Foto: All Blacks

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ARTIGO OPINATIVO – A Bledisloe Cup 2020 está entregue – e bem entregue, diga-se – depois de uma exibição virtuosa dos All Blacks que desmantelaram a resistência australiana desde o 1º minuto do encontro e garantiram o 1º troféu da época internacional 2020.

A análise ao que se passou dentro das quatro linhas neste artigo

MVP: Richie Mo’unga (Nova Zelândia)

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Ao fim de 20 internacionalizações pelos All Blacks, Richie Mo’unga foi capaz de realizar uma exibição de um patamar só reservado aos melhores de sempre, não só pela capacidade de furar a linha ou fazer ensaios, mas também no ditar de comandos de jogo inteligentes e de impor um jogo ao pé de constante qualidade, criando sucessivas dificuldades e preocupações para uma defesa completamente partida da Austrália.

Mo’unga foi incisivo quando tinha de ser como aconteceu no seu primeiro ensaio, vislumbrando um erro de defensivo na linha de Nic White e Brandon Paenga-Amosa para rapidamente acelerar e sair disparado até à área de validação, num daqueles lances carregados daquela inteligência vista ao serviço dos Crusaders. Compôs uma combinação boa com Beauden Barrett, com os dois a irem se revezando na posição de movimentador de bola principal, onde a comunicação foi extremamente perfeito e demonstração disso foi o ensaio do abertura… Beauden Barrett no segundo em que pontapeia a oval para fazer aquele pequeno up and under olhou exactamente para o espaço onde estava Mo’unga.

Ou seja, o combo 10-15 funcionou bem e deu outra dinâmica ao ataque dos All Blacks que aproveitaram a volatilidade e genialidade do seu nº10 para assustarem os seus adversários ao ponto que estes pouco ou nada participaram no ataque. Os pontapés perfeitamente teleguiados para as mãos Jordie Barrett ou Caleb Clarke demonstraram que a Nova Zelândia era competente o suficiente para atacar a partir de qualquer ponto do terreno, sustendo o bloco defensivo adversário num limbo difícil em termos de decidir, oferecendo várias soluções e possibilidades aos All Blacks para explorarem o terreno dos Wallabies durante este 3º encontro da Bledisloe Cup e o 1º das revamped Tri-Nations 2020.

Richie Mo’unga foi finalmente aquilo que tem sido nos últimos três anos pelos Crusaders, libertando-se de um constante nervosismo e exibições inconstantes, conseguindo voltar ao jogo mesmo quando foi caçado por Michael Hooper e Marika Koroibete em duas situações diferentes. Dois ensaios, uma assistência e quase 100 metros de conquista para o médio-de-abertura, números mais que suficientes para merecer o prémio de MVP deste encontro!

The Tackling Machine: Sam Whitelock (Nova Zelândia)

Não foi o jogador com maior número de placagens, tendo esse mérito cabido a Michael Hooper com 15 (3 falhadas) e Ned Hannigan com 10, mas foi dos mestres da Nova Zelândia na defesa, roubando a oval por uma vez ruck e outra no contacto, sem esquecer os dois alinhamentos adversários conquistados, somando-se ainda as 9 placagens efectivas, uma das quais mereceu o adjectivo de “dominante“.

Em várias ocasiões é esquecido o impacto técnico e táctico que Samuel Whitelock traz ao jogo, muito por causa da maior visibilidade dada a Broadie Rettalick ou Patrick Tuipulotu, só que após o fecho deste 3º encontro da Bledisloe Cup 2020 é impossível não conceder o prémio de melhor defesa ao lendário segunda-linha neozelandês, tanto pelos dados técnicos já mencionados ou pela inteligência em como vai fechando espaços e recuperando posição na cortina de defesa, comprometendo-se com a missão de ajudar a sua equipa até a um ponto exaustivo e louvável, e esta atitude inspira confiança e força aos seus colegas do lado.

Pode não ser dos avançados mais móveis, uma característica onde até já foi dos melhores tendo perdido progressivamente com o tempo e a alta exigência física das épocas, mas ao ver o seu trabalho hercúleo, desafiante e de grande sacrifício merece todos os elogios ao alcance de um dos melhores de sempre.

O melhor treinador: Ian Foster (Nova Zelândia)

A maior vitória dos All Blacks de sempre fora de casa frente aos seus arquirrivais de sempre é um marco que pertence, neste momento, a Ian Foster depois de uma exibição dominante, totalizadora que por muito pouco não será relembrada como perfeita, faltando só não ter sofrido o ensaio de Noah Lolesio e ter conseguido ter mais impacto nas formações-ordenadas, dos poucos parâmetros que os Wallabies foram capazes de efectivamente igualar.

Em comparação com os números do 2º jogo da Bledisloe Cup, a Nova Zelândia apresentou dados finais melhores em tudo menos no número de ensaios e posse de bola/território, tendo neste encontro atingido os seis enquanto que na vitória por 27-07 em Auckland somente foram marcados quatro. Todavia, e apesar de não terem sido tão esbeltos na hora de atacar como foram a 18 de Outubro com aqueles apontamentos brilhantes de Caleb Clarke, Beauden Barrett ou Ardie Savea, agora foram mais efectivos na posse de bola e no chegar à área de validação, com um poder de “destruição” superior no canal 2, sendo capazes de fazer ensaios de 1ª fase, sem necessitar de usar os apoios ao portador de bola.

Foster tem calibrado o seu elenco a cada novo encontro que passa, corrigindo os pequenos problemas nas combinações a partir do par de centros e no tomar de decisões a partir dos seus principais movimentadores/criadores de jogo como Aaron Smith, Richie Mo’unga e Beauden Barrett, mostrando também uma melhor capacidade de inserção de estreantes em comparação com Dave Rennie, e estes aspectos têm beneficiado a Nova Zelândia em 2020.

Decepções: um mundo de erros dos Wallabies

Se olhássemos só para o número de placagens efectivas e falhadas, que foram de 110 em 124 tentativas (89% de eficácia), até poderia não parecer ter uma má exibição da Austrália no que toca à defesa, contudo mal se junta o resultado histórico de 05-43, é natural que algo de criticamente negativo se passou tanto na arte de dominar na placagem, como no assumir a defesa, no voltar à linha defensiva ou na comunicação entre unidades. Se primeiro ensaio dos All Blacks existem erros de placagem gritantes, já no 2º há claramente uma falta de capacidade de ler o ataque adversário e perceber as intenções de Richie Mo’unga, oferecendo ao rápido abertura um desamparado e estático Brandon Paenga-Amosa, que facilmente foi tirado da frente, abrindo o caminho até ao ensaio.

Poderíamos continuar a apontar os erros categóricos na defesa, como aconteceu também no 2º de Mo’unga em que o pontapé de Beauden Barrett é extraordinário mas fica a pergunta de como existia tanta desorganização nas costas da primeira linha de pressão, mas não são só demasiados no seu número como na falta de qualidade que não pode ser admissível a este nível, mesmo numa equipa em reconstrução e que precisa de tempo. Três jogadores têm responsabilidades máximas no que toca ao organizar as linhas-de-defesa, a forma como se faz pressão e no exigir um levantar do chão e voltar a inserir na linha – a condição física dos Wallabies parecia um ou dois patamares inferior ao dos All Blacks – e são eles Nic White, Noah Lolesio e Dane Haylett-Petty, três dos piores atletas em campo nesta exibição pobre da Austrália.

Se Nic White nunca foi capaz de eletrificar os avançados e dar comandos correctos aos 3/4’s, Lolesio pareceu demasiado perdido e sem capacidade para ajudar a construir uma linha-defensiva de qualidade e Petty foi um jogador a menos durante todo a sua acção, oferecendo demasiado espaço aos pontapés que saíam dos pés dos jogadores da Nova Zelândia.

O ataque foi também desastroso com 20 erros próprios, em que pouco se viu entradas em falso e/ou interiores de Koroibete ou Daugunu, mas em abono da verdade as excessivas alterações no XV acabaram por serem responsáveis pelo fracasso neste aspecto. Dave Rennie perdeu a “batalha” quando apostou num dupla de centros pouco experiente que nunca conseguiram operar bem, abrindo demasiado espaço entre si ou a não terem o génio para fazerem a diferença no ataque.

O excesso de espaço nas costas da defesa e a pressão pouco acelerada da Austrália

Números

Mais metros conquistados: Richie Mo’unga (Nova Zelândia) – 91 metros conquistados;
Mais placagens: Michael Hooper (Austrália) – 15 (3 falhadas);
Mais turnovers: Brandon Paenga-Amosa – 2;
Melhor marcador de ensaios: Richie Mo’unga (Nova Zelândia) – 2 ensaios;
Mais defesas batidos: Richie Mo’unga (Nova Zelândia) – 5;
MVP do Fair Play: Richie Mo’unga (Nova Zelândia);