Tempo de leitura: 9 minutos

ed clark

Edouard Clark não nasceu no Brasil, mas aqui cresceu e jogou pela Seleção Brasileira M18, antes de tentar carreira no exterior. Saído do Rio Rugby, Ed se aventurou na África do Sul, onde treinou e teve contato com vários Springboks, depois foi para a Escócia e o País de Gales, onde jogou Rugby League, além de ter atuado em países mais fracos como Bélgica e Alemanha. Ed Clark é um viajante do rugby, com uma experiência inspiradora a todos os rugbiers que queiram ir longe no esporte. Union, League, Europa, África do Sul, Tier 1, Tier 3. Ed conhece todas as facetas do rugby!

 

- Continua depois da publicidade -

Ficha Técnica

Nome: Edouard Clark

Apelido: Ed, Eddie

Posição: (Union) scrum-half, abertura, ponta e full back, (League) hooker e ponta

Clubes por onde passou: La Hulpe Rugby Clube, Rio Rugby Football Club, Escola Americana RJ, College Rovers, Sharks Academy, Edinburgh Accies, Swansea University Rugby Union & League, Munich Rugby Football Club

Seleções: Brasil M-18, Fluminense M-19

 

 1 – Poderia nos contar um pouco sobre você? Como chegou ao Brasil? Por onde você passou e como conseguiu materializar o sonho de jogar rugby na Europa e na África do Sul? 

Sou francês e inglês. Nasci em Paris, depois me mudei para a Inglaterra, passando lá 5 anos. Depois morei durante 9 anos na Bélgica, onde comecei o rugby, aos 6 anos de idade. Depois desses 9 anos o trabalho do meu pai, ele nos levou para o Rio de Janeiro. Acabei meus últimos 3 anos de escola no Rio, conseguindo jogar pelo Rio juvenil e adulto. Eu também tive o orgulho de jogar pela seleção juvenil durante o Sul-Americano B, em 2007. Desde pequeno, meu sonho era jogar rugby todos os dias com pessoas que amavam o esporte tanto que eu; ser profissional. Esse sonho morreu quando me mudei para o país de futebol em 2006, mas nasceu de novo quando o Leonardo conseguiu ir para os Blue Bulls, me incentivando a mandar meu currículo. Meus pais me apoiaram, mas só se eu estudasse algo também. Os Sharks ofereciam estudar várias matérias, então isso era perfeito. Depois da Africa do Sul, eu quis continuar meus estudos na Inglaterra, então joguei em Edimburgo, enquanto eu esperava ser aceito de algumas universidades pelas quais me candidatei.

ed clark rio

2 – Como você chegou aos Sharks? 

O Leonardo me disse que o Sharks Academy tinha uma boa reputação, com jogadores famosos como Beast Mtawawira, Francois Steyn e JP Pietersen, que saíram de lá jogando pelo time principal do Sharks e pelos Springboks. Com opção de estudar, eu não larguei a oportunidade de mandar meu currículo e cartas de referência dos técnicos que acreditavam em mim. Me responderam pedindo minha altura, peso, tempo de corrida de 10 e 40 metros, peso máximo no supino etc… Depois que mandei, não recebi nenhuma noticia. A opção agora era para ir para o Blue Bulls, que já haviam me aceitado, mas meus pais eram muito contra (porque eu não teria como estudar ao mesmo tempo). Finalmente, eu e meu pai decidimos ligar para o numero de telefone do Gerente do Sharks Academy, não tinhamos nada a perder. Nos falamos durante meia hora por telefone. Eu dizia o quanto me dedicava para fazer o melhor, para chegar no nível mais alto possível. Também falei que se eu mandasse bem e virasse profissional, seria uma publicidade muito boa para o Sharks (acho que ele gostou disso). No dia seguinte, me mandaram um email de confirmação de que havia sido aceito no Sharks Academy. Passei 9 meses lá em Durban.

 

3 – E ao rugby britânico?

Depois da minha temporada no Sharks, tive quase um ano até que meus estudos começassem. Então, procurei clubes profissionais. Acabei escolhendo o Edinburgh Accies, porque me oferecia um lugar onde dormir, academia e trabalho pago. Fiquei 5 meses na Escócia, e depois de ser aceito na Universidade de Swansea, me mudei para Gales, onde continuo estudando Negócios. Joguei um ano de rugby union pela universidade, e nesse ano comecei rugby league. Agora estou no meu segundo ano em Swansea.

 

4 – Quais foram seus momentos mais memoráveis no rugby britânico? 

Na Escócia, foi quando ganhei a Copa dos Estudantes com o M20 do Edinburgh Accies. Um outro momento foi quando fiz três tries contra a Universidade de Edimburgo num campeonato de sevens. No País de Gales, o primeiro foi no ano passado quando ganhei o Freshers Varsity Cup, um jogo entre os primeiros anos das universidades de Cardiff e de Swansea. Era o jogo ‘derby’ mais antecipado do ano. O segundo foi a minha chamada para participar dos treinos de seletiva da Seleção Galesa de Estudantes, de rugby league, para competir na Copa do Mundo dos Estudantes. Acabei não indo por causa de um estágio ja confirmado.

ed clark swansea

5 – E na África do Sul?

O primeiro treino na academia e no terreno foi bem memorável. Eu estava treinando com um dos melhores jogadores da minha idade da Africa do Sul. Um deles eram Patrick Lambie, agora jogando de abertura ou fullback pelos Springboks. Tenho três amigos que estão jogando pelo time principal: Cobus Reinach, Gouws Prinsloo e Sibusiso Sithole, que às vezes joga na seleção de sevens. O primeiro treino foi tão difícil, alguns vomitaram. Lembro que no começo tinha que fazer 20 flexões e depois subir uma corda de 5 metros 6 vezes!

Um outro momento foi quando o legendário Jason Robinson veio para ensinar a orfanatos como jogar tag rugby. Eu tinha que fazer uma demonstração com outros jogadores do Academy com ele… consegui pegar o tag dele! O momento mais memorável foi quando joguei de scrum-half num jogo de seletiva para escolher o Sharks M-21. Na época eu tinha 18 anos, era para eu jogar na seletiva para M-19 mas o scrum-half desse jogo estava faltando e eu estava assistindo nas arquibancadas. Fui chamado. Esse jogo foi o melhor da minha vida. Tinha 4 jogadores que já haviam jogado pela seleção sul-africana M-20 e M-19 no meu time. Consegui fazer 2 tries numa temporada. O melhor de tudo foi quando um dos técnicos (Deon Kayser, ex Springbok) me falou que ganhei o respeito e o mérito de estar no Sharks.

 

6 – Qual a estrutura que você encontrou nos times por onde passou? 

La Hulpe (Bélgica) e Munich RFC(Alemanha) era parecido ao Rio Rugby. Como o Leonardo explicou: um pouco desorganizado, mas melhorando a cada ano. Os times geralmente tinham um técnico que era jogador também com experiência. O Sharks, era o mais estruturado. Eram vários técnicos de alto nível, alguns eram Springboks, outros eram técnicos de outros times profissionais. Tinha técnico para defesa, chute, forwards, backs etc… Também tinha fisioterapeuta, mas era necessário pagar a mais para falar com uma nutricionista e um psicólogo. Na Escócia, não era a mesma coisa, porque o nível é menor. Eram dois técnicos para o primeiro time e um para cada outro time. No País de Gales, a minha universidade só tem dois técnicos para o primeiro time. Os outros 4 times escolhiam seu capitão, que mandava no treino e selecionava os jogadores. Infelizmente, isso cria muitos problemas ‘políticos’ entre os jogadores. No rugby league temos um técnico que ajuda a disciplinar os treinos mais que os capitães dos times de Union. 

 ed clark sharks

7 – Qual o nível de jogo que você nos países onde esteve? Quais as diferenças que você encontrou com relação ao rugby praticado no Brasil? 

Na Bélgica, onde cresci (de 6 a 14 anos), o nível não é grande. A gente passava a bola para o mais “porradeiro” e tentava ganhar alguns metros, enquanto todos os nossos pais gritavam ‘passa bola para ponta! passa bola!’. Era essa a nossa estratégia! No Rio, tinha um pouco mais, mas faltava gente no treino, e nos jogos ficávamos frustrados e perdidos. Hoje em dia, o Rio Rugby tem mais jogadores vindo aos treinos e estão melhorando cada ano. A organização melhorou muito também. No Brasil, vi que o nível está bem superior em São Paulo. Quando joguei no M-18, só eu e o Mateus (Niterói) éramos do estado do Rio de Janeiro. O nível de jogo na África do Sul está obviamente maior, o rugby é uma religião. Tenho amigos que jogavam tijolos para fortalecer seu passe desde pequeno. Em geral,l os Sul-Africanos são mais fortes, mas especialmente tinham mais técnica e visão de jogo que qualquer outro pais onde já estive. Na Escócia e no País de Gales, acho que os técnicos controlam demais, os jogadores não têm a mesma liberdade que os técnicos sul-africanos dão a seus jogadores. Meus técnicos na África do Sul nos ensinavam como reagir contra o que tinha na frente de nós, e a escolher a melhor opção. Todos os táticos tinham pelo menos 4 opções por jogada para abrir espaços.

 

8 – Como era o dia-a-dia dos clubes onde esteve? Qual a intensidade dos treinamentos? Como era a vivência entre os jogadores e a relação deles com o clube? E como era cultivado o espírito do rugby?

Um dia típico no Sharks era assim: 9h00-10h00 estudos, 10h-11h rugby na grama, 11h-12h academia, 12h-13h almoço, 13h-14h life skills. Às vezes, eram duas horas de rugby, às vezes nos davam aulas de rugby na quadra. A gente não só fazia musculação, como também trabalhava técnicas de corrida, treino passe/chute etc… até o Hernandez (jogador argentino) vinha ensinar chute para nós. Life skills era muito interessante: às vezes vinha uma nutricionista dando dicas, psicólogos, body builders, ou o capitão do time principal vinha falar para a a gente. Eu treinava no Sharks de segunda a sexta, e também treinei pelo College Rovers à noite nas terças e quintas, com jogos no sábado (o clube é da primeira divisão do estado Kwa-Zulu Natal). A competição era muito forte, com muita intensidade, mas éramos todos amigos. Ficávamos felizes por aqueles que mandavam muito. Nos clubes amadores, os treinos geralmente aconteciam uma ou duas vezes por semana, com jogos no sábado. O que todos os clubes têm em comum é o consumo de álcool. Depois de qualquer jogo, muitos bebiam, e poucos não bebiam, até no Sharks! Os galeses são os maiores bebedores. Todos os clubes em que joguei traziam as mesmas virtudes: companheirismo, coragem, disciplina, fraternidade e respeito. O time em que me sinto mais em casa é o Rio Rugby, tem muitos estrangeiros como eu que viajaram também e que amam o Brasil tanto que eu. Eu gosto do fato que todo mundo se mistura sem preconceito de classe social, nacionalidade ou raça. Somos uma grande família e sei que sou bem recebido cada vez que eu volto.

 

9 – O que de mais valioso você tirou das experiências que teve ao redor do mundo?

Bom, meu sonho era virar profissional. Eu segui esse sonho e consegui parcialmente, mas não me arrependo de nada dessa viagem. Aprendi tanto sobre mim, o mundo, as culturas, as línguas e o rugby. Sei que não tem muita gente que tem essas oportunidades. Sou muito grato por isso e pelo apoio da minha família inteira, a namorada e meus amigos que sempre me desejavam o melhor. O rugby sempre vai fazer parte da minha vida, mesmo se preciso enfrentar as brigas com a namorada, porque prefiro jogar no sábado do que caminhar com ela no parque.

 

10 – Como você enxerga a possibilidade de atletas brasileiros irem para o exterior? Qual o caminho para mais jogadores materializarem esse sonho?

É claro que tem possibilidade. O Leonardo conseguiu, eu consegui jogar no exterior, sei que outros jogadores já jogaram na Argentina, França e Inglaterra. O grande problema é o custo e as línguas. Temos que ajudar os brasileiros a aprender Inglês ou espanhol para abrir e facilitar essas oportunidades. Vi que na Copa Juvenil Cultura Inglesa, em 2010, ofereciam uma bolsa para aprender inglês ao melhor atleta do campeonato. Isso é muito bom! Se forem para o exterior, é bom conseguir um emprego. Vejo que muita gente no Brasil fala sobre a importância de força no rugby (que acho bom), mas acho que não tem suficiente entusiasmo para a técnica. É preciso trabalhar a técnica! Não é suficiente empurrar 100kg no supino sem saber passar ao lado direito. Se você tiver tempo, chegue uma hora antes do treino e treine algo que ninguém sabe fazer no seu time. Por exemplo, se você for scrum-half, pratique seu passe do chão e line-out, aprenda o box-kick e quando fazê-lo. Assim, você fica mais valioso no seu time.

ed clark brasil