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 O sonho de muitas das pessoas que vivem o rugby é assistir um jogo dos All Blacks, se for na Nova Zelândia muito melhor. O meu nunca foi. O meu sonho no rugby era assistir um jogo dos Lelos, a seleção georgiana de rugby, o que consegui realizar na Argentina em 2013. Parece bom o suficiente, mas não era. O próximo objetivo era assistir um na Geórgia.

São 11 mil quilômetros de distância e um vôo de 38 horas, graças às 22 horas e meia de conexão em Amsterdã. Chegar a Tbilisi, por si só, já era um desafio. Tem lugares que só o rugby te leva, acho que Tbilisi foi um desses lugares, oficialmente os georgianos estão em guerra com a Rússia, mas para os brasileiros, bem, tudo fica um pouco mais fácil por causa do nosso futebol e pela hospitalidade georgiana.

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A primeira prova do amor que os georgianos têm pelo nosso país e, podemos dizer, em receber bem as pessoas se deu logo na imigração. O vôo partiu de Amsterdã na segunda-feira e estava relativamente vazio, mas a fila para carimbar o passaporte era uma das mais lentas. Americanos e europeus passavam até 10 minutos sendo questionados na entrada, sempre com um sorriso no rosto do atendente, alguns mostravam cartas-convite. Ao verem meu passaporte brasileiro e minha camisa da seleção de rugby da Geórgia duas perguntas:

_O que veio fazer aqui?

_Ver o jogo de rugby contra o Japão.

_Você acha que a gente vai ganhar? – (A Geórgia tinha perdido os dois jogos anteriores, para Tonga e para Irlanda.)

_Vai ser um jogo duro, mas precisamos ganhar.

Passaporte carimbado.

_Meu sonho é ir para o carnaval do Rio. Aproveite a Geórgia.

_Obrigado.

Conhecer o Rio, ter vindo para a Copa do Mundo de Futebol, Zico, Sócrates, Romário, Ronaldo, Ronaldinho e Neymar. Palavras fáceis de ouvir de qualquer georgiano que descobria que eu era brasileiro. Os 7×1 contra Alemanha também era citado com frequência.

 

Ragbi chveni tamashia

 Rugby é o nosso jogo em georgiano, é o lema da União de Rugby da Geórgia (GRU). E realmente é o que você sente quando conversa sobre rugby na Georgia. Futebol é o esporte mais acompanhado no país, apesar da Georgia ser a 144ª seleção do ranking da FIFA, e a única conquista relevante do país ser o título de campeão da Copa da UEFA de 1980-81 conquistado pelo Dínamo Tbilisi. Com o rugby é diferente, bem diferente. Tudo que se fala de rugby é “nossos rapazes isso, nossos rapazes aquilo”, contam-se as vitórias contra a Rússia que eles viram no estádio, foram 16 em 18 jogos desde 1993, data da última derrota em amistoso na Polônia, e um empate em 12 a 12, em Tbilisi pela Copa Europeia de Nações de 2002. Ganhar da Rússia parece ser mais importante que a Copa do Mundo, o simples fato do Uruguai ter eliminado os russos foi motivo de comemoração nos clubes da Georgia.

O campo de rugby, no fim das contas, é o único campo de batalha onde os georgianos levam vantagem. Moscou ainda mantém duas regiões da Geórgia ocupadas, Tskhinvali (Ossétia do Sul) e Sukhumi (Abkázia), e as vitórias georgianas no rugby servem de palco para reinvindicações para que essas áreas sejam devolvidas, manifestação normalmente comandada pelos jogadores que nasceram ou tiveram família nessas regiões. Entretanto, a rivalidade política entre russos e georgianos em relação ao rugby terminam ai. Quando a Rússia ocupou a Geórgia em 2008, durante os Jogos Olímpicos de Beijin, usando mísseis e tudo o mais, a primeira ligação que o presidente da GRU, Giorgi Njaradze, recebeu foi dos russos perguntando se todos estavam bem e pedindo desculpas pelo que o governo deles estava fazendo.

 

Lelo Lelo Saqartvelo

Try Try Georgia. É assim que os georgianos incentivam seus jogadores durante os jogos, especialmente nos scrums e mauls perto do in-goal adversário. Lelo, o apelido do time, vem de um antigo jogo georgiano chamado Lelo Burti (literalmente bola no campo), que tem várias semelhanças com o rugby. As partidas eram disputadas entre vilas próximas e o objetivo era levar uma bola bem grande, de uma cidade a outra, o objetivo do time adversário era impedir, segundo os georgianos algumas partidas chegavam a ter cem jogadores em cada time, não havia um número determinado de jogadores, mas todos os homens das cidades eram convocados, e sobravam algumas escoriações e membros quebrados.

Rugby é um orgulho nacional, apesar das reclamações constantes de que o futebol recebe muito mais incentivo governamental e nunca ganha nada. O que é, de fato, verdade. Se você pensar que em 2002, um ano antes da Georgia jogar sua primeira Copa do Mundo, não existiam campos de rugby no país. Sim, sabe quando você treina na praça, num parque, no estacionamento, no concreto? Muitos dos jogadores que hoje estão na seleção começaram assim. Só em 2012, quando um bilionário fã de rugby, Bidzina ivanishvili, foi eleito primeiro ministro, que os georgianos fizeram um centro de treinamento de alto rendimento. Para a partida contra o Japão, em 23 de novembro de 2014, a União de Rugby da Georgia precisou alugar o estádio da Federação Georgiana de Futebol para realizar a partida. Durante minha estadia em Tbilisi este mesmo bilionário (que só foi primeiro ministro por um ano e meio, por sinal) disse que iria fazer um estádio para o rugby da Georgia com 30 mil lugares.

A estrutura do rugby georgiano é interessante. Eles mantêm uma divisão de honra profissional com 10 clubes, entre eles o Lelo Saracens Tbilisi, uma parceria de um clube local com o gigante inglês, da mesma forma que o Bandeirantes Saracens SP, que recebem igualmente cotas de apoio da GRU, e divisões regionais de rugby semi-profissional, amadora e categorias de base. O apoio ao rugby amador é impressionante, há suporte por parte da GRU.  Além disso, os georgianos têm uma franquia, o Tbilisi Caucasians, que é como uma seleção de jogadores que jogam na própria Geórgia, e este ano perderam para o Rovigo Rugby, da Itália, nas eliminatórias para o European Rugby Challenge Cup, segundo eles porque só tiveram uma semana de treino.

Escrito por: Diego Dubard.