Foto: All Blacks Twitter

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Depois de um empate supostamente improvável de acontecer no 1º jogo entre All Blacks e Wallabies, ao 2º embate os neozelandeses voltaram a mostrar as suas melhores valências e superaram uma Austrália mais débil na defesa e que permitiu outra facilidade acesso à sua área de try!

Estes são os principais destaques do jogo nº2 da Bledisloe Cup 2020

MVP: Caleb Clarke (Nova Zelândia)

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No rugby internacional há uma expressão utilizada para quando um jogador entra no contacto e varre por completo os seus adversários e essa expressão é “BOOMFA”, que nas palavras do comentador Justin Marshall (uma das lendas dos All Blacks)  quer dizer “quando um jogador é completamente destruído no tackle ou quando um jogador destrói alguém quando entra com a bola”. E, não há dúvidas, de que Caleb Clarke merece o prêmio de maior BOOMFA deste 2º encontro da Bledisloe Cup. O ponta da franquia dos Blues ganhou a titularidade em virtude de uma lesão de George Bridge e, na sua estreia no XV dos All Blacks, foi capaz de tirar da frente ou atropelar 14 adversários, entre os quais Marika Koroibete, Matt Philip, Nic White, Hunter Paisami (o centro até voou para trás quando mergulhou para placar o ponta adversário), sem esquecer as 4 quebras de linha, com duas a servirem de rampa de lançamento para tries da Nova Zelândia.

É necessário ter um factor-X nas alas, especialmente da maneira como os All Blacks gostam de processar o seu jogo de ataque, utilizando menos o jogo ao pé e mais o risco de sair com a oval do seu território defensivo, acelerando no ataque à linha de vantagem, algo que funcionou na perfeição com Caleb Clarke em campo. Como foi com Sevu Reece ou Julian Savea, atletas que têm ou tiveram valências físicas/técnicas similares com Caleb Clarke, é necessário ter esta fisicalidade acelerada na ponta com um jeito para aparecer em diferentes pontos do terreno, conjugando com um nº15 inteligente e destrutivo (caso de Beauden Barrett ou Damian McKenzie) e um nº14 mais dedicado ao jogo tático, de aproveitamento de erros e de caça à bola nos ares (Jordie Barrett, George Bridge ou Will Jordan).

Na sua estreia no XV da Nova Zelândia Caleb Clarke foi um dos elementos essenciais para dar vida e ritmo a um ataque que foi facilmente anulado no 1º encontro – a nível de rugby contínuo e não a partir do jogo parado -, onde a intensidade na entrada no contacto, a voracidade para arriscar e partir para cima da linha de vantagem e a volatilidade de mudança de pontos de entrada fez total diferença na maneira como a estratégia dos All Blacks foi executada.

The Tackling machine: Antono Lienert-Brown (Nova Zelândia)

Verdade que Sam Cane e Ardie Savea foram reis e senhores na defesa, especialmente no breakdown onde foram capazes de caçar a oval por três ocasiões (cada um) sem esquecer as mais de 15 e 13 tackles (3 e 2 falhadas) respectivamente, mas é Anton Lienert-Brown o merecedor do prémio de Tackling Machine deste jogo nº2 da Bledisloe Cup 2020! 13 tackles encaixados, todos eles efetivos, 1 roubou de bola no contacto, 1 turnover e ainda um try anulado de Marika Koroibete, com o centro a agarrar a oval quando o ponta tentava desesperadamente tocar com a mesma no chão, foram só os números acumulados por um jogador que parecia estar a perder o “comboio” da titularidade nos All Blacks, ganhando assim uma segunda vida e oportunidade.

Mas passemos à frente dos tackles certos e dos turnovers, e analisemos a capacidade de leitura defensiva e a excelência em conferir uma segunda cortina defensiva quando Jack Goodhue era forçado a “salvar” Richie Mo’unga (4 tackles perdidos em 7 tentativas), com esta situação a forçar Lienert-Brown a ter de apostar ao mesmo tempo numa atitude paciente e rápida de anulação de espaço no canal 2 (espaço ao centro do terreno mas mais para fora) forçando ao ataque dos Wallabies a tentar “emigrar” mais para as pontas, limitando as opções e espaço de ataque dos seus adversários, o que evoca uma capacidade especial para liderar a linha defensiva, para além de um poder de comunicação compacto que acalmou os All Blacks em momentos críticos do encontro – em especial nos primeiros 40 minutos.

Depois de dois anos fustigados por lesões e exibições menos positivas, Anton Lienert-Brown foi capaz voltar ao XV titular e impor toda uma panóplia de qualidades para conquistar o seu espaço na seleção em 2020.

Melhor treinador: Ian Foster (Nova Zelândia)

Se os primeiros 10 minutos de jogo pareciam uma repetição do 1º encontro da Bledisloe Cup deste ano estranho de 2020, a verdade é que o que se assistiu entre os 20 e 35 minutos da primeira parte e os 40′ e 65′ da segunda metade deste jogo, foi uma demonstração do potencial do que os All Blacks conseguem fazer quando querem efetivamente dar uso à oval, invés de optar por seguir uma estratégia de apenas contra-ataque por erros do adversário ou a partir do jogo ao pé. Ian Foster foi capaz de perceber (e admitir) alguns erros no decision making ofensivo da Nova Zelândia, mudando o modelo de jogo que passou de algo mais contraído e expectante para o assumir total das operações, do aumentar do risco no passe e na construção de fases de jogo mais rápidas e ágeis, como fica provada quando comparamos os números entre Jogo 1 e 2 desta competição Trans-Tasman:

Metros conquistados: Jogo 1 – 473 / Jogo 2 – 571;
Offloads: Jogo 1 – 3 / Jogo 2 – 14;
Quebras de linha: Jogo 1 – 10 / Jogo 2 – 25;
Defensores batidos: Jogo 1 – 21 / Jogo 2 – 42;
Chutes em jogo corrido: Jogo 1 – 22 / Jogo 2 – 17;
Posse de Bola: Jogo 1 – 39% / Jogo 2 – 50%;
Saídas dos 22 com bola na mão: Jogo 1 – 2 / Jogo 2 – 6;

Não há como fugir ou mentir aos números e estes provam exatamente não só uma mudança total na estratégia de jogo na saída com bola, no limitar os pontapés (a maioria no 1º encontro foram up and unders, enquanto no 2º surgiram diversos grubers, a maioria atirados por Beauden Barrett, sendo que um dos quais iria resultar na jogada do 1º try), no tentar procurar desequilíbrios no contacto optando por arriscar e tentar imprimir outra velocidade e confiança no desenvolvimento do ataque, transformando por completo a Nova Zelândia no espaço de uma semana. Este é o caminho ideal para o elenco atual dos All Blacks, uma equipa mais apaixonada pelo jogo de risco e criativo do que ficar entregue a um duelo de xadrez e de esperar que as ocasiões de try surjam através de turnovers ou de erros de quem está do outro lado. Não estamos a dizer que essa estratégia deve ser esquecida, mas não pode ser a solução principal da manobra de ataque de uma das seleções mais interessantes no segurar da bola e dar forma a combinações explosivas e mágicas!

Onde esteve o tackle dos Wallabies?

75% de eficácia no tackle, traduzindo-se em 42 tackles falhadas em 170 tentativas, abrindo consecutivas frestas e espaços para que os All Blacks ganhassem confiança nos seus atributos de rugby contínuo… este foi o cenário caótico dos Wallabies, que até voltaram a impor algum domínio na abertura do encontro e encerramento do mesmo, sendo que desta vez não se viu a excelência e agressividade do 1º jogo da Bledisloe Cup 2020, parecendo ficar surpreendidos com a fome de bola e a voracidade do ataque da Nova Zelândia, principalmente na reentrada em campo após o intervalo.

Dave Rennie não estava satisfeito na conferência pós-jogo, criticando-se a si mesmo pela permeabilidade da estratégia defensiva dos Wallabies, tendo perdido alguma fisicalidade e atributos na defesa com as saídas de Folau Fainga’a (não fez um bom jogo na semana anterior a atacar, mas conseguiu ser um bom bloqueio defensivo) e Pete Samu da convocatória, sem esquecer a falta de capacidade para fazerem frente a Caleb Clarke e Beauden Barrett no jogo aberto ou a Aaron Smith (o formação deixou Nic White completamente esgotado logo na primeira parte, abusando do jogo interior e das mudanças de opção no ataque) e Ardie Savea a partir das fases espontâneas e estáticas.

Não houve solidez na primeira cortina defensiva, pareciam faltar constantemente números quando se dava uma quebra de linha (por mais pequena que fosse), com a capacidade de combate e luta a ficar muito aquém do que se viu no 1º jogo em Wellington. Rennie tem uma semana de descanso para afinar a máquina dos Wallabies, com estes a receberem a Nova Zelândia e Argentina a partir do dia 31 de Outubro, agora em solo australiano.

Exemplo das falhas defensivas na Austrália

Números

Mais metros conquistados: Caleb Clarke (Nova Zelândia – 123 metros
Mais tackles: Sam Cane (Nova Zelândia) – 16 (13 efetivos);
Mais turnovers: Sam Cane (Nova Zelândia), Ardie Savea (Nova Zelândia) e Ned Hannigan (Austrália) – 3 turnovers
Mais defensores batidos: Caleb Clarke (Nova Zelândia) – 14
MVP do Fair Play: Caleb Clarke (Nova Zelândia)