Foto: Fecorugby

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ARTIGO OPINATIVO – Como o Dia da Mulher não é data de aniversário, vou aproveitar o dia para fazer uma análise que importa muito ao rugby brasileiro. Qual o significado da última partida de XV feminino entre Brasil e Colômbia e como explicar a derrota?

Primeiramente, achei bom o resultado. A seleção evoluiu claramente com relação ao amistoso de 2019 e flertou com a vitória, mostrando brio no fim em busca da virada que, em determinado momento do jogo, parecia improvável. Houve evolução no decorrer da partida no jogo de contato e nas formações (nas quais as Yaras foram dominadas na primeira etapa, o que fez a diferença ao final), enquanto a linha, quando teve posse de bola, teve bons momentos. “Ah, mas perdemos para a Colômbia”. Sim, mas quem acompanha o cenário do rugby feminino sul-americano não se surpreendeu. A Colômbia está acima do Brasil no juvenil feminino (venceu o Brasil nos únicos confrontos entre os países no M18, em plena São José dos Campos). E, acima de tudo, a Colômbia tem rugby XV feminino rolando entre seus clubes. O país já há algum tempo conta com campeonatos regionais de clubes na categoria. A modalidade existe. No Brasil, não.

Quem torce o nariz quando lê “Colômbia” é porque está confundindo rugby masculino com feminino. No feminino, as colombianas estão junto das argentinas na corrida para alcançar o Brasil no sevens. Porém, enquanto a Argentina jamais venceu as Yaras, a Colômbia acabou de nos derrotar nos Jogos Pan-Americanos. Desde as derrotas do M18 brasileiro em casa para as colombianas, o alerta estava dado. Nós demos esse alerta, aliás. Quem não percebeu e acordou ontem, ficou chocado. Quem estava ciente de que a Colômbia identificou o feminino como oportunidade de crescimento internacional e vem trabalhando melhor que nós a categoria desde as juvenis, não ficou surpreso.

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Aliás, foi curioso a Argentina não inscrever uma seleção de XV nas Eliminatórias para o Mundial. O rugby XV feminino tem acontecido mais ou menos como no Brasil, apenas com amistosos (mas aparentemente em maior números), porém com competições rolando de 10-a-side. A perspectiva é de que muito em breve o XV competitivo aconteça. Hoje mesmo, neste domingo, rolou jogo de XV feminino por lá. A ausência da Argentina em 2020 me faz questionar algo simples: estão esperando o nível aumentar, para não darem margem de erro, para não perderem o campeonato, cientes do trabalho na Colômbia? Se a Argentina estivesse nas Eliminatórias, teríamos pela primeira vez um Campeonato Sul-Americano de Rugby XV. Poderiam ter adotado a mesma estratégia do Brasil para 2020, mas não o fizeram. No futuro próximo, saberemos se a desistência argentina de 2020 foi por desinteresse de sua federação (o que seria lamentável, mais um capítulo de machismo) ou se o foco era mesmo um projeto mais paciente e bem pensado de longo prazo (o que seria justificável e digno de aplausos, caso frutifique). De longe, fica difícil afirmar.

É lógico que podemos analisar a convocação e o jogo e colocar questões. Será que era o melhor elenco possível? Ouvi várias pessoas falando sobre a ausência de atletas do Band Saracens, campeão brasileiro e famoso pelo jogo físico. As substituições no segundo tempo da partida surtiram efeito com o Brasil melhorando, portanto, será que o XV inicial deveria ter sido outro? Será que mesmo no sevens a seleção poderia render mais? São questões que podem ser debatidas mas, sinceramente, não trazem nenhuma resposta sólida sobre o resultado do jogo do último sábado. Justamente porque esconde a questão mais relevante – e a única realmente produtiva de se fazer.

Qual a nossa estratégia?

A CBRu optou por começar de cima o trabalho com o XV feminino. O modelo “top-down” tantas vezes aclamado recentemente. A opção foi por formar uma seleção antes de haver campeonatos de clubes, enviando tal seleção para a Nova Zelândia para 6 semanas de treinamentos. Na prática, para muitas atletas, elas aprenderam o XV dentro da seleção em menos de um ano de trabalho antes da primeira partida. Poderia dar certo? Sim, pois temos atletas profissionais e de qualidade (são as campeãs sul-americanas, top 11 do mundo). Porém, a eficiência do modelo usado agora só se daria a curto prazo. E a verdade é: mesmo se vencêssemos a Colômbia, não iríamos ao Mundial de 2021. A Colômbia mesmo duvido que irá. A fase final das Eliminatórias é cruel e terá amplo favoritismo para o time que vier do Six Nations, com muito mais rodagem na categoria.

Justamente porque as chances de irmos ao Mundial eram nulas, não creio que essa seja a decisão. A Argentina está passo a passo trabalhando agora o XV feminino de clubes, enquanto a Colõmbia já o faz há algum tempo. Nós estamos em 2020 sem termos NENHUMA competição de clubes de XV feminino. Nem de seleções estaduais, para quem defende tal modelo. Não temos nada além de amistosos feitos por iniciativas de alguns clubes.

Parece-me óbvio que a única estratégia que pensaria a média/longo prazo é começar a financiar competições de XV feminino. Um trabalho que precisa de conceitos por trás. Talvez de uso de projeto de lei de incentivo, inclusive. Aliás, sabendo que a evolução do XV teria efeitos positivos na evolução do nosso sevens, isso faria todo a diferença. Hoje, de todas as seleções da elite do sevens mundial, o Brasil é o único sem XV.

Portanto, se 2020 foi uma primeira experiência, é necessário termos agora um projeto para 2025 (ano da Copa do Mundo seguinte) que contemple a criação de uma estrutura de competições de XV juvenil e adulto nos estados e, com isso, permita a criação de competições interestaduais. Em 2021, temos que ter algo sendo iniciado. Teremos em 2020 juvenil em São Paulo, mas precisamos de um passo a mais em 2021. Em 2022, precisamos de uma estrutura funcional, com o XV plenamente integrado ao calendário. Assim, em 2023 podemos voltar a pensar na seleção nacional e competir de verdade em 2024 por classificação.

Tal planejamento vale muito mais do que qualquer semana treinando no exterior, pois gerará frutos mais duradouros. Porém, que fique claro, não sou contra a formação da seleção agora. No entanto, só sou a favor se esta experiência for seguida de um projeto de longo prazo coerente, conectado com clubes, desde a base. Feito pensando no futuro, não apenas numa oportunidade pontual (o Mundial 2021). Caso contrário, terá sido dinheiro jogado fora.

Lá em 2022 ou 2023, se o XV for mesmo uma realidade, precisamos ver as Yaras jogando em solo brasileiro, para inspirarem novas gerações e receberem o apoio caloroso do público, como recebem os Tupis. Já foram 3 partidas oficiais da Seleção Brasileira Feminina de Rugby XV e nenhuma no Brasil. Trazer a seleção para casa é parte essencial de qualquer projeto também.

Há muito tempo temos esperado por um projeto concreto público sobre a categoria do XV feminino e isso ainda não ocorreu. É preciso uma conexão entre atletas e clubes interessados, federações estaduais e a liderança proativa da Confederação pelo projeto. Portanto, até quando vamos esperar? O XV é modalidade essencial ao rugby feminino. É mais democrático e o coloca em igualdade com o rugby masculino. Isto é, a tal falada (mas longe de ser atingida) igualdade de gênero.