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ARTIGO OPINATIVO – Series arrumadas, Springboks continuam sem perder para os British and Irish Lions neste século XXI, e é altura de fecharmos a “emissão” com cinco destaques interessantes sobre umas series emotivas, intensas e apaixonantes, que ofereceram tudo aquilo que queríamos (ou não) ver em 2021.

 

O MVP: LUKHANYO AM E MARO ITOJE, ERGAM-SE

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Um centro e um asa, um avançado e um 3/4’s, dois lutadores imensos, supra-inteligentes na leitura de jogo ou como podem fazer a diferença tanto nos pequenos como grandes pormenores, tendo estado directamente relacionados com os melhores momentos nos Springboks e British and Irish Lions. Comecemos por Lukhanyo Am, centro de 27 anos que atingiu no fim das series as 17 internacionalizações, assumindo-se como imprescindível para o plano de jogo de Jacques Nienaber e Rassie Erasmus, principalmente na vertente de defensa e na pressão alta, onde se impõe como uma extraordinária unidade, que consegue seguir à risca o planeado impondo no fim sempre uma placagem agressiva e que, em certas ocasiões, disponibiliza o placado para os seus colegas de equipa roubarem a bola no pós-placagem.

Se a história de Am nestas series se ficasse só pela análise dos números e dados, não impressionaria num primeiro olhar, já que “só” efectuou 20 placagens (e mais 3 falhadas) e 2 turnovers, no que concerne à estatística na defesa, enquanto no ataque conseguiu um ensaio, duas quebras-de-linha, quatro defesas-batidos e um offload. Mas, se tiverem a paciência de reverem os três test matches, Am foi a unidade de maior importância para a África do Sul, afirmando-se como a principal “arma” para desmontar os processos de ataque dos Lions, seja pela pressão alta, o reduzir do ângulo e gama de opções do abertura ou centro contrário ou por armar uma placagem, que não é uma qualquer, já que se assume como decisiva para parar uma vaga ofensiva contrária perigosa. Esta foi a história de Lukhanyo Am nas series, de um jogador que assumiu as rédeas de ser a maior voz dos 3/4’s dos campeões do Mundo em título. E, Itoje?

O 2ª linha foi nomeado o melhor jogador dos British and Irish Lions, somando este prémio ao MOTM do 1º jogo (vitória por 22-17), imperando com estilo nos alinhamentos, com uma fome voraz para conquistar a oval no breakdown, de surpreender a defesa adversária com uma intercepção e sair a jogar velozmente, silenciando as vozes que duvidavam da qualidade de Maro Itoje. No somar das series, o avançado coleccionou 5 turnovers (todos legais, por mais que haja uma narrativa a circular), 23 placagens (mais 2 falhadas), 1 intercepção, 2 quebras-de-linha, 5 defesas batidos, 2 penalidades conquistadas e ainda 4 roubos no alinhamento, números que o colocam como um dos maiores jogadores desta tour de 2021.

O MOMENTO DAS SERIES: MORNÉ STEYN É CHAMADO À RECEPÇÃO

Minuto 65, Morné Steyn está junto à linha à espera que Mathieu Raynal dê ordem para substituição, com o abertura de 37 anos destinado a entrar no lugar de Handré Pollard. Alguns adeptos dos Lions voltam a ter flashes do passado, mais precisamente de há 12 anos atrás, quando Steyn converteu os 3 pontos que deram a vitória à África do Sul nas series de 2009, pondo um fim precoce a essa visita dos britânicos-irlandenses. Ficou para todo-o- tempo visto como o homem que ofereceu ou impôs uma dose de humildade aos homens que empunham as camisolas vermelha-escarlate, e poucos sonhavam que o abertura seria convocado para este trio de embates épicos, quanto mais jogar ou ter ser ele a voltar a assinar a folha como o homem que marcaria novamente os três pontos finais.

Num jogo que foi disputado até ao último sopro de ar, em que a magia de Finn Russell criou problemas e o sacrifício de Siya Kolisi ia devolvendo uma boa resposta, chegou o momento da entrada de Morné Steyn… O 10 pisa o relvado do Estádio da Cidade do Cabo, começa a dar ordens e indicações e vai incutindo confiança catalisada por décadas de experiência como jogador profissional, até que chega o momento decisivo, o momento em que é chamado à responsabilidade de converter três fundamentais pontos. Posicionou a oval, esboçou a exacta mesma postura e técnica, correu na sua direção e encaixou o pé no sitio certo. 3 pontos, uma combinação de sabores entre o passado dourado e o presente… Também ele, dourado. Correram mais uns quantos minutos até que Raynal apitou uma penalidade a favor dos Springboks, que Morné Steyn recebeu as honras de colocá-la fora e fechar as Series. O momento dos 78′. Ou dos 65′ em que entrou para ter 15 minutos de glória. Salve Morné, o colosso dos Boks.

QUEM FEZ MAIS FALTA: DUANE VERMEULEN OU FINN RUSSELL?

Sim, sim, Finn Russell jogou 55 minutos do último encontro, mas efectivamente esteve fora de combate durante os dois primeiros test matches ante os Springboks, e depois de termos visto o seu impacto nesse espaço de tempo, é impossível não pensar se algo teria sido diferente com o “louco” escocês dentro de campo, especialmente na derrota no jogo nº2. Contudo, terá Duane Vermeulen feito mais falta? O lendário nº8 é um poço de energia e de “agressão” constante, de imposição física carregada de detalhes técnicos que, podendo não estar à vista de todos, fazem a diferença quando parte para cima do contacto, elevando a forma ou ideia de jogar dos Springboks a cada nova prestação. Faltou, em diversas situações, a monstruosidade de Vermeulen no contacto, de assaltar o maul adversário, de partir para a “luta” física e de se assumir como o alvo a abater, de querer ser o primeiro a fazer a diferença e o último a sair da refrega física de cada jogo.

O 8 fez falta aos Springboks, sem dúvida alguma, pois mesmo nas duas vitórias finais sentiu-se falta da estabilidade emocional e física que Vermeulen confere, da certeza na saída com a bola controlada, no ser um baluarte de confiança na recepção aos pontapés altos, emulando-se como um dos maiores nomes do elenco de Rassie Erasmus e Jacques Nienaber. Por outro lado, Finn Russell mal entrou em campo alterou a estratégia de jogo, puxando por uma estratégia ambiciosa, de maior risco nas transições, de procurar criar e montar linhas-de-ataque com a oval na mão, sempre na procura de surpreender a defesa sul-africana que, após a entrada do abertura, sentiu graves dificuldades para imobilizar a voracidade dos Lions, tendo tido alguma sorte nas más decisões esboçadas por alguns jogadores da selecção comandada por Warren Gatland. Tivessem ambos estado disponíveis fisicamente, talvez as series teriam sido amplamente diferente na forma de se jogar… e, talvez, no resultado?

O ÁRBITRO QUE SABE: MATHIEU RAYNAL E UMA LIÇÃO DE COMO BEM APITAR

Um ou outro erro, nada de mais, e uma exibição que pôs os jogadores (e Rassie Erasmus) no lugar, foi deste modo que Mathieu Raynal decidiu arbitrar o 3º e decisivo encontro das series entre Springboks e British and Irish Lions. Não houve espaço para “conversas”, ninguém teve direito a brincar com decisões, sempre que uma equipa tentava fazer algo na margem do legal/ilegal sofria imediatamente uma falta, como aconteceu quando os avançados dos Springboks ou Lions fechavam o corredor do alinhamento.

Discurso directo, simples e coeso, sério e sem espaço para à vontades excessivos, de revisão dos lances até ao último pormenor para que Rassie Erasmus não tivesse oportunidade de fazer mais nenhum vídeo de uma hora, controlando as emoções do encontro mesmo quando parecia se desencadear algum tipo de escaramuça, o que acabou por surtir efeito a favor do espectáculo, jogo limpo (Springboks tentaram, no entanto, fazer limpezas ilegais nos rucks ou após placagens, sendo que esse “pormenor” só poderia ser captador pelo TMO ou juizes-de-linha) e de uma sensação que há árbitros de grande nível no rugby mundial.

Se Nic Berry foi uma desilusão (esperada) e Ben O’Keefe tentou não desagradar a equipa técnica da África do Sul, já Mathieu Raynal não quis saber as queixas quer de um lado ou do outro, preocupando-se em garantir o melhor jogo das series, aguentando qualquer frustração dos jogadores do principio ao fim do encontro.

A LIÇÃO: RUGBY TOTAL NÃO É O ÚNICO RUGBY PERMITIDO

Diversos adeptos, comentadores e treinadores (Ian Foster, por exemplo) soltaram comentários depreciativos em relação ao rugby jogado quer pelos British and Irish Lions ou Springboks, afirmando que era “aborrecido”, “maçador” e “sem vida”, para depois afirmarem que o verdadeiro rugby era aquele jogado no risco, no offload, em ataques loucos despreocupados com a defesa, de exposição total, etc. A cultura desportiva do rugby tem vindo a piorar com o tempo (e já falámos disto no último ponto do artigo anterior, que convidamos a relerem), com uma franja de seguidores a quase exigir que se jogue tudo na mesma base do ataque expressivo, do assumir total do risco, de se deixar os pontapés de lado e ser tudo jogado à mão, longe das formações-ordenadas, mauls ou piques.

Este idealismo só pode ser entendido como um pensamento plastificado e de falta de compreensão que qualquer modalidade, seja colectiva ou individual, pode ter formas diversas de ser jogada e de se trilhar o caminho para a vitória, quer seja pelo show de oflloads das Fiji, do ataque em constante apoio dos All Blacks, do executar de uma estratégia ao pé destrutiva ou de uma combinação de diversos destes e outros factores, que potenciam um dado desporto para outro patamar de diversificação e oferta. Qual é o objectivo de uma selecção como os Springboks? Ganhar. Qual é a dos British and Irish Lions? Ganhar. Nada muda, jogar ao estilo dos Barbarians é o caminho certo para somar derrotas pesadas contra as principais nações do rugby mundial, e mesmo numas series que valem pouco mais do que a história, o factor ganhar, conquistar e vencer são imperativos quer para os jogadores, treinadores ou dirigentes.

Não, não estamos a dizer que a qualidade de jogo do 1º test match entre Springboks e Lions foi perfeita, boa ou de grande qualidade, mas o rugby encontrado nos jogos seguintes já foi o suficiente para agarrar qualquer pessoa ao computador/televisão/telemóvel, e sentir um nervoso miudinho em diversos momentos desses jogos. Rugby físico, rugby “duro”, rugby total, rugby caótico e anárquico, são todas fórmulas que merecem coexistir, de modo a termos espectáculos sempre diferentes, de uma combinação de tonalidades entusiasmantes e de ínfima paixão, quer surjam offloads ou não, quer tenhamos ensaios de costa-a-costa ou não.