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O rugby é um esporte de contato que requer a criação e o uso do espaço. É pelo contato que os atletas criam o espaço que necessitam para atacar, o que propicia trauma e lesões. E a prevalência dessas lesões, comuns tantos nos treinos quanto nos jogos, é grande e tende a aumentar com a ascensão da competitividade e do número de praticantes. Por essas e outras razões, a atenção da odontologia do esporte se volta a essa modalidade, buscando entender quais as características que justificam a atenção especializada da odontologia e que devem ser levadas em consideração para elaboração de uma assistência odontológica o mais exclusiva possível ao rugby.

Primeiramente, é importante ressaltar que, embora seja um esporte de contato, com alta prevalência de lesões, o rugby não se caracteriza como um esporte violento ou que incite a violência. Pelo contrário, suas regras bem definidas protegem os jogadores, como por exemplo, o fato de o jogador que não estiver com a posse da bola não poder se “tackleado” e o próprio tackle deve ser feito abaixo da linha do pescoço ou o” tackleador” será penalizado. A forma que esse ataque acontece também é pré-determinada não sendo deixado ao acaso e à vontade de apenas derrubar o oponente, dessa forma ao ser “abraçado” e levado ao chão, tanto tackleador quanto tackleado acabam protegidos. Além disso, o juiz de um jogo de rugby possui poder total sobre jogo e atletas, premissa que é levada muito a sério entre seus praticantes e que acaba por diminuir faltas maldosas, com intenção de machucar. A própria filosofia do rugby não favorece este tipo de situação, sendo que os ensinamentos a ele acoplados vem sendo carregados durante todos esses anos e seus praticantes se esforçam para mantê-los vivos.

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No rugby, preza-se pelo respeito entre os companheiros, os adversários, a arbitragem e aos torcedores. Além da disciplina e a paixão com a qual é jogado, também são priorizados valores como integridade, respeito e solidariedade. Uma particularidade desse esporte muito interessante é o chamado “terceiro tempo” que consiste na reunião das duas equipes para comemorar o jogo e esquecer a possível rivalidade existente entre as duas equipes, sob a política do “que aconteceu em campo, fica no campo”, ressalta a camaradagem entre os jogadores e entre as torcidas. Talvez por essa filosofia diferenciada que o rugby está sendo cada vez mais indicado como alternativa em programas de inclusão social, com resultados bastante positivos. Logo, a Odontologia não pode olhar para este esporte como uma fonte inesgotável de traumas bucodentários e lesões musculares apenas por ser um esporte de contato e não entender suas especificidades. Todas essas características indicam que em casos de traumas eles serão acidentais (não intencionais), e em sua maioria podem ser evitados com a correta indicação e uso de protetores bucais e capacetes. A preocupação dos cirurgiões-dentistas é que mesmo com uma natureza de contato bastante forte, o uso de protetores bucais não é unanimidade entre os atletas, mesmo que estes entendam a importância do uso desses dispositivos.

A partir de 1998, na Nova Zelândia o uso do protetor virou obrigatório em todas as ligas locais. Desde então o percentual de atletas que utilizavam o protetor subiu de 67% para 93% até 2003 e este aumento na utilização promoveu uma redução de 43% nos traumas dentários. Foi comparado o risco de sofrer traumas dentários entre quem utilizava e quem não utilizava o protetor, e quantificado uma chance de 4,6 vezes maior de sofrer traumas em quem não utilizava o dispositivo (2). Pensando em custos, a redução de problemas promovida pela utilização do protetor gerou uma economia de 1,87 milhões de dólares neozelandeses. Com isso, podemos concluir que traumas e lesões apresentam outras consequências além das físicas. Devem ser consideradas como implicações decorrentes das lesões a interrupção dos jogos, comprometendo a integridade do atleta e muitas vezes a estabilidade do time inteiro e produzindo um tempo de recuperação a curto ou longo prazo que pode representar uma preocupação econômica para clubes esportivos e seus patrocinadores. Dessa forma, o uso dos protetores bucais vai além da proteção aos dentes, mucosa ou gengiva. Alguns dos motivos que os atletas utilizam para justificar o não uso dos protetores são: a dificuldade na respiração, deglutição de líquidos, comunicação, conforto e alto custo.

Primeiramente, temos que deixar bem claro que existem vários tipos de protetores e realmente, os protetores com tamanho padrão e os pré-fabricados (vendidos em lojas de artigos desportivos), por não se adaptarem corretamente à arcada dentária acabam dificultando a respiração e comunicação, pois para mantê-lo no lugar muitas vezes o atleta precisa manter a boca fechada, o que inviabiliza essas atividades da forma ideal. Esses tipos de protetores também perdem muitos pontos no quesito conforto. Por muitos anos sendo expostos apenas a essas modalidades de protetores bucais, até mesmo por falta de orientação, os atletas acreditam que sempre enfrentarão essas dificuldades, o que não é realidade e vem sendo provado por pesquisas científicas (que utilizam protetores bucais personalizados) sistematicamente. Quanto à questão do custo, um estudo realizado em Israel demonstrou que mesmo quando fornecido gratuitamente o protetor bucal não é utilizado (3). O estudo foi realizado com protetores pré-fabricados do tipo “ferve e morde”, demonstrando que o custo por si só não é determinante para a aceitação do protetor bucal, outros aspectos ainda predominam. A sensibilização dos atletas é mais importante e deve ser realizada pelos treinadores e pais, pela sua influência nos atletas (4), mas também pelos profissionais da saúde que acompanham esses jogadores. O protetor bucal personalizado é mais eficiente uma vez que dissipa melhor as forças recebidas, adapta-se com precisão a arcada do atleta, possibilitando uma respiração sem interferências e uma comunicação com o mínimo de dificuldade, dependendo da adaptação e a frequência que o atleta utiliza o protetor.

Tendo em vista as características da modalidade, por ser de contato, porém não de combate, a espessura do protetor bucal para o rugby deve ser de 4mm, para proteger contra os traumas mas o desenho do protetor deve ser elaborado para interferir minimamente em todos os aspectos necessários durante o treino e jogos, como respiração, comunicação, conforto e deglutição.

O desenho do protetor é importante também, pois em alguns momentos do jogo ou treino é necessário retirar o protetor da boca, logo, se ele for muito retentivo pode ser um fator incomodante, levando o atleta a se machucar ao tentar retirá-lo. Lembrando que se a modalidade for Sevens, jogada em dois tempos de 7 minutos, todo o tempo perdido pela dificuldade em retirar o protetor bucal é prejudicial.

Não é permitido a um jogador de rugby permanecer jogando se estiver sangrando, o que aumenta a importância dos protetores bucais. Mas, principalmente, dos protetores personalizados, que se adaptem a arcada do atleta, pois em situações de trauma, o protetor com tamanho padrão ou o pré-fabricado podem inclusive colaborar para o trauma na mucosa e levar ao sangramento. A importância dos aspectos preventivos da odontologia do esporte quando aplicada ao rugby aparecem nesses casos de sangramento em razão das substituições necessárias nessas situações. Uma vez substituído, o jogador não pode voltar ao campo, exceto quando há uma substituição temporária, o que ocorre justamente nesses casos de sangramento (“blood substitution”), o jogador é substituído por outro do banco, se o atendimento ultrapassar 15 minutos a substituição se torna permanente.

No rugby, os treinos e jogos com intervalos curtos entre si, desfavorecem a recuperação de lesões maiores, a odontologia deve estar atenta a esse fato e criar protocolos de atendimento que considerem essa situação. A orientação de corretos hábitos de higiene bucal e acompanhamento fazem parte de seu papel, bem como tratamentos bucodentários necessários, para evitar que a infecção prejudique a recuperação de outras lesões musculares.

Tendo em vista a pretensão do rugby de se tornar o segundo maior esporte a ser praticado no país é importante que os cirurgiões-dentistas do esporte conheçam esta modalidade, suas características e considere-as em seus trabalhos e orientações, para assim facilitar a aceitação por parte de seus praticantes. A perspectiva é positiva.

Referências:
1. Chapman PJ. Mouthguards and the role of sporting team dentists. Australian dental journal [Internet]. 1989 Feb [cited 2013 Jul 7];34(1):36–43. Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/2650670
2. Marshall SW, Waller a E, Loomis DP, Feehan M, Chalmers DJ, Bird YN, et al. Use of protective equipment in a cohort of rugby players. Medicine and science in sports and exercise [Internet]. 2001 Dec;33(12):2131–8. Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/11740310
3. Zadik Y, Levin L. Does a free-of-charge distribution of boil-and-bite mouthguards to young adult amateur sportsmen affect oral and facial trauma? Dental traumatology : official publication of International Association for Dental Traumatology [Internet]. 2009 Feb [cited 2013 Jun 23];25(1):69–72. Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/19208013
4. Gardiner DM, Ranalli DN. Attitudinal factors influencing mouthguard utilization. Dental clinics of North America [Internet]. 2000 Jan [cited 2013 Jun 23];44(1):53–65. Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/10635468

 

Escrito por: Clara Padilha – Cirurgiã dentista especialista em odontologia do esporte