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Maurício Coelho, assistente técnico da seleção brasileira masculina de sevens, falou com o Portal do Rugby e analisou a campanha dos Tupis em Hong Kong, fazendo ainda um balanço da temporada do selecionado de sevens. Fique por dentro dos Tupis, confira mais esta grande entrevista de “Mau”!

 

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1- Como você analisa o crescimento da seleção brasileira de sevens ao longo deste ano, das seguidas derrotas para o Uruguai ao grande desempenho em Hong Kong? Qual o papel da participação do Brasil no Sul-Americano para essa evolução?

Acho que o crescimento da seleção brasileira de sevens ao longo do ano foi muito importante. Não podemos somente avaliar o resultado final competitivo em si, mas tudo que cerca o grupo de sevens. Os resultados competitivos foram semelhantes a outros anos, como em 2011, em uma campanha excelente, quando ficamos em terceiro lugar no Sul-Americano. O que me leva a pensar em crescimento foi o processo de renovação e entrada de novos atletas para aumentar a base do grupo. Este processo, que ainda está no seu início, já mostrou bons resultados destacando atletas com grande potencial para o sevens, como Lucas Tranquez, Martin Schaefer, Matheus Cruz, Allan Joseph. Este tipo de crescimento precisa continuar, sem desmerecer o resultado competitivo que também precisa de atenção, mas o próprio ingresso de novos talentos na seleção também influencia positivamente na manutenção dos resultados finais.

A evolução do grupo dentro de campo vem acontecendo já faz algum tempo, porém algumas vezes elas não são tão visíveis. A cada torneio o grupo aprendeu a tirar suas lições e a crescer, não somente todos os atletas que estiveram com o grupo, mas todos  aqueles que passaram também pela comissão técnica (treinadores, preparadores físicos, fisioterapeutas, psicólogos, nutricionistas, assessoria de imprensa) ajudaram e contribuíram para este crescimento. Desde 2008, estamos correndo atrás desta evolução. Nos bastidores muita coisa mudou, evoluiu e ainda precisa mudar mais. Dentro de campo, no quesito resultado final competitivo, temos muito o que trabalhar, contudo a evolução é clara.
 
Na temporada 2012-2013 o grupo não teve uma sequência de jogos/torneios ideal (neste item temos uma desvantagem muito grande em relação aos adversários dentro da CONSUR, que iniciam a participação em torneios já em meados de novembro), não alcançou o necessário em relação ao trabalho físico (a nossa realidade ainda não é a profissional), mas lutou bravamente dentro da sua realidade para entender onde está e onde queria chegar. Começou com a viagem à Nova Zelândia, na qual os atletas conquistaram experiência e estabeleceram metas e objetivos. Em Punta e Viña, o treinador Razor transmitiu importantes valores às lideranças da equipe e, previamente ao Rio Sevens, Dallas somou muito ao grupo, nos questionando e trazendo à tona detalhes finos sobre movimentos em campo e hábitos de equipe vencedora. Acompanhado de uma sequências de jogos com partidas de maior pressão como o sulamericano e a grande contribuição que nos trouxe o técnico Chris,  com muita inteligência nas propostas táticas, nossa seleção pode atuar muito bem e comprovar sua capacidade de evolução. O mesmo nível de jogo apresentado em Hong Kong já havia sido visto na temporada de 2011, quando estivemos na Inglaterra. A receita foi a mesma, é simples: não se trata somente de entender bem o jogo e treinar; o ritmo e velocidade nas tomadas de decisão e ações bem executadas são pontos chaves que só se adquire em situações específicas, como os torneios. Com certeza as competições como o Sul-Americano são muito importantes para o nosso calendário competitivo e consequente evolução na temporada.
 
 
2- Nos primeiros torneios do ano, a seleção brasileira sofreu fisicamente, levando alguns tries no segundo tempo nas partidas contra Uruguai e Chile, por exemplo. Como foi feito o trabalho nesse sentido para o Brasil ter o sólido desempenho que demonstrou em Hong Kong?
 
O trabalho que nos fez mudar a defesa de um torneio para o outro foi sobretudo mental. As falhas podem ser melhor evitadas quando são compreendidas e o comportamento corrigido. Em Hong Kong, o trabalho foi baseado em revisão, esclarecimento e cobrança do posicionamento e das tarefas de cada um no sistema defensivo. A proposta era de não expor a parede focando o portador da bola. Parece uma coisa óbvia, mas não é tão simples de se aplicar. Desta forma nossa defesa mostrou muito mais confiança e disciplina em campo. 
 
3- Quais foram as maiores virtudes do Brasil em Hong Kong na sua opinião? E o que falta ainda melhorar?
 
As maiores virtudes foram a disciplina ao sistema e o comprometimento e respeito dos atletas em campo. No que precisa melhorar, ainda temos que trabalhar muito no aspecto físico. Alcançar altos níveis de rendimento dentro de campo exige preparar-se com alto nível de treinamento. Para mim, é uma questão de tempo para que pequenos ajustes e circunstâncias tornem-se favoráveis ao melhor rendimento físico da seleção.    
 
4- Diante do Japão, muitos se surpreenderam com o nível de jogo apresentado pelo Brasil, apesar da virada sofrida. Como você analisa essa partida? Qual a importância dela para o resto do torneio?
 
Sem dúvida foi uma partida-chave no torneio. Sabíamos que o Japão representava uma das forças do grupo e que o jogo seria muito duro. Apesar da estreia, a equipe se portou muito bem e a segurança da defesa trouxe confiança para o ataque. A partir daí tínhamos não somente sentido o nível do jogo do torneio, mas o doce sabor de competir com certa igualdade um evento daquela expressão. Isso trouxe uma energia muito forte ao grupo e com certeza trouxe também muita confiança.
 
5- Contra a Geórgia, o empate foi histórico. Como o Brasil entrou para essa partida? O que foi conversado antes? E como você analisa essa partida especificamente?
 
A partida contra a Geórgia ainda não poda ser vista de uma ângulo muito calculista, pois havia muitas partidas da segunda rodada a serem disputadas. A ideia era ficar com a bola e atuar com segurança dentro do sistema, acelerando ao máximo a partida desde o início do primeiro tempo. Na segunda parte, também aumentar o ritmo e com as substituições tentar pressionar ainda mais o adversário que segundo nossa análise não teria fôlego para um jogo inteiro em alto ritmo.
 
Acho que tivemos algumas falhas de comunicação em campo que acabaram levando a equipe a sair do sistema de jogo durante a primeira etapa. A proposta de jogar com posse de bola e segurança dentro de um sistema é duramente castigada quando a equipe se perde taticamente. Sofremos pontos e deixamos de equilibrar a primeira etapa de um jogo que poderia ter acabado de forma diferente. Mesmo terminando com o empate, o grupo não se abateu, muito pelo contrário, a forma como ocorreu deixou a equipe em alerta e motivada para a última partida da fase de classificação.
 
6 – O duelo contra a Jamaica já foi mais tranquilo, sendo a primeira vitória do Brasil na Série Mundial de Sevens. Na sequência, veio o Zimbábue e a última derrota. Quais as expectativas criadas pelo grupo após a vitória sobre os jamaicanos? E a que se deveu a derrota? Como você analisa o nível apresentado pelo Zimbábue, campeão do torneio na sequência?
 
O jogo contra a Jamaica foi muito importante para gerir a ansiedade do grupo. Todos queriam sua primeira vitória no circuito e o grupo queria provar sua real capacidade de jogo. Entramos com nossa força máxima para definir o jogo e não deixar possibilidades de reação por parte da Jamaica.
 
O Zimbábue foi um adversário muito complicado. Tivemos muita dificuldade em tirar a bola das zonas de pressão e acabamos perdendo a posse nestas situações. A dificuldade de gerir o nosso jogou ficou ainda maior com a pressão do adversário, que contava com uma superioridade física. A equipe africana venceu boas equipes na fase final, terminando com uma boa apresentação no torneio. Muito focados e disciplinados, jogaram com confiança na sua estrutura física. No ano passado, terminaram o qualificatório do circuito deixando escapar a vaga de equipe fixa na última partida contra Portugal. Conversei com o treinador Gilbert Nyamutsamba que me contou: desde a apertada derrota no ano passado ali em Hong Kong eles trabalham focados neste objetivo de conquistar a vaga no circuito.
 
7- Por ter vivido várias fases junto da seleção brasileira de sevens, qual a sua avaliação dessa evolução sem precedentes do time? Como vem sendo o trabalho dos neozelandeses? E o que está sendo planejamento para os próximos trabalhos do time?
 
Acho que esta evolução se deu pelos esforços de todos aqueles envolvidos com o grupo. O principal fator motivador é o sentimento que temos pelo rugby. Não somente uma pratica esportiva, mas um estilo de vida. Isso é muito rico e importante para um grupo de seleção. Sabemos que hoje os tempos mudaram, que o profissionalismo tomou conta do alto rendimento, mas a essência foi feita da forma correta. A evolução dos últimos anos veio alimentada por sentimentos e mudanças profundas de cultura coletiva que servirão de estrutura para suportar as exigências do profissionalismo.
 
Os neozelandeses sabem como ninguém radiografar e avaliar o rugby em todas as suas variáveis, sejam elas técnicas, táticas, físicas, mentais/emocionais, metodológicas. A leitura feita sobre nós mostra excelentes problemas. A partir da reflexão daquilo que temos, de onde queremos chegar e o que precisamos mudar é que vamos construir o caminho. Não existe receita ideal, não existem culturas idênticas, nem o pensamento de que basta criar regras e segui-las para tudo se transformar em coisas boas. O ajuste fino de cada variável no rendimento do grupo precisa feito de forma multi-lateral, devendo todos os membros do grupo entender e agir de acordo com os interesses e as responsabilidades do coletivo.