Michael Hooper liderou os Wallabies em seu 100º jogo pela seleção. Foto: Rugby.com.au

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Foi com uma igualdade a 16 pontos que a Bledisloe Cup 2020 começou, com nem os All Blacks ou Wallabies a terem o engenho para desbloquear um empate que até podia ter sido desfeito caso tivessem acertado os pontapés entre os postes disponibilizados durante vários momentos do jogo.

Mas quem esteve melhor em campo? E quais foram os principais destaques? A nossa análise ao que se passou neste Jogo 1 de uma série de jogos que promete muito mais.

MVP: Daugunu, enche o jogo na estreia

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O ponta de 25 anos, formado em parte nas Ilhas Fiji e que desde 2016 joga na Austrália, entrou em campo como um dos alguns estreantes dos Wallabies e no cômputo final foi uma das principais ameaças da força visitante não só pelos extraordinários números, mas também pelas valências que trouxe ao ataque e defesa dos comandados de Dave Rennie. Vamos então começar pelas estatísticas que ajudam a desenhar a nossa argumentação: 130 metros com a oval em seu poder, duas quebras de linha, quatro defensores batidos, dois offloads, dez tackles efetivos (três perdidos) e um try.

Inserindo estes dados nas tabelas de “quem fez mais”, Daugunu foi o jogador que mais terreno percorreu, o segundo com mais defensores batidos (Nic White foi capaz de ludibriar 6 adversários naquelas fintas de passe inteligentes e maliciosos que realizou durante o encontro), empatou na frente no furar da linha adversária a par de George Bridge e Jordie Barrett, tendo sido dos 3/4’s com mais tackles realizados no encontro (falaremos deste aspecto do tackle noutra seção). Ou seja, foi talvez o atleta mais perigoso com e sem a oval em seu poder, pois sempre que começava a desenhar a linha de corrida arrastava um par de adversários consigo, facilitando a missão de Nic White em explorar o espaço e dar outro sentido à posse de bola dos Wallabies que foram a equipa mais dominante nesse aspecto durante toda a extensão do jogo – lembrar que jogaram no campo adversário, sendo um pormenor assinalável.

O ponta dos Queensland Reds foi seguro nos pontapés com capacidade para os receber e partir para uma fase de conquista efetiva, o que obrigou uma disposição defensiva dos pontas da Nova Zelândia diferente e mais impressionante, elevando assim a dose de agressividade dos australianos na presença territorial. Se o try nasceu de um erro de Damian McKenzie, a verdade é que Daugunu foi o responsável por uma mão cheia de jogadas que desbravou terreno e deixou a defesa dos All Blacks em apuros, forçando a uma defesa sempre em alerta e esticada, impedindo desta maneira que o impacto do nº14 da Austrália fosse ainda maior. Para quem debutou neste domingo nos Test Matches, há que dizer que foi uma aposta de excelência de Dave Rennie e poderá no futuro conferir uma letalidade ainda maior a este elenco em crescimento.

The tackling machine: Sam Cane começa a calar os críticos

Nota pessoal ao leitor: fui crítico na escolha de Sam Cane para capitão da Nova Zelândia, não pelas suas características mentais, pois aí é dos jogadores mais fortes do rugby mundial, mas por aquilo que os All Blacks teriam de procurar na sua 3ª linha, criando um bloco não só mais disponível para o ataque, mas principalmente mais intenso e com capacidade de fazer o que Ardie Savea faz, ou seja, de entrar, furar e criar uma caos total na defesa contrária, que force um ajuntamento de tacleadores no mesmo local.

Contudo, após este primeiro encontro da Bledisloe Cup 2020 é fundamental fazer uma vênia à exibição de Sam Cane, tendo sido o principal tacleador do encontro com 25 tackles, para além de ter conquistado três turnovers, dois deles já bem dentro dos 22 metros defensivos neozelandesas quando a Austrália parecia embalada para chegar ao try. Agressivo e imponente, o asa dos Chiefs tentou direcionar a sua equipa no sentido de não abrir falhas na defesa e garantir assim uma estrutura inabalável que resistisse mesmo quando estavam a poucos metros da sua área de validação, apetrechando os All Blacks de uma foco mental importante para os próximos jogos. Pode não ter conquistado qualquer metro ou ter realizado alguma ação assinalável com a oval em seu poder – pior esteve Shannon Frizell, por exemplo -, mas pela excelência na defesa merece todo o respeito e destaque. Lembrar…25 tackles e zero falhadas, dados só ao alcance dos melhores.

Melhor treinador: Dave Rennie vira a página nos Wallabies

Domínio… é a melhor palavra para adjetivar a exibição dos Wallabies durante vários períodos do jogo, criando a sensação que os All Blacks estavam inferiorizados no ataque ao ponto que não conseguiam fazer um uso bom da bola que não em situação de contra-ataque, acabando por estes optar por devolver a oval através dos pontapés, algo bem aproveitado pelos australianos.

Os visitantes impuseram uma atitude confiante, de querer assumir o jogo e de partir para cima dos seus adversários, de mostrar a sua fisicalidade sem nunca recuar ou mostrar sinais de nervosismo, pormenores que no passado ditaram derrotas amargas a um elenco cheio de potencial mas com pouca fé nos seus processos. Na defesa a Austrália sofreu no contra-ataque tendo sido apanhada naquela armadilha que os neozelandeses gostam de montar, sofrendo o seu primeiro try através de um erro próprio seu, sem esquecer os cinco pontos de Rieko Ioane anulados pelo avant do centro já dentro da área de validação, contudo no restante espectro defensivo foram tão sagazes e trabalhadores como o seu adversário, muito pela atitude de Michael Hooper e Lukhan Salakaia-Loto.

O novo selecionador australiano – que poderia nem ter começado o seu trabalho caso as antigas lendas australianas como David Campese ou Rod Kaffer tivessem conseguido levar avante a sua vontade de substituí-lo – trouxe outra estabilidade defensiva e mental aos Wallabies, repôs os indicadores de qualidade no scrum (o alinhamento continua a pecar, com erros graves tanto nos 5 metros adversários como nos seus), elevou a vontade de quererem atacar e assumir a responsabilidade de circular a bola mesmo que do outro lado esteja um bloco agressivo no breakdown e na subida da linha de defesa.

Dave Rennie fez o que tinha a fazer, colocou os melhores jogadores da Austrália dentro de campo, não indo no erro de Michael Cheika de meter os atletas mais úteis à estratégia. Outro treinador não colocaria Matt Philip, James Slipper, Harry Wilson, Filipo Daugunu, Hunter Paisami ou Tom Banks, optando por trazer Rob Simmons, Dane Haylett-Petty, Jack Maddocks, Reece Hodge ou Alan Alaalatoa, com Rennie a mostrar que colocar aqueles que têm estado melhor nos jogos do Super Rugby AU merecem a titularidade, mesmo que sejam estreantes ou ainda verdes a nível da refrega da intensidade dos test matches.

Decepções: a desconjunta linha de ataque dos All Blacks

Teria Beauden Barrett feito a diferença em termos de dar outra qualidade à posse de bola? Ou os erros subsistem e subsistirão independentemente quem esteja na linha de 3/4s? Estas perguntas são lançados após um jogo muito conturbado do bloco mais ágil dos All Blacks, com Richie Mo’unga a revelar pesadas dificuldades em criar uma ligação sustentável com o seu par de centros, com o abertura a ser várias vezes caçado quando estava numa posição boa para abrir o jogo e dar seguimento a uma ação perigosa, ficando muito entregue a ações individuais algo que pouco contribuiu para a expansão de jogo dos neozelandeses. Estas preocupações já adivinham quando Ian Foster foi escolhido como selecionador, com vários adeptos, comentadores e jogadores a terem preferido alguém com outra visão para os All Blacks tanto no que toca à eficiência no ataque como ao assumir do domínio de jogo, de maneira a terem outras armas para além daquele contra-ataque letal.

Retornando ao que se passou dentro de campo, os erros amontoaram-se em dois setores: na recepção dos pontapés adversários, surgindo várias falhas tanto na recepção de bola como na colocação dos jogadores nesses momentos, limitando toda a saída da equipa; e no conseguir efetivamente controlar os timings e posse de bola, sentindo-se algum nervosismo (situação rara para um elenco tão compacto como são os All Blacks) no set-piece e na continuidade de jogo. A somar-se a estas duas falhas, há ainda as decisões tomadas pela equipa naqueles minutos extra após os 80 minutos regulares, com o drop a nunca surgir como opção quando era obrigatória para pôr fim ao empate. Havia Richie Mo’unga e Jordie Barrett, mas mesmo assim nunca houve uma chamada de atenção nesse sentido, preferindo os neozelandeses por encetar em combinações coletivas algo desorganizadas e que só ajudaram a criar um efetivo caos dentro de campo.

TJ Perenara entrou tarde demais por exemplo, Jordie Barrett colocou-se várias vezes mal em campo, George Bridge pouco apareceu no jogo contínuo (e é de longe dos jogadores mais perigosos no ataque) e Damian McKenzie revelou pouca certeza na hora de colher a bola após os pontapés. A nota mais positiva vai para Aaron Smith e Jack Goodhue (tem culpas no try de Marika Koroibete, como todos os seus colegas da linha de 3/4’s) que apresentaram-se com outra força no encontro, valendo o grande try dos All Blacks no início do jogo.

Números do jogo

Mais metros conquistados: Filipo Daugunu (Austrália) – 130 metros;
Mais tackles: Sam Cane (Nova Zelândia) – 25 tackles (0 perdidos);
Mais turnovers: Sam Cane (Nova Zelândia) – 3 turnovers (0 penalidades cometidas);
Mais defensores batidos: Nic White (Austrália) – 6
MVP do Fair Play: Filipo Daugunu (Austrália)