Foto: Los Pumas

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Tudo decidido no Tri-Nations 2020, com os All Blacks a confirmarem a conquista do título de campeões da competição depois de Wallabies e Pumas terem “acordado” num empate a 16 pontos, que deixa os argentinos no 2º lugar e australianos agarrados à última posição do torneio.

Após uma semana turbulenta pelas piores razões possíveis, a seleção da Argentina foi capaz de “respirar” e sair da Austrália com bons resultados desportivos, mas uma imagem completamente danificada e que provavelmente causará ainda mais estragos nos próximos tempos. É altura de irmos ao que se passou dentro das quatro linhas, e perceber quem foram os destaques do jogo que fechou as velhas/novas Tri-Nations.

MVP: Felipe Ezcurra (Argentina)

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É sempre dos jogadores mais criticados deste elenco dos Pumas, devido às falhas técnicas que apresenta nos momentos mais críticos e importantes como aconteceu frente aos Wallabies na 3ª jornada ou All Blacks no jogo da semana passada, só que neste último jogo do ano para esta selecção da América do Sul foi a unidade que fez todo o jogo dos argentinos mexer e ganhar alguma vida, apesar da cadência de chuva que tornou tudo mais complicado.

O formação dos Pumas montou o try de Bautista Delguy, saindo rapidamente de um ruck para depois enganar toda a defesa e abrir a passadeira ao ponta para chegar aos 5 pontos. Felipe Ezcurra foi responsável por criar ou protagonizar os melhores momentos ofensivos da Argentina, percebendo que era junto ao ruck onde estavam as principais fragilidades da defesa australiana, que se revelou demasiadamente nervosa pois queriam reaver a posse de bola o mais rápido possível.

A qualidade do passe foi importante num encontro onde a queda de chuva intensa prejudicou claramente o controlo da oval, conseguindo Ezcurra garantir algum tipo de plataforma de ataque que desse “ar” a uns Pumas que se mostraram mais atrevidos do que se pensava. O formação acaba em boa forma nestes Tri-Nations 2020 e lança um desafio interessante ao dono da camisola 9, Tomas Cubelli.

The tackling machine: Matías Alemanno (Argentina)

A Argentina passou a maior parte do tempo sem a bola do seu lado, como revela a 70% posse de bola por parte dos Wallabies no final dos 80 minutos, o que lhes exigiu trazer para dentro de campo a sua melhor atitude e postura no tackles, pressão defensiva e capacidade de repor unidades na linha, forçando um trabalho físico que iria requerer sofrimento e sacrifício, algo conseguido pelos Pumas.

No meio de vários grandes placadores, o jogador que terminou com maior número de encaixes efetivos ao portador de bola foi Matías Alemanno, o gigante segunda linha que já na semana passada tinha registado uma boa exibição no que concerne à defesa, e no jogo de encerramento da campanha dos argentinos em solo australiano não defraudou, com 15 tackles efetivos, 1 turnover e 1 alinhamento “roubado” aos Wallabies, sendo responsável por uma sequência de três tackles em 1 minuto seguido, dando uma injeção de motivação aos seus colegas de equipa quando mais importou.

A dimensão física, a agressividade mental e o tempo de reacção para se apresentar ao serviço de imediato depois de ter placado, mostram o quão importante é Alemanno para Mario Ledesma e os Pumas seja agora ou no futuro próximo.

Melhor treinador: nenhum

As condições atmosféricas não ajudaram em nada, total verdade, mas os erros estratégicos tanto de um lado como o outro influenciaram o jogo no sentido de terminar num empate… se Mario Ledesma teve de lutar a semana inteira com a situação de racismo e xenofobia de Pablo Matera, Guido Petti e Juan Pablo Socino, para além dos problemas físicos que se amontoaram depois de quatro semanas consecutivas a jogar sem qualquer paragem, já Dave Rennie teve “só” um problema: escolher a melhor equipa.

O selecionador dos Wallabies tinha praticamente todo o grupo de trabalho fisicamente bem para o encontro, pôde optar pelas peças que mais gosta como James O’Connor, Reece Hodge ou Jordan Petaia e acabou por não conseguir mostrar os melhores atributos que possui, seja fazer uso da capacidade de rasgo de White e O’Connor ou do poder de penetração e velocidade de Marika Koroibete e Tom Wright, optando por “emigrar” para o caos físico e a estratégia de tentar dominar o encontro através das formações mas sem efetivamente tirar algum do proveito da maioria das penalidades cometidas pelos Pumas (15 no total), perdendo uma boa oportunidade para arrancar uma vitória importante e moralizadora para o futuro da Austrália.

Do outro lado, apesar dos problemas todos que Ledesma teve para construir um grupo unido e compacto para o fim de semana, a pouca qualidade de jogo dos Pumas continua a perder elementos mordazes, com só Felipe Ezcurra ou Bautista Delguy a terem o mínimo virtuosismo para procurar trazer algum espetáculo a um jogo pouco emocionante, ficando encerrados na estratégia de aplicar pontapés altos e recuperar a bola no ar ou esperar um erro da Austrália, que acabou por acontecer em algumas das situações. A contínua escolha de unidades que fisicamente não estão em condições, como Nicolás Sánchez ou Matías Orlando, a falta de coesão no scrum e imprecisão da transmissão de bola entre as unidades das linhas atrasadas ganharam ainda mais acentuação neste embate que terminou novamente num empate.

As decepções: ombradas, discussões e tudo o que é desnecessário

Poderíamos perder bastante tempo a falar do porquê deste último jogo das Tri-Nations terem sido um dos piores encontros de nível Test Match do ano, mas ao contrário da mentalidade argentina seremos diretos, sérios e sem voltar atrás nas decisões: demasiada conversa paralela com Angus Gardener, o árbitro do encontro, com a maioria dos jogadores dos Pumas a estarem constantemente à procura de provocar uma reação física e violenta dos seus adversários para depois se fazerem de vítimas; teatro total por parte de alguns jogadores, como Nic White, que foram também à procura de penalidades fáceis e cartões amarelos na oposição, descendendo ainda mais o nível de jogo; constantes agressões entre elementos das duas equipas, seja na limpeza dos rucks (Michael Hooper deveria ter recebido vermelho de acordo com o protocolo, assim como Marcus Kremer), na disputa dos mauls (Marcus Kremer, Harry Wilson, Ned Hanigan ou Julio Montoya bem gostam de envolver o seu braço à volta do pescoço do adversário directo) ou até no assist do tackle, enlameando ainda mais este último embate de rugby do Hemisfério Sul.

Angus Gardener conseguiu estar ao mesmo tempo bem e mal no encontro, já que não teve capacidade para mostrar o vermelho a quem merecia ter sido expulso, tentando impor algum controlo emocional em duas equipas completamente “cegas” por diferentes razões, acabando por ajudar em nada no que toca à venda da imagem do rugby.

A Argentina abusou da estratégia do queixume, de se fazer vítima, de atiçar o adversário durante a sua estada na Austrália, que depois serviu para evocar imagens que andaram semanas a fio na comunicação social, quando devia ter sido punida e alertada que em nada tal estratégia ajuda à qualidade de jogo… o mesmo deveria ter sido aplicado à Austrália, que deixou Nic White fazer todo o espetáculo de falsas agressões que queria. Bom para o twitter ou instagram, terrível para a modalidade na captação de novos interessados.

Sim, no final podem ter tirado uma fotografia juntos, depois de um corredor de cumprimentos bem articulado, mas o mal está feito e o trabalho para reparar a imagem do rugby é duro, seriamente difícil e que requer um esforço monumental, esforço esse que os jogadores, selecionadores e comentadores (os comentários da Fox Sports em relação ao que Kremer e Hooper fizeram foi, no mínimo, uma afronta ao jogo leal) deveriam ter noção.

Números

Mais metros conquistados: Bautista Delguy (Argentina) – 40 metros;
Mais tackles: Matías Alemanno (Argentina) – 16 (1 errado);
Melhor marcador de tries: Bautista Delguy (Argentina) e Michael Hooper (Austrália) – 1;
Mais defensores batidos: Bautista Delguy (Argentina) – 6;
MVP do Fair Play: Felipe Ezcurra (Argentina);