Tempo de leitura: 5 minutos

brasil hino copy

No último dia 27 de outubro, o estádio do Nacional, na capital paulista, recebeu um evento com características nada corriqueiras para o rugby brasileiro: estádio cheio em pleno centro de São Paulo, com presença de jornalistas dos grandes meios de comunicação e muito assédio dos torcedores com os jogadores brasileiros. Pela primeira vez, os atletas de ponta do nosso rugby desfrutaram da condição de ídolos, distribuindo inúmeros autógrafos e tirando fotos com os fãs. O pós-jogo foi o momento mais emblemático, com o público, sobretudo as crianças, invadindo o campo para chegar mais perto de seus ídolos. Uma interação hoje rara e coibida nos esportes mais difundidos e profissionais no país.

Tal acontecimento é importante de ser discutido. A presença do público foi boa, muito boa, com cerca de 4 mil torcedores enchendo as arquibancadas do “Naça”, muitos dos quais na área VIP. Com 7 mil ingressos à disposição e muita divulgação e a presença da taça Webb Ellis, o público não foi nem espetacular, nem decepcionante. Foi o esperado, o que já é muito bom, um sucesso, como foram os públicos nos eventos de maior destaque realizados em Embu, guardadas as proporções. Mostrou bem os atuais limites com os quais temos que lidar e sobre os quais estratégias podem ser formulados com o intuito de superá-los. Participando do evento desde 3 horas antes do pontapé inicial, e tendo participado da coletiva de quinta-feira, a percepção foi sim de que um bom e sério trabalho está sendo desenvolvido pela CBRu. e as perspectivas são animadoras.

- Continua depois da publicidade -

A presença de equipes infantis antes da partida foi essencial para um evento que olha para o futuro, integrando os jovens rugbiers à comunidade já constituída de nosso esporte, dentro de seu principal polo, São Paulo. A iniciativa deu sentimento de pertencimento essencial para a evolução dessas crianças no esporte. Ver seus ídolos ovacionados pelo público é uma inspiração inestimável para os jovens.

Para os atletas, jogar diante de milhares de pessoas apoiando incessantemente é uma recompensa aos anos de sacrifício, dedicação e. inclusive, carência de visibilidade vividas dentro do universo amador, do qual nossa seleção ainda não se desprendeu (para os mais críticos, não custa ponderar: a adminstração já é profissional, mas os atletas são quase todos amadores). A surpresa com o assédio relatada por Fernando Portugal, um dos mais experientes do elenco, ao Sportv resume bem a nova situação que, felizmente tende a ser mais frequente daqui em diante. A exposição da seleção brasileira a cada vez mais eventos dessa natureza é crucial para o crescimento do rugby no país. É necessário aproximar a seleção de um número cada vez maior de rugbiers, curiosos e interessados, e de todo o país. A missão da CBRu para os próximos anos será levar as seleções nacionais a todas as partes do Brasil. Mas, para isso virar realidade, a certeza de retorno deverá ser concreta, para não termos eventos fracassados.

A missão dos grandes eventos de rugby pelo país não cabe somente à confederação. Do lado de clubes e praticantes, o interesse pelo selecionado nacional deve ser constante. Não dá mais para termos equipes e mesmo federações marcando torneios e amistosos para os horários dos jogos dos Tupis, como ocorreu por todo o Brasil no último sábado. Contamos 3 torneios de sevens importantes, incluindo 2 que valem vaga no Brasil Sevens (no Paraná e em Santa Catarina) e um na própria Grande São Paulo, mais no mínimo 5 jogos pelo país, incluindo grande clubes do Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, sendo realizados no horário do jogo do Brasil, além de vários outros jogos, inclusive em São Paulo, que não temos a informação do horário do kick-off. A mudança desses eventos para antes ou depois do jogo dos Tupis (ou, no caso do sevens, no mínimo a interrupção momentânea do evento) era essencial. Sabemos o quão difícil é obter datas e campos para a realização de partidas pelo Brasil, e que todas as oportunidades devem ser aproveitadas, mas a impressão de falta de planejamento ou mesmo de pouca atenção às notícias de nosso esporte é a que fica para muitos dos casos registrados, o que é muito preocupante. A missão de todos deve ser prestigiar a seleção no estádio, em primeiro lugar, e na TV, em segundo lugar. E a interação via internet também se mostra muito importante, tudo para alavancar a posição hoje ocupado pelo rugby no Brasil como um esporte que faz jus ao investimento e ao espaço cedido na mídia. Como querer que nosso esporte cresça e como reivindicar nosso espaço se muitos não fazem o mais fácil, que seria ocupar a posição de espectadores de um evento? E por obtenção de espaço não me refiro só à mídia, mas também ao espaço físico, como a obtenção de campos e a introdução do rugby em escolas, por exemplo.

Para se justificar o investimento em um esporte não basta exaltar seus valores. Todos os esportes têm valores. Não basta também a conquista esportiva. É necessário que o rugby entre de vez num rol de esportes de conhecimento do grande público, e para isso o papel da grande mídia é central. Dentro da sociedade da informação e do espetáculo, a exibição de um esporte não se basta pelo que se passa em campo. Fora dele está outra parte muito importante para a sua popularização: o espetáculo das arquibancadas. Assistir a outras pessoas assistindo a um esporte pode despertar a atenção do leigo, que tende a ficar mais propenso a dar atenção ao que se pasa dentro de campo. É uma lógica que se alimenta: público leva público ao estádio, e atrai telespectadores.

O comportamente do público também foi outro ponto interessante. Assim como observado nos jogos da Argentina no Rugby Championship – que, claro, tiveram uma escala muito maior – o público teve algumas atitudes mais próximas das que têm os públicos de outros esportes, sobretudo do futebol. As vaias, por exemplo, foram ouvidas em chutes do Paraguai. Antes de criticarmos enfaticamente o fato, vale mais tê-lo como um efeito natural e esperado do processo de popularização do rugby. Para quem não joga rugby, emular o comportamente de outros esportes é natural, e com o tempo poderá ser trabalhado, com os valores do rugby sendo sistematicamente divulgados. Alarmante se torna o fato quando ele parte de rugbiers, isto é, daqueles que teoricamente já foram apresentados ao espírito do rugby.

Por fim, há ainda outro ponto a ser atentado sobre o evento: a iniciativa da CBRu de trazer representantes de uma tribo tupi-guarani ao estádio para a exibição de uma dança típica. A princípio, confesso que fiquei alarmado com o possibilidade, já que a exotização de uma cultura em prol do espetáculo é uma das piores faces da cultura de massas. Porém, felizmente, não foi isso que observei. Vi uma muito positiva ação de valorização da cultura indígena que foi, de forma geral, recebida de forma positiva pela maioria do público, que aplaudiu a exibição. O importante é saber se tal reconhecimento foi tomado de forma positiva pelos protagonistas da tribo, mas infelizmente não conseguimos conversar com eles. Uma pena. Seria importante saber como eles encararam a homenagem do nome da seleção brasileira de rugby. Para o púbico, o importante aqui seria a reflexão sobre o elemento indígena na composição de nossa identidade, como defendemos no passado em outro artigo (clique aqui).

E você, o que acha? Comente!