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Vitória! O triunfo inédito do Brasil contra o Chile no Sul-Americano de Rugby deve ser muito comemorado. Criticada (positiva e negativamente) de todos os lados – inclusive da parte deste site, sem dúvida – ao longo dos últimos meses, a Seleção Brasileira de XV mostrou sua força e o resultado do trabalho de Brent Frew e companhia em Terra Brasilis, provando que, sim, o Brasil evoluiu nos últimos anos como nunca e fez o que não era possível desde os anos 60: bater um de nossos rivais historicamente superiores em um torneio continental.

Sem qualquer intenção de diminuir a comemoração, a intenção aqui é pontuar questões essenciais sobre a evolução de nossa seleção nacional de XV para não cairmos em ilusões. Em artigos passados, defendi algo que muitos acabam esquecendo quando falam do crescimento do rugby brasileiros. É comum o erro básico de se acreditar que APENAS o Brasil cresce, quando as demais seleções sul-americanas também aumentaram seus investimentos e crescem a cada dia. O Uruguai provou isso ao quase derrotar os Estados Unidos e fazer história no Troféu Mundial Junior, e ninguém hoje imagino se esquece dessa variável: não estamos em uma corrida contra oponentes imóveis. Trata-se de uma corrida com todos os competidores em alta velocidade – inclusive o Paraguai. Superada essa questão, vamos ao jogo com o Chile.

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A vitória contra os Cóndores ainda não revela, evidentemente, que o Brasil esteja sequer no mesmo nível dos chilenos, quanto mais dos uruguaios, adversários do próximo sábado. O primeiro motivo de todos vem da própria seleção chilena que veio ao Brasil. Sem alguns atletas-chave que atuam no exterior, como Pablo Huete, do Pau, da Pro D2 francesa, e Sergio e Franisco de la Fuente, que também jogam na França, além dos jogadores do sevens nacional que atuam no Sumner, da Nova Zelândia, os Cóndores apostaram em uma seleção renovada, com apenas 4 atletas que enfrentaram o Brasil em 2013. Nada menos que outros 9 jogadores importantes da seleção, entre eles Valderrama, Tobar, os irmãos Neira, e Metuaze, decidiram não atuar pela seleção por conflitos internos que racharam o grupo chileno e colocam no momento em xeque o trabalho da FERUCHI. O rugby chileno está dividido e em conflito interno, como revela matéria do El Sur (clique aqui).

O que isso significa, portanto? Que a vitória brasileira é menor do que achamos? Não, não necessariamente. O Brasil fez uma de suas melhores partidas recentes e nada garante que o Chile com força máxima derrotaria o Brasil. Além disso, os Tupis também passaram por renovação no elenco, com a separação dos elencos de XV e de sevens, com o sevens recebendo mais atenção nos últimos tempos, por motivos óbvios (Jogos Olímpicos).

O que se passou em Barueri foi mais um estágio alcançado no amadurecimento de nosso selecionado. Sábado o Brasil comprovou o que já deviamos esperar, mas não tinhamos provas concretas: o Brasil tem hoje nível suficiente para entrar em campo contra o Chile – e posso dizer que até mesmo contra o Uruguai – com chances de vitória. Isso é muito diferente de ter o mesmo nível e as mesmas chances de seus oponentes nos confrontos diretos.

 

Alerta Itália

Creio que uma comparação com o rugby das grandes seleções do mundo, guardadas as devidas proporções e ressalvadas as devidas diferenças de realidade, torne meu ponto mais claro. Entre as potências do mundo, uma seleção em especial chama a atenção por ser uma “neófita” entre os gigantes: a Itália. Os Azzurri debutaram no rugby internacional em 1929, com derrota para a Espanha por 9 x 0. Desde então, foram décadas entre os pequenos da Europa, que incluiram derrotas para Marrocos, União Soviética, Portugal e Namíbia. A inferioridade italiana com relação à Romênia foi incontestável até os anos 80 e somente nos anos 90 a Itália deu um passo adiante.

Em 1997, a sua primeira vitória relevante, contra a França, conduziu a Bota a um novo status no rugby mundial. A entrada em 2000 no Six Nations e sua vitória na estreia contra a Escócia, campeã europeia em 1999, davam a impressão de uma seleção que havia chegado ao nível dos grandes. Os 14 anos entre os gigantes do mundo, no entanto, vem sendo uma dura lição aos azuis. Foram até então, é verdade, mais 2 vitórias sobre a França, outras 6 sobre a Escócia, 3 contra a Argentina (que sucederam outras 2 vitórias na era amadora), 4 contra a Irlanda, 2 contra Gales e jogos apertados contra a Inglaterra. No entanto, nenhuma classificação às quartas-de-final da Copa do Mundo, nenhuma vitória contra os três gigantes do Hemisfério Sul e nenhum resultado superior ao 4º lugar no Six Nations, além da queda para o atual 14º lugar no ranking mundial, são suficientes para os críticos colocarem a Itália abaixo dos demais 9 grandes do rugby mundial.

A Itália chegou, venceu grandes seleções, provou ser boa o bastante para alcançar os feitos que já alcançou. Mas, definitivamente, à exceção da Escócia, não está no nível dos demais países do Six Nations, muito menos das potências do Rugby Championship. As turbulências são hoje frequentes no rugby italiano e minam o crescimento contínuo dos Azzurri. A Argentina, por exemplo, só não tem diagnóstico tão duro porque tem em seu currículo um terceiro lugar em Copa do Mundo. Mas, a Itália mostra à Argentina como colher frutos num nível tão alto demora, e provar ser capaz de vencer não significa se igualar aos concorrentes.

Para o Brasil, guardadas as devidas proporções, a vitória contra o Chile não prova que alcançamos nossos concorrentes. E hipotéticas derrotas para Uruguai e mesmo Paraguai também não dirão que a vitória sobre os Cóndores fora acidental, de jeito nenhum! A vitória de sábado prova apenas que somos capazes de derrotar os chilenos. Se o sucesso de 2014 será seguido de uma dúzia de derrotas, como bem sabe a Itália, ou se será sucedido por frequentes vitórias, só o tempo dirá. E é justamente isso que deve ser entendido por todos. O trabalho para ser grande na América do Sul está apenas começando, com a singela prova de que, sim, nós podemos.

 

Cadê o rugbier paulista?

Não poderia fechar o artigo sem antes comentar o lado triste do último sábado. A vitória pode ter sido histórica e memorável para todos que estiveram na Arena Barueri, mas, se não tivesse transmissão de TV, eu chamaria os torcedores que foram ao estádio de testemunhas. Pouco mais de 1 mil pessoas estiveram presentes, o que é triste, muito triste. Uma pequena fração daqueles que acompanharam Brasil x Paraguai no estádio do Nacional em 2012. Com meia centena de clubes na Grande São Paulo, outras dúzias nas cidades do interior próximas à capital, milhares de jogadores e amantes do rugby, é lamentável que poucos tenham compreendido a importância do evento. Como vamos querer atrair apoio da iniciativa privada com a TV e as fotos do jogos mostrando um mar azul (da cor das cadeiras da Arena) ao fundo dos atletas? Estamos falando do primeiro jogo do Brasil em casa em um Sul-Americano em 21 anos…

Muitas desculpas foram levantadas para a ausência dos torcedores. Não vou me ater à necessidade de se divulgar o rugby à população da cidade porque, se faltaram os rugbiers, seria irreal criticar a ausência dos leigos – em um país que não assiste nos estádios nem o único esporte realmente popular nacionalmente. Da comunidade do rugby ouvi e li argumentos como:

– “Houve rodada do Campeonato Paulista”. Sim, houve, mas o jogo foi de noite e a rodada de tarde. Trata-se de uma meia desculpa, válida em alguns casos, inválida em outros.

– “O estádio é longe”. Sim, para muita gente. Entretanto, tal argumento é injusto e não satisfaz. E são vários os motivos. Primeiro, para quem vai de carro, não há trânsito e gasta-se até Barueri muito menos tempo que o ir e vir da maioria do trabalho para casa em dias de semana. O caminho é simples e reto. Vale o “sacrifício”. Segundo, para quem não vai de carro, há uma estação de CPTM há 10 minutos a pé (ou a 10 reais de táxi) que, posso dizer com experiência, que é de rara qualidade no transporte público paulista, com padrão metrô. São 30 minutos da Barra Funda à estação Jardim Belval, o que, às 18h00 na ida e às 21h00 na volta não me parece uma opção ruim em um sábado de folga para a maioria.

Terceiro, a ideia de que o estádio é distante parte da premissa de que outras opções abundam. Não é verdade. A falta de projeto para o esporte da parte do poder público no Brasil faz haver no município de São Paulo somente dois estádios públicos: Ibirapuera e Pacaembu. O Pacaembu é hoje usado por grandes clubes de futebol e seu aluguel está na casa dos 5 algarismos. Proibitivo sem um subsídio público. Já o Ibirapuera é um estádio de atletismo, com gramado ruim, buracos e uma perigosa pista de atletismo, nunca tendo gozado de apreço dos jogadores. Já os estádios particulares, como o do Nacional, requerem muito mais do que a vontade da CBRu em alugá-los. Há que se negociar com clubes, diretores, conselheiros – e sabemos como funciona a política de muitos clubes de futebol -, encontrar datas que não conflitem com o futebol, lidar com a acusação de que o rugby estragar a grama (o que, todos nós sabemos, não é infundada), e, evidentemente, pagar o que o clube pede. Quando existe a possibilidade de um estádio público, de alto padrão, com um gramado excelente, fácil diálogo com os responsáveis e baixos custos para se mandar o jogo lá, não seria racional descartá-lo para pagar caro em uma estrutura pior só porque é mais central. As opções não abundam e o rugby não nada em dinheiro. Creio que em 2014 ainda não temos uma situação para muitas escolhas. Ainda mais quando a opção encontrada é um estádio de ótima estrutura. Pagamos o preço do rugby não ter patrimônio.

– “O horário foi escolhido para a TV”. Não me parece que 19h00 seja um horário horrível. Eu sou dos que acham um absurdo o futebol ser às 22h00 em dias de semana, com muitos trabalhadores brasileiros acordando antes mesmo do nascer do sol. Mas, 19h00 de sábado não atrapalha grandemente sequer os planos “noturnos” de ninguém. Se a TV escolheu o horário, não creio que o rugby esteja em condições hoje de dispensar exposição quando o horário escolhido não é absurdo. Se a TV tivesse escolhido um horário ruim – como 12h00, prejudicando atletas, 22h00 atrapalhando o retorno dos torcedores, etc – o argumento seria válido e a crítica necessária. Neste caso, não creio.

É hora de entendermos que o rugby precisa ter eventos para chamar a atenção, atrair investimentos, ganhar espaço na TV. Sem público, ainda mais em um evento histórico e até então raro, tudo fica mais difícil.

 

Foto: Dani Mayer / Fotojump / CBRu