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Comentar a derrota acachapante da seleção brasileira para Portugal é uma tarefa espinhosa, pois para cair em injustiças não é preciso muito esforço. Vamos levantar algumas questões.

Durante e após a partida, recebemos em nosso site e página do Facebook muitos comentários de rugbiers criticando pesadamente a seleção em vários aspectos, da escolha dos jogadores à atitude em campo. Não farei qualquer julgamento acerca de como cada atleta se portou em campo, pois, no fundo, só quem estava em campo sabe realmente diagnosticar o que se passou com cada jogador.

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O placar não foi nem um vexame inesperado, nem algo absolutamente normal. A minha expectativa era de um placar inferior ao que ocorreu e que tivesse alguns pontos do lado do marcador do Brasil. Mas em hipótese alguma esperava a vitória. Se diante do Uruguai o Brasil caiu por 58 x 7, contra Portugal o placar não deveria ter uma diferença menor, ainda mais pelas ausências que, na verdade, não são ausências. A separação dos elencos de sevens e XV fará com que o Brasil tenha no time que jogou contra os Lobos a base do elenco que jogará o Sul-Americano em 2014. Trata-se de um time em pleno processo de renovação.

 

A diferença para os Lobos

É possível dizer que o Brasil de hoje é Portugal há 10 ou 15 anos atrás. Os portugueses têm hoje uma seleção ainda amadora, com alguns poucos atletas que atuam profissionalmente no exterior. O Brasil ainda não tem nenhum atleta que se aproxime do que são Julien Bardy – terceira linha do Clermont, atuando no time vice-campeão da Heineken Cup – ou Gonçalo Uva – que joga no Narbonne, da segunda divisão profissional da França. Por outro lado, todo o restante do elenco em nada se difere do time brasileiro. São todos amadores, que trabalham fora do rugby no dia-a-dia. Para contornar o amadorismo, a Federação Portuguesa de Rugby formou uma seleção de altetas que atuam no país, o Lusitanos XV, para jogar a Amlin Challenge Cup, a segunda copa europeia, tendo já jogado contra London Irish e Stade Français.

Por conta da falta de recursos financeiros e do número de jogadores inferior ao Brasil, Portugal ainda não separou a seleção de XV da seleção de sevens, o que é um erro para muitos portugueses. Tal situação, no entanto, faz com que muitos dos amadores portugueses tenham experiência internacional de jogadores profissionais. Com uma Copa do Mundo (2007) no currículo, Portugal talvez esteja perto do limite para um time amador em termos de desenvolvimento técnico e mostrou para o Brasil em qual nível podemos jogar se trabalharmos corretamente (na verdade, para muitos em Portugal, os Lobos poderiam ter um nível ainda maior, como tiveram entre 2003 e 2007, a sua época dourada). Era visível a superioridade física do time português, sobretudo quanto à capacidade de impor um ritmo muito mais forte que o do Brasil ao longo da partida e mantê-lo. As formações fixas, a criação de jogadas, em todos os setores os Lobos eram muito superiores. Foi uma aula particular. E é assim que esse jogo deve ser entendido. Não como um vexame, mas como um aprendizado.

 

Temos o melhor time possível?

O Brasil tem uma comissão técnica de alto nível, neozelandesa, com know-how de sobra e estrutura disponível adequada. Nunca o número de atletas foi tão grande e nunca o Super 10 foi tão competitivo. O que explica o fato de os placares de hoje terem retornado ao patamar de 2009 ou 2010 contra seleções como Uruguai e Chile? A explicação não é simples e não tem a ver nem com a capacidade da comissão técnica, tampouco com o potencial dos atletas.

Com a seleção em renovação, sob muito mais pressão por resultados e já conhecida por todos os seus adversários, que têm muito mais cuidado com o time verde-e-amarelo, era evidente que o ritmo com que o Brasil vinha reduzindo sua diferença para seleções do nível de nossos vizinhos – e, por associação, do nível dos portugueses – não iria se manter no momento em que o rugby de XV fosse colocado em segundo plano com relação ao rugby sevens, como ocorreu.

Se o objetivo era dar experiência ao elenco, o jogo teve certamente essa serventia. Afinal, os Tupis jogaram com um time do nivel ou até melhor que Teros e Cóndores, adversários de 2014. Assim, a escolha de jovens e inexperientes atletas (do ponto de vista de jogos entre seleções) não é errada. Entretanto, será que essa é a melhor forma de montar um time vencedor?

Talvez esteja já na hora do Brasil construir dois elencos de XV. Um para jogar no mais alto nível possível. E o outro para dar aos atletas emergentes a experiência de treinar no mais alto nível e jogar internacionalmente, o que o dia-a-dia da maior parte dos clubes não oferece. Um time para ganhar, outro para testar. Um mais rodado, com o melhor time do presente, para enfrentar Uruguai, Chile, Portugal. Outro para crescer, jogando contra México, Albatros, Los Tilos e afins.

É evidente que Brasil afora tenhamos atletas com potencial para serem Dan Carters, Bryan Habanas ou Sergio Parisses. Mas, sem o devido preparo físico e técnico e, sobretudo, sem a experiência cotidiana de jogos de nível mais elevado, não é possível fazer o potencial de um atleta se transformar em realidade. Por essa razão, qualquer ideia absurda de que atletas de time X, que joga apenas um campeonato estadual, ou de time Y, que não consegue superar os melhores times do país, deve ser afastada. É inalienável. A base de qualquer seleção brasileira principal deve ser formada pelos melhores atletas dos melhores times do Super 10, porque esse é o nível mais elevado de rugby do país. Porém, que alguns atletas que atuam em seus clubes em níveis inferiores sejam convocados é compreensível se esses atletas tiverem qualidade. O treinamento com a seleção poderá garantir que eles joguem no nível dos demais, evidente. Mas, creio que ainda é pouco e, por isso, defendo – como já defendi antes – que é necessário criarmos o quanto antes seleções estaduais, para ajudar atletas de clubes menores a jogarem em um nível maior.

A seleção brasileira entrou em campo com alguns atletas que não jogaram ou pouco jogaram no Super 10, mas com experiência em clubes estrangeiros ou seleções de base. Ainda assim, é para não “queimar” tais atletas, que têm potencial que talvez o jogo contra Portugal não fosse o mais apropriado para eles. Ou talvez que o trabalho com uma segunda seleção fosse tão importante. Eu entendo que seja benéfico para o desenvolvimento desses atletas um jogo desse nível. Mas, uma derrota de 68 x 0 não é muito bem conciliável com um jogo que foi propagandeado pela própria Confederação como o maior da história da seleção, transmitido em rede nacional para a TV e com público presente no estádio ávido por uma boa apresentação. Se for para ter um jogo com o objetivo de dar experiência de alto nível para alguns atletas, não era melhor enfrentar um clube argentino fora dos holofotes? Uma seleção-laboratório pode ter o ônus de uma imagem ruim perante o público depois de tanta expectativa pelo jogo criada pela própria organização.

 

Jogar, jogar e jogar, e com mais de um elenco

Independente se a montagem da seleção foi a mais adequada e compatível com a expectativa criada pelo jogo, o ponto central é outro. Não basta reunir a seleção e prepará-la para um jogo contra um time forte, levar uma surra, e depois só voltar a ter um jogo daqui mais de três meses. Seria necessário que os Tupis tivessem jogado ao menos uma vez mais neste mês, para se ter um melhor diagnóstico da equipe e para que as lições aprendidas contra os Lobos fossem realmente absorvidas. Sei bem que a CBRu está trabalhando para ampliar o calendário da seleção e que os Tupis ainda deveriam ter jogado neste fim de ano a Copa Emirates de Nações, cancelada. A crítica aqui não é propriamente ao trabalho hoje realizado, mas um diagnóstico do que é necessário daqui para frente.

Se o Brasil quiser ser grande, ele necessitará entrar de vez dentro do calendário de amistosos internacionais, jogando no mínimo 2 vezes em junho e 2 vezes em novembro (sem contar o Sul-Americano e possíveis amistosos preparatórios para ele). O Uruguai – cuja seleção é amadora – teve pela frente em 2013 mais de uma dúzia de amistosos internacionais, contra seleções nacionais, seleções regionais argentinas e clubes argentinos, além do Sul-Americano. Portugal, 5 jogos do Europeu de Nações e mais 6 amistosos contra seleções nacionais, além dos jogos do Lusitanos XV. O Brasil jogou três amistosos internacionais (sendo 2 contra o México) e três jogos contra clubes argentinos longe da força máxima. É pouco para batermos de frente com Teros, Cóndores ou Lobos. Se o rugby de clubes nacional tem qualidade insuficiente para elevar o nível da seleção, então é necessário fazer a seleção jogar o máximo possível. Isso, obviamente, demanda dinheiro, e se fosse tão simples creio que já teria sido feito. Mas, se há uma explicação ampla coerente sobre os últimos resultados e um caminho para o futuro é jogar, jogar e jogar. 

 

Novo calendário dentro da América do Sul

Para sanar a necessidade por jogos internacionais de nível, o Brasil não precisar ir longe. Basta ir à Argentina. Ainda não temos as datas do Sul-Americano de 2014 e, em geral, elas não ajudam muito na busca por oponentes de nível nos amistosos preparatórios. Ainda assim, intensificar o intercâmbio com os argentinos nesse período é fórmula que o Brasil bem conhece e pode usar mais. O retorno de um Cross-Border poderia ser proveitoso, mas não depende apenas da ação da Confederação.

Entretanto, talvez mais importante ainda – e mais complicado de se materializar – seria introduzir a seleção brasileira em mais uma competição anual de nível comparável ou superior ao Sul-Americano. E essa competição está aqui do lado: o Campeonato Argentino de Uniões (seleções provinciais). Tanto Uruguai como Chile já disputaram o torneio, mas abandonaram a competição com a mudança do calendário (com o Argentino passando do inicio para o fim do ano). O Argentino antes era entendido por uruguaios e chilenos como preparação para o Sul-Americano. E o Brasil, de sua parte, não quis o torneio por ser convidado para a terceira divisão – enquanto uruguaios e chilenos jogavam a primeira. Ambos, na minha visão, estão errados. O Campeonato Argentino não é preparação para nada. É uma competição que vale por si só, por conta de seu nível. Ele é o torneio de alto nível que todas as demais seleções sul-americanas precisam, da mesma forma que os argentinos usam a Vodacom Cup sul-africana para crescerem. Ele pode não valer pontos no ranking mundial, mas é crucial para o desenvolvimento técnico das seleções e, acima de tudo, é acessível, por estar sendo disputado aqui do lado, em nossos vizinhos.

Pensando em um calendário de mais de 12 datas para a seleção, certamente temos no horizonte plausível 3 a 5 jogos no Campeonato Argentino em outubro/novembro, 3 jogos no Sul-Americano entre março e maio, 2 jogos em junho contra seleções nacionais, 2 jogos em novembro contra seleções nacionais (a serem alinhadas com o Argentino) e mais 2 jogos contra clubes ou combinados argentinos antes do Sul-Americano. É claro que tudo isso talvez não seja ainda financeiramente viável. Mas, trata-se de um horizonte a ser trabalhado, pois é a realidade de seleções como Uruguai, Chile e Portugal.