Cibi fijiano. World Rugby - Handout/World Rugby via Getty Images

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ARTIGO OPINATIVO – Grandes novidades para o rugby da Oceania, com a Nova Zelândia a anunciar uma série de jogos frente às Ilhas Fiji e Tonga, naquilo que poderá ser o início de uma nova era para a modalidade nessa região… mas porquê? E como? E qual o objetivo final? A nossa reflexão sobre as mudanças no calendário que prometem alterar o rumo dos acontecimentos na Oceania.

STEINLAGER SERIES: PORQUÊ AGORA?

A Federação de Rugby da Nova Zelândia (NZR) anunciou no Domingo, 16 de Maio de 2021, uma tripla de jogos frente a Tonga e Ilhas Fiji (dois encontros), agendados para Julho (3, 10 e 17 desse mês), encaixando-se nos Internacionais de Verão deste ano, abrindo assim uma “porta” que durante longos anos esteve fechada e que parece descortinar um novo caminho para o rugby na Oceânia. Porquê novo? Comecemos pelo facto dos All Blacks não jogarem frente à seleção fijiana desde 2011, um dado minimamente curioso que revela, por um lado, a falta de cuidado e interesse dos neozelandeses em estimular o crescimento dos seus pares nas Fiji, enquanto o Tonga só jogou por 3 vezes frente à seleção neozelandesa fora do Mundial de Rugby, com a última a ter sido em 2019. Poderá ser o fim de uma era de falta de partilha com os seus “vizinhos”? Possivelmente, sim, e isto deve-se não só ao agendamento destas Steinlager Series, como também à futura inclusão de duas franquias das Ilhas do Pacífico, os Moana Pasifika e os Fijian Drua, no Super Rugby 2022, possibilitando um futuro melhor ou, pelo menos, um acesso mais direto ao rugby profissional.

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Por isso, nos últimos 26 anos (ou seja, Era Profissional) os All Blacks só jogaram 4 vezes frente às Fiji, enquanto Tonga só teve esta oportunidade em três ocasiões e a Samoa é a seleção com mais encontros frente aos neozelandeses, contando um total de 6 jogos, com os tricampeões mundiais a terem visitado só por duas vezes o terreno de jogo dos seus “vizinhos”, sendo portanto interessante esta mudança de paradigma em 2021. A explicação curta poderá vir na forma de que algumas seleções do Hemisfério Norte não tinham disponibilidade para visitar os seus conterrâneos do Sul, abrindo algumas brechas no calendário internacional e na preparação dos All Blacks para o The Rugby Championship, forçando a NZR a optar por outros adversários que podem não reunir o maior interesse em termos comerciais, mas que facilmente aceitariam serem incluídos numa parelha de encontros. Porém, esta argumentação só faria sentido se os planos para a inclusão dos Moana Pasifika e Fijian Drua não existissem ou, igualmente, se não houvesse esta aproximação entre federações da Oceania no sentido de construírem algo mais compacto a longo prazo e de beneficio mútuo para todos os envolvidos.

O ajudar ao desenvolvimento das ilhas Fiji, Tonga e Samoa encaixa na narrativa da Nova Zelândia (e Austrália) de desejarem erguer uma espécie de baluarte inquebrável na Oceania, fomentando assim uma economia local sustentável e capaz de aguentar com a voracidade dos mercados europeu (França e Inglaterra) e japonês (sem falar do dos Estados Unidos da América), com estes a serem o novo perigo mundial já que os campeonatos e estrutura do rugby japonês virão a sofrer um upgrade considerável já em 2022, prometendo “roubar” estrelas quer do universo neozelandês, australiano, sul-africano, inglês ou de qualquer outra nação. Isto significa, que a Nova Zelândia e Austrália se aperceberam que o isolamento forçado derivado do SARS-CoV-2 – e não só -, não beneficiou a modalidade nesses países a longo prazo, pois o valor econômico é inferior à Europa ou Japão, com os jogadores locais a terem a hipótese de lucrarem melhores contratos, com salários mais promissores e que garantem outra vida após o fim de carreira.

A SUSTENTABILIDADE DE UM ECOSSISTEMA AMEAÇADO

Não estamos a dizer que se vai verificar uma debandada da maior parte das estrelas ou dos jogadores de excelência do Super Rugby AU/Aotearoa/Trans-Tasman, mas sim que se dará uma “hemorragia” de atletas dos níveis mais médios/normais, o que cria problemas, por exemplo, na sustentabilidade do National Provincial Championship (a antiga Mitre10 Cup, agora Bunnings NPC) ou nos campeonatos provinciais/regionais australianos, carecendo a ambos países de matéria-prima.

Mas o que tem a ver os problemas de All Blacks e Wallabies com Fiji, Samoa ou Tonga? Bem, o isolamento destas supernações do rugby mundial forçou uma mudança nos planos significativa, apercebendo-se agora que o Aotearoa e AU não garantem um fluxo econômico sustentável (os números altos de visualizações no Super Rugby AU deveram-se à transmissão em canal aberto tanto na Austrália como no resto do Mundo por via da World Rugby) a longo prazo, necessitando assim de criar uma sistema que proteja a sua dimensão, mesmo que acabe por beneficiar um trio de novos parceiros.

Ou seja, para manter o poderio das suas seleções adultas, sevens e M20, e franquias, é necessário incluir as federações das Fiji, Samoa e Tonga neste plano, oferecendo um caminho para a profissionalização de quase 100 atletas (50 em cada franquia), que por sua vez acaba por garantir uma possível permanência de vários jogadores dessas ilhas nesta região, que invés de terem de emigrar para França, Japão ou outro país, podem optar por ficar em “casa” e lutar por um contrato profissional sem ter de abandonar as suas famílias (um pormenor essencial para perceber o porquê de tantos jogadores do Pacífico emigrarem para países com uma capacidade econômica superior). Ao fomentar as franquias dos Fijian Drua ou Moana Pasifika, as federações das Fiji, Samoa e Tonga podem passar a ter a maioria dos seus internacionais por perto, crescendo enquanto grupo, o que possibilita ter uma visibilidade comercial, marketing e digital largamente superior, perspectivando-se assim um futuro auspicioso e promissor.

A Nova Zelândia e Austrália garantem, por sua vez, um crescimento do “seu” Super Rugby, conseguindo fazer algo que não foi possível durante os 25 anos desse campeonato, que é o de ter os jogos a serem jogados a horas sempre idílicas para o telespectador neozelandês/australiano/fijiano/samoano/tonganês (sem falar do mercado asiático, um dos objetivos atuais da ARU e NZR), oferecendo um campeonato de franquias com outra aptidão e espetacularidade – a adição dos Fijian Drua e Moana Pasifika vai prender a atenção de um considerável número de olhos – e um caminho de coexistência que deverá acabar na formação de um novo torneio de seleções num futuro largo.

Não significa isto que os jogadores de qualquer destes países deixem de ir para outras regiões ou continentes, mas evita a tal sangria nos níveis mais baixos, cria um fluxo interno galvanizador de atletas (impede assim que se dê uma elitização tóxica dos seus profissionais), desenvolverá uma liga consensual e culturalmente mais aproximada – todos partilham uma série de heranças históricas comuns – e possibilita oferecer uma rampa de crescimento sustentável a todos os envolvidos.

Porém, existem alguns medos que preocupam vários membros ligados ao rugby/desporto afetos às Ilhas Fiji, Samoa e Tonga, que é a possibilidade de ficarem completamente dominados pelos seus “vizinhos” da Nova Zelândia e Austrália. Esta possível dependência poderá ser nociva em diversos níveis, desde o caça-talentos local (um jogador fenomenal dos Moana Pasifika que não tenha ainda realizado um jogo pela sua seleção de origem pode ser “roubado” legalmente pelos seus rivais neozelandeses e australianos), ao ficarem forçados a caminharem para o mesmo lado nas mesas de negociação e votação em assuntos relacionados com a World Rugby, passando pela possibilidade de um dia todo este sistema ruir e deixar estas três “pequenas” nações do Oceano pacífico na ruína.

Observando todos os fatos, a verdade é que o facto de Tonga e Fiji terem entrado no calendário internacional dos All Blacks em 2021, vai permitir um encaixe financeiro extremamente positivo e necessário, alimentando estas federações que têm necessidade de garantir ativos diretos para manterem os seus objetivos de crescimento (lembrar que a Samoa estava na ruína, tendo declarado bancarrota em 2018), podendo garanti-los mais rapidamente pela via de jogarem contra a Austrália e Nova Zelândia. O passo seguinte significativo seria a realização de uma vaga de jogos internacionais em território fijiano, samoano ou tonganês, naquilo que poderia ser entendido como uma real abertura dos Wallabies e All Blacks para se construir um futuro em conjunto de grande potencial para todos estes cinco membros do rugby da Oceania.

Factualmente, o que interessa neste momento, é ficar com atenção para os três jogos dos All Blacks em julho frente Fiji e Tonga, para além do encontro agendado entre os Maori All Blacks frente à Samoa (3 de Julho) e, ainda, o encontro que vale um bilhete para o Mundial de Rugby entre Tonga e Samoa, com este embate a ser realizado em território neozelandês, também em Julho.