Foto: All Blacks

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Depois de uma exibição desastrosa há 15 dias, os All Blacks decidiram dominar por completo o 2º encontro frente à Argentina e deram um passo certo pela captura do cetro de campeões das Tri-Nations 2020, ficando a depender do resultado dos Pumas ante os Wallabies na última jornada da competição.

Mas a vitória por 38-00 foi total mérito dos neozelandeses, demérito dos argentinos ou um pouco de ambos? A nossa visão do encontro em quatro pontos.

MVP: Ardie Savea (Nova Zelândia)

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Ardie Savea, Akira Ioane e Nepo Laulala foram as chaves-mestras para explicar o domínio totalmente avassalador dos All Blacks ante os Pumas, e a nossa opção para melhor do encontro recaiu no nº8 da Nova Zelândia, não só pelo belo try conseguido, mas sobretudo pela enormidade na defesa (5 tackles e 2 turnovers) e ataque, tendo neste ponto criado constantes problemas aos tacleadores adversários que por só duas ocasiões foram capazes de efetivamente parar o terceira linha centro no mesmo sítio em que recebeu a oval.

Depois de nos dois últimos jogados ter vivido montanhas-russas, em que tanto era capaz de ser extraordinário e caótico num par de minutos, foi neste último jogo do ano para os neozelandeses que se mostrou totalmente decisivo imprimindo uma fisicalidade totalitária e destrutiva, como se prova pelos 8 tackle busts, 7 defesas batidos, 40 metros e 13 conquistas efetivas da linha de vantagem, forçando aos Pumas a recuar sempre que Ardie Savea entrava no contacto.

Com um timbre agressivo alto, a postura do nº8 deu aquilo que a Nova Zelândia tanto necessita em todos os parâmetros: capacidade física para empurrar os adversários para trás na defesa/ataque; agressividade para nunca desistir de trabalhar no contacto; e serenidade total quando surgem algumas crispações entre jogadores, evocando uma comunicação totalmente limpa e tranquilizadora. Fez falta “este” Ardie Savea nas duas derrotas anteriores, tendo voltado na hora que Ian Foster e os adeptos dos All Blacks mais necessitavam. É importante não esquecer a estrondosa exibição quer de Akira Ioane (focado no ponto seguinte) e Nepo Laulala, já que ambos foram excelentes nas formações e ainda melhor quando chamados a participar na ação com bola, sendo que o asa foi providencial em dois momentos na defesa…

A máquina de tackles: Akira Ioane (Nova Zelândia)

Como dizíamos, Akira Ioane foi essencial durante todo o encontro com 8 tackles efetivos, 2 turnovers, 10 conquistas de bola nos alinhamentos, estando em todo o lado ao mesmo tempo, impondo uma frescura física impressionante e um poder de colisão supremo, que fez mossa a adversários como Marcus Kremer ou Pablo Matera. Dizíamos anteriormente que Ioane se destacou em dois momentos defensivos, um dos quais talvez decisivo na maneira como o encontro acabou por se desenrolar: aos 41 minutos, 1 minuto depois da reentrada no encontro após vinda do intervalo, os Pumas desenharam a sua melhor e única jogada ao largo que ganhou metros e até forçou dois erros defensivos no bloco defensivo neozelandês.

Quando tudo se parecia encaminhar para um try dos Pumas, uma entrada de Facundo Isa acabou “morta” nas mãos de Akira Ioane, que atacou e arrancou a bola do poder do nº8 argentino, devolvendo calma, paz e estabilidade para os All Blacks. Foi um detalhe que pôde ter passado despercebido na altura, mas que efetivamente demonstra a qualidade técnica do asa dos Blues, lendo bem a situação para depois tomar num par de micro segundos uma decisão correta (porque correu bem ou porque efetivamente era a melhor opção?) que beneficiou a sua equipe a curto/médio/longo prazo.

Foi dos jogadores mais criticados em 2018 e 2019, porque detinha todo um potencial técnico e físico de nível mas que parecia completamente amarrada a alguma preguiça e falta de coesão mental, mostrando em 2020 o porquê de ter ser visto como um potencial dono sem discussão da camisola de nº6 dos All Blacks.

O melhor treinador: Ian Foster (Nova Zelândia)

Durante estes Tri-Nations, Ian Foster conseguiu ser o pior e melhor selecionador entre os seus pares, marcando as suas decisões em tons cinzentos, pois tanto foi capaz de ser justo e dar oportunidades aos jogadores que mais mereciam, como também atribui a titularidade a outros que não mereciam tal primazia.

Mantendo a maioria das mesmas peças que alinharam na derrota frente aos Pumas a 14 de Novembro, os All Blacks entraram em campo com outro foco e concentração, impondo uma dose de trabalho mais assertiva, em especial nas formações, não perdendo qualquer alinhamento ou scrum próprio e sendo capaz de recuperar uma série delas dos seus adversários (3 alinhamentos roubados e 3 penalidades impostas aos Pumas no scrum.

Principalmente foi na forma como conseguiram lidar com aquelas ganas da Argentina que a seleção neozelandesa conseguiu ganhar a frente do jogo, focando-se no que podiam controlar, segurando a posse de bola para tentar forçar um erro de defesa contrária ou arriscar num pontapé alto de grande perigo para quem fosse receber na Argentina (Boffelli e Cordero erraram em duas e uma ocasião, respectivamente), fechando os Pumas dentro do seu meio-campo.

A atitude dos jogadores neozelandeses foi totalmente diferente, imune às provocações ou a atitude física da Argentina (que caiu brutalmente entre este jogo e o primeiro, sobretudo nos últimos 20 minutos), capacitando-se que eram melhores na condução de bola e nas entradas no contacto, aceitando os tackles duros e leais/legais da Argentina sem se deixarem ir nessa fisicalidade dos seus adversários.
Mais calma, mais serenidade e mais seriedade, foram as receitas dos All Blacks para sair com uma vitória e ponto de bônus no seu último encontro da temporada.

Não houve qualquer discussão no resultado e os números finais provam esse facto: 533 metros conquistados (mais 400 que a Argentina), 71% de posse de bola, 82% de posse de território, 10 quebras de linha (mais 5 que os Pumas), 26 defensores batidos (mais 21 que os sul-americanos), 100% nas formações e alinhamentos (Pumas estiveram nos 80%), 50 tackles efetivos e 5 furados (os Pumas fizeram 175 tentativas mas só foram capazes de acertar por 149 ocasiões o alvo), 7 penalidades (Pumas com 14) e mais uma série de dados estatísticos que mostram a diferença entre um lado e o outro.

A discussão Richie Mo’unga/Beauden Barrett vai “desparecer” em 2021, pois o atleta dos Blues vai jogar para o Japão durante 7 meses, o que permitirá ao nº10 dos Crusaders e ao selecionador dos All Blacks não ter esta discussão em seu redor durante, pelo menos, um ano. Mas será que este “fantasma” voltará a atacar quando a oportunidade for menos oportuna? E conseguirá Ian Foster perceber que os neozelandeses precisam de ser efetivamente melhores no aspecto mental, na capacidade de aguentar as provocações do adversário e sobreviver às surpresas que possam surgir dentro de campo?

As decepções: Pumas sem capacidade física e mental para atacar

Antes de mais, o aspecto da queda física dos Pumas é um argumento válido para a queda abismal entre o que se passou no primeiro embate frente aos All Blacks para o segundo, mas não explica tudo o que correu mal com os Pumas. Porque caso digamos que só a característica física é o denominador incomum entre ambas, então a argumentação cai por terra, já que os erros dos Pumas de 2017/2018/2019 continuam a surgir em 2020, e falamos da condução de bola no jogo contínuo, setor que está totalmente fragilizado e sem capacidade de resposta para quando é necessário surgir.

Nos 80 minutos deste encontro, só por uma vez a Argentina foi capaz de andar mais de 60 metros com a bola em seu poder, acontecendo isso aos 41 minutos, no único momento em que os Pumas podiam efetivamente ter acabado dentro da área de try, sem que isso acontecesse por via da melhor agressividade e inteligência defensiva dos All Blacks.

E só conseguir fazer uma jogada com princípio (conquista de bola na formação), meio (condução de bola entre as linhas atrasadas e criação de brechas na defesa contrária) e fim (formalmente fazer fases e ganhar metros) durante todo um jogo é absurdamente pouco para uma Argentina que em outros anos, nem muito distantes, eram capazes de fazer bem mais e melhor. A preocupação dos jogadores da Argentina recaia em tudo aquilo que não deviam se preocupar, constantemente a chamar a atenção do árbitro, a tentar desestabilizar os seus adversários a nível emocional e a quererem se entregar mais à refrega do que efetivamente pensarem o jogo, elementos que servem para ganhar um par de jogos, mas não para se ganharem troféus ou campeonatos.

Faltou a garra daquele jogo de dia 14 de Novembro, a entrega física e o carisma total, não há dúvidas, contudo a pergunta que fica é se aquilo que aconteceu há duas semanas atrás foi uma exceção e algo saído dos confins dos jogadores da Argentina ou se o que se passou a 28 de Novembro é o verdadeiro retrato desta Argentina de Ledesma? Para a responder a esta pergunta, basta dizer que nenhum dos cenários é o verdadeiro, pois em ambos residem pormenores que se complementam e podem realmente nos dar a verdadeira imagem destes Pumas. Gigantes na alma, acérrimos tacleadores e grandes trabalhadores naqueles parâmetros de jogo mais complicados, mas sem o brilhantismo técnico que se espera de uma seleção do seu patamar.

Números

Mais metros conquistados: Will Jordan (Nova Zelândia) – 125 metros;
Mais placagens: Marcus Kremer (Argentina) – 15 (3 falhadas)
Mais turnovers: Sam Cane (Nova Zelândia) – 2 turnovers
Melhor marcador de tries: Will Jordan (Nova Zelândia) – 2 tries
Mais defensores batidos: Ardie Savea (Nova Zelândia) – 7 defensores batidos
MVP do Fair Play: Ardie Savea (Nova Zeândia)

O try de Ardie Savea