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Eis um assunto delicado a se tratar: qual a abrangência territorial mais viável para nosso rugby? Para deixar mais clara a pergunta: qual a distância máxima que clubes amadores devem percorrer em jogos de temporada regular para tornar um campeonato racional e sustentável economicamente?

A pergunta é interessante, pois coloca o Brasil em situação de exceção no mundo do rugby. O Super 10 de 2014 terá o sistema de disputa de todos contra todos, com os clubes mais distantes entre si, Farrapos, de Bento Gonçalves, e Alecrim, de Natal, sendo separados por colossais 3.800 km. A entrada do Alecrim no Super 10 mais do que dobrou a distância máxima de 2013, que era de 1.580 km entre Farrapos e BH Rugby. A situação será ainda mais notável pela quantidade de viagens de Natal para o Sul e Sudeste, e vice-versa. A Grande São Paulo, que conta com quatro times na primeira divisão, é separada da capital do Rio Grande do Norte por cerca de 2.900 km, por exemplo (tomando as distâncias fornecidas pelo Google Maps por via terrestre, o que acaba, evidentemente, diminuindo por via aérea).

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Quais distâncias são percorridas no resto do mundo?

Apenas um país no mundo tem uma liga de pontos corridos, todos contra todos, com distâncias superiores ao Super 10 brasileiro: a profissional Super Liga da Rússia. Por lá, a força do rugby siberiano faz com que a distância de 4.800 km seja percorrida quando um dos dois clubes de Krasnoyarsk viaja a Krasnodar, próxima à costa do Mar Negro.

No Japão, que tem um campeonato profissional com times separados em 2 conferências de 8 agremiações, a distância máxima percorrida é de 1.150 km, quando os times da Grande Tóquio vão ao polo de Fukuoka, na ilha de Kyushu, tradicional no rugby. Já na Europa, nenhuma das ligas profissionais de clubes tem hoje distâncias superiores aos 850 km que os clubes de Paris percorrem para jogar contra clubes na fronteira da França com a Espanha no Top 14 francês. Na Inglaterra, a distância máxima são os 590 km que separam o Newcastle Falcons do Exeter Chiefs.

No PRO12, o Benetton Treviso, clube italiano, percorre 2.350 km para enfrentar o Connacht, porém é financiado parcialmente pela Federação Italiana de Rugby, como são todos os demais times do PRO12, que não são clubes, mas equipes regionais. O mesmo se aplica ao Super Rugby, formado por franquias, e não por clubes, derivadas das seleções provinciais. Uma comparação entre os clube independentes e autônomos de França, Inglaterra, Japão e Rússia com as franquias ligadas a federações/uniões (estaduais ou mesmo nacionais) de PRO12 e Super Rugby não seria precisa, e tampouco proveitosa para a discussão. São realidades e formas de funcionamento diferentes.

 Campeonato País(s)  Formato Clubes mais distantes (cidades) Distância máxima aproximada em 2013-14
 Super Liga Russa   Rússia  Liga  Kuban (Krasnodar) / Enisei-STM (Kranoyarsk)   4.800 km
 Super 10  Brasil  Liga  Farrapos (Bento Gonçalves) / Alecrim (Natal)  3.800 km
 SARU Community Cup  África do Sul  Grupos  Roses United (Wellington) / Noordelikes (Polokwane)  1.670 km
 Nacional de Clubes  Argentina  Grupos  CUBA (Buenos Aires) / Universitario (Tucumán)  1.250 km
 Top League  Japão  Liga com conferências  NTT Shining Arcs (Chiba) / Coca-Cola West Red Sparks (Fukuoka)  1.150 km
 Top 14  França  Liga  Racing Métro (Paris) / Perpignan (Perpignan)  850 km
 Premiership  Inglaterra   Liga  Newcastle Falcons (Newcastle) / Exeter Chiefs (Exeter)  590 km
 Eccellenza  Itália  Liga  San Donà (San Donà di Piave) / Fiamme Oro (Roma)  560 km

 

E no rugby amador?

Enquanto o rugby profissional de África do Sul, Austrália e Nova Zelândia é inteiramente ligado às equipes regionais, estaduais e provinciais, o rugby de CLUBES desses países é totalmente amador. Com distâncias superiores àquelas dos países europeus, o rugby de clubes desses países é totalmente regionalizado, operando apenas com campeonatos provinciais. Enquanto na Europa as dimensões reduzidas dos países e os excepcionais sistemas de transportes permitem competições em escala nacional mesmo no nível amador – como ocorre, por exemplo, com a terceira divisão da Inglaterra -, no Hemisfério Sul os deslocamentos acabam sendo mais penosos a entidades amadoras. Mesmo na França, a terceira divisão (amadora) tem sua fase de pontos corridos regionalizada, impedindo grandes deslocamentos antes do mata-mata.

Na Nova Zelândia, a ausência de um nacional de clubes é notável, enquanto na Austrália o único nacional de clubes que já existiu foi o agora congelado duelo entre o campeão do Shute Shield de Nova Gales do Sul (ou melhor, de Sydney, pois as demais cidades do estado não contam com clubes no Shute Shield) e o campeão do Queensland Premier Rugby, de Queensland (ou melhor, do eixo Brisbane-Gold Coast).

Apenas a África do Sul criou um nacional de clubes para os campeões dos campeonatos provinciais. A SARU Community Cup conta com uma fase inicial de grupos seguida por um mata-mata, sendo que a distância máxima existente é de 1.670 km. Distância próxima daquela percorrida entre clubes de Buenos Aires/La Plata e de Tucumán/Salta no Nacional de Clubes da Argentina (1.250 km), que segue o mesmo modelo: uma fase de grupos (com 4 times por grupo) seguida de mata-mata.

Dos países com dimensões territoriais semelhantes ao Brasil, Estados Unidos e Canadá são aqueles que possuem competições nacionais – já que o rugby é quase nulo na China. No Canadá, a competição nacional segue o Hemisfério Sul, sendo de seleções regionais. Não há um nacional canadense de clubes.

Os Estados Unidos possuem o exemplo mais importante. Em 1997, foi dada a largada para a Super League, o campeonato estadunidense de CLUBES (sim, clubes amadores, já que não há nos EUA nenhum liga de franquias profissionais de rugby, como em outros esportes). Com a tradicional divisão por conferências regionais, a Super League teve em seu auge equipes nas duas costas, com o Old Puget, de Seattle, sendo separado do Boston RFC por 4.900 km. Porém, colocados em conferências diferentes, eles só se enfrentavam no mata-mata. A distância máxima em uma conferência foi entre Dallas Harlequins e Boston RFC, separados por 2.850 km. Porém, após 15 temporadas, a Super League se provou dispendiosa demais para os clubes, que gastavam rios de dinheiro e se mantinham no amadorismo. A Super League deixou de existir em 2013, sendo substituída pela Elite Cup, uma copa entre os campeões das ligas regionais. Na Elite Cup, clubes da Costa Leste e da Costa Oeste só se enfrentam na final.  

 

No Brasil, qual o melhor caminho?

O exemplo da Super League norte-americana deve servir de base para se pensar o Super 10 brasileiro. Uma rápida pesquisa em um famoso site de passagens de avião revelou que cada passagem de São Paulo para Natal, e de Natal para São Paulo, por exemplo, custará entre 500 e 1.500 reais por pessoa em agosto (e a expectativa é de ao menos 24 pessoas por delegação). A diferença entre os valores se deve às deficiências do Brasil na aérea dos transportes aéreos, e pelo tempo de vôo elevado. Os poucos vôos existentes e os horários disponíveis deverão fazer os preços variarem enormemente, e talvez levem o Alecrim, quando tiver que jogar fora de casa, bem como os times que visitem o Alecrim, a sairem no dia anterior ou a voltarem no dia seguinte ao jogo, impondo custos de hospedagem que normalmente não são necessários em jogos entre equipes do Sul e do Sudeste. Hoje, com os custos de passagens aéreas arcados pela CBRu, o problema não afeta drasticamente os clubes no que se refere às passagens de avião, mas de fato fez com que a CBRu aumentasse o raio mínimo de distância para deslocamento terrestre (que deve passar de 500Km para 700Km), ou seja, mais viagens serão feitas de ônibus, aumentando o desgaste dos jogadores e, de certa forma, repassando parte dos custos para os clubes que deverão arcar com hospedagem adicional quando visitarem seus adversários.

Natal expõe apenas o lado mais drástico da situação. Mesmo as viagens para jogos entre os times de São Paulo ou Rio de Janeiro (ou ainda Minas Gerais) para o Rio Grande do Sul, por exemplo, já impõem custos de viagens aéreas que, se não fossem pagos pela Confederação, tornariam o campeonato proibitivo para os clubes. A expansão do rugby pelo Brasil criou uma situação bem distinta daquela vivida nos anos 80, quando apenas São Paulo, Rio de Janeiro e Paraná possuíam clubes de rugby. Em 2010, o Desterro quase se viu obrigado a desistir da última partida do Super 8 quando decidiria o título contra o São José, por não ter recursos para a viagem (de ônibus).

Hoje, a existência do Super 10 – e de uma segunda divisão forte, que deverá se materializar em 2014 – é essencial, e nenhum outro modelo diferente do atual seria realista. O número de equipes deve respeitar um limite para não haver jogos muito díspares, ao passo que a quantidade de jogos atual garante um calendário de alto nível bom, sobretudo para os clubes que têm pouca oposição em seus estados e regiões no primeiro semestre. Isto é, a presença do Alecrim no Super 10 é hoje essencial para o desenvolvimento do rugby no Nordeste, da mesma maneira que clubes como Curitiba e Desterro dependem há anos do Campeonato Brasileiro para explorarem seus potenciais e, de quebra, revelarem grandes atletas para as seleções brasileiras.

O problema está na dependência de um torneio cuja operação pode se provar com o tempo insustentável e dispendiosa, sobretudo se lembrarmos que a CBRu ainda é a confederação que menos recebe verbas do Comitê Olimpíco Brasileiro, tornando cada centavo muito precioso. Não é possível acreditar que, mesmo com muitos apoiadores, a CBRu esteja nadando em dinheiro, como pensam alguns, ainda mais com tanto a ser feito em termos de desenvolvimento por todo o país. Ou seja, quanto menos a CBRu puder gastar subsidiando times adultos de clubes de elite, e quanto mais ela puder investir em projetos de desenvolvimento – isto é, em competições categorias de base, formação de árbitros, formação de treinadores, formação de educadores, academias de alto rendimento para elevar o nível de atletas de ponta em todo o território, viagens de seleções e remuneração de atletas selecionáveis, entre outros – melhor é para o rugby brasileiro a longo prazo.

 

O futuro é regional

Como esporte amador em um país doentiamente monopolizado por um único esporte, não é realista pensar em um rugby de clubes profissional a curto ou médio prazo. Mesmo os clubes de ponta ainda têm problemas estruturais sensíveis e os investimentos em quantidade e qualidade de atletas, em todas as categorias, são muito mais proveitosos do que gastos em longas viagens. Sendo assim, a saída em qualquer país para o rugby de clubes amador é ter a base do calendário voltada para jogos que demandem curtas distâncias, isto é, campeonatos regionais, nos quais os clubes possam viajar para todos os seus jogos em ônibus. Um raio de 200 ou 300 km é o máximo para tornar sustentável e racional uma competição de clubes amadores. A possibilidade de exceder tais distâncias deve se restringir a torneios de tiro curto, de preferência em mata-mata, como a Elite Cup norte-americana, ou, no máximo, com uma fase de grupos anterior, como é o Nacional de Clubes da Argentina.

Na Argentina, com a ampliação do Nacional de Clubes, os clubes de ponta do país terão 8 jogos pela competição nacional e cerca de 16 rodadas destinadas aos regionais/provinciais. O dobro. E a Argentina ainda conta com o Campeonato Argentino de Seleções, com seleções provinciais, com mais 5 rodadas. Eis o modelo mais viável.

Para ser possível seguir o modelo argentino, tanto torneios regionais (como a Liga Nordeste), precisam se fortalecer como um todo (produzindo mais times do nível do Alecrim), como os estaduais do Sul-Sudeste precisam ser mais competitivos (criando competição mais acirrada para BH, Curitiba e Desterro, por exemplo, com o crescimento de novos forças). Ou ainda, talvez seja um bom momento para o retorno de uma Liga Sul e mesmo para a criação de uma Copa Sudeste (para clubes de MG, RJ e ES), para criar um calendário regional mais forte para os times de ponta de fora de São Paulo (que, com 5 clubes de Super 10, é o único estado que poderia substituir jogos nacionais por jogos estaduais sem grande prejuízo técnico). A segunda divisão nacional que está sendo montada deverá ajudar e muito no fortalecimento dos clubes menores do Sul-Sudeste, o que, no entanto, não diminui a necessidade de se fortalecer os estaduais/regionais. Muito pelo contrário.

O futuro do rugby brasileiro passa obrigatoriamente pelo fortalecimento das competições locais, que devem compor a maior parte do calendário dos clubes em todas as categorias, diminuindo a dependência por competições nacionais fortes. É na consolidação das federações estaduais que mora o caminho para um rugby brasileiro forte no período pós-2016, quando as verbas tendem a diminuir para todo o esporte amador. O rugby brasileiro precisa ser multipolarizado, como é hoje o rugby na Argentina, onde cidades como Córdoba, Rosario e Tucumán têm cada uma meia dúzia de clubes que batem de frente com a dezena de clubes de ponta de Buenos Aires (URBA), fazendo de seus torneios regionais tão fortes quanto o outrora dominante Torneio da URBA.