, dos valores do esporte, como comunidades – ao invés de se focarem em gastos elevados com resultados dentro de campo.

Com isso, se a Sudamérica Rugby e as federações nacionais usarem 2020 para corrigirem e aperfeiçoarem a liga, poderemos ter uma SLAR realmente consistente em 2021. É preciso enxergar o momento por algum viés atenuante, positivo, e certamente no caso da SLAR há melhorias essenciais a serem feitas.