Foto: SA Rugby

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ARTIGO OPINATIVO – Temos nova competição de rugby a partir de Setembro de 2021, a United Rugby Championship, nascida dos esforços das federações do País de Gales, Irlanda, Escócia, Itália e África do Sul (com apoio da CVC, mas já lá iremos), construindo este campeonato de 16 franquias, que vai manter o apuramento de 8 equipas para a Heineken Champions Cup e Challenge Cup. Mas o que há de especial neste novo combo entre 5 federações? E como funcionará? A parte especial é o facto de que a união entre o Norte e o Sul está finalmente consumada, e de existir uma clara intenção de unir esforços, procurar uma rota do sucesso equilibrada e inteligível, com base nas qualidades no que cada país pode oferecer a este novo “todo”, adicionando o facto de que este é o renascimento do Super Rugby, com outra nomenclatura mas com a mesma lógica. Como? Para perceber isso temos de explicar o modelo, o seu funcionamento e os seus participantes.

Vamos começar pelo básico: formato. Cada franquia/clube (na sua generalidade as franquias europeias possuem nuances de ambas as realidades que não são obrigatoriamente distintas) ficará num grupo de 4, obedecendo a rivalidade local em primeiro lugar, ou seja, equipas irlandesas juntas, assim como galesas, sul-africanas, enquanto a Escócia e Itália irão conviver na mesma pool. No arranque da competição só teremos jogos entre as equipas de cada um destes 4 grupos, obedecendo à lógica de que os “dérbis” vendem e suscitam logo um interesse local/nacional importante para o United Rugby Championship, numa sequência então de 8 encontros (ida e volta).

Depois assistiremos a um cruzamento dos grupos, mas tudo jogado a só uma volta (round robin como os anglófonos apelidam) atingindo a meta dos 18 jogos por equipa, ao longo desta temporada, sendo que ainda teremos quartos-de-final, meias-finais e a final (os finalistas farão um máximo de 21 jogos). Parecendo pouco em comparação com a Premiership e Top14, a verdade é que o calendário fica bem composto ao adicionarmos as competições europeias, no qual as franquias sul-africanas ficam desde já habilitadas a participar caso consigam o apuramento, sendo que há ainda um elemento que ajuda a “engordar” a extensão do calendário da United Rugby Championship: pausas durante as janelas internacionais. O que isto significa?

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Durante os test matches de Novembro e as Seis Nações, vai ser imposta uma pausa competitiva, dando tempo para cada equipa recuperar os seus jogadores, apurar problemas, determinar novos objectivos ou, pelo menos, preparar bem para os próximos jogos a valer. Este pormenor de colocar uma pausa na competição durante os test matches oferece uma visão mais humana ao profissionalismo, preocupando-se com os atletas e equipas, pelo veículo de só jogarem quando todas as franquias tenham as suas melhores opções disponíveis (durante as jornadas internacionais poderão surgir lesões e outros problemas físicos, sim, mas há uma tentativa de procurar o equilíbrio competitivo), algo pouco comum nos dias que correm, sem esquecer com o factor negócio, pois protege-se o espectáculo e a verdade desportiva.

Desta primeira fase de quatro grupos de 4, segue-se uma fase-final que começa nos quartos-de-final (o 1º contra o 8º classificado, 2º contra o 7º, e por aí adiante), que define logo os “donos” das oito vagas para a Heineken Champions Cup, sendo que aqui entra a única situação menos “consensual”: a melhor equipa galesa, escocesa, italiana, irlandesa e sul-africana ficam cada uma com uma vaga, restando três lugares que serão alocados aos três melhores classificados, independente do país de onde provenham.

Este modelo é similar ao Super Rugby, com 16 equipas a lutarem pelo acesso à fase-a-eliminar, sendo que a maior diferença parte do aumento do número de jogos (o Super Rugby atingiu o seu máximo de participantes em 2016, com 18 competidores, com o número de jogos por equipa a ser um mínimo de 15) e da extensão da competição, que será realizada entre Setembro e Maio, criando um calendário comum para estas cinco nações, com França e Inglaterra a também viverem dentro do mesmo espectro competitivo.

Para os mais atentos, a grande dúvida fica no “universo” do The Rugby Championship, já que a competição normalmente decorre entre Agosto e Outubro (4 jogos em Agosto, 6 em Setembro e 2 em Outubro), tendo agora de se acomodar à nova realidade da África do Sul, passando esta a ser apoiada por quatro federações europeias, para além dos investidores, entre os quais a CVC, empresa de equidade privada que adquiriu cerca de 28% dos direitos comerciais, fazendo valer um domínio económico que se espera ser decisivo nas mesas de negociações.

Quem vai a jogo? Do País de Gales teremos Ospreys, Cardiff, Dragons e Scarlets; Irlanda mantém Leinster, Munster, Ulster e Connacht; Itália é representada por Zebre e Benetton Treviso; Escócia entra em campo com Glasgow Warriors e Edinburgh Rugby; Sharks, Stormers, Lions e Bulls são as franquias oferecidas pela África do Sul. Será o primeiro cruzamento oficial entre hemisférios após a tentativa falhada da Rainbow Cup 2021 (só na final teremos o embate entre europeus e sul-africanos, mais concretamente entre Benetton e Bulls), desenvolvendo outras bases para o futuro do rugby nestes cinco países, que poderão ganhar, entre outras coisas, uma aculturação desportiva diferente, com isto a poder fornecer bases para implementar novos modelos competitivos e garantir uma vantagem diferente quando entrarem em choque no Campeonato do Mundo ou de conseguir apresentar estratégias que possam fazer frente à Nova Zelândia e Austrália.

Para além deste rebranding do Pro14 e Super Rugby Unlocked (durou uma temporada e acabou por não ganhar a atenção que os seus pares da Austrália e Nova Zelândia conseguiram produzir), o United Rugby Championship vai ser dos campeonatos mais bem cobertos em termos televisivos e streaming, uma vez que passará 80% dos jogos em directo em canal aberto, com a transmissão a ser feita tanto pelos maiores produtores de imagem local, seja BBC, RTÉ ou Super Sport, oferecendo um acesso extraordinário e de alto impacto aos adeptos já enraizados e familiarizados com estas franquias, como aqueles que não estão tão emocionalmente ligados, cativando assim mundos diferentes.

Todo o modelo formulado é similar ao que a África do Sul queria para o Super Rugby antes do mesmo acabar em 2020, existindo uma diferença substancial que nenhuma das quatro federações da SANZAAR conseguiu fazer valer: horários. A vantagem da África do Sul se alinhar, a nível de franquias com a Europa, permite aos adeptos verem os jogos em directo, sem terem de viver afundados em horários problemáticos (seja a acordar madrugada para ver ou deitar a horas tardias), o que é claramente um elemento decisivo para ganhar o mercado e as atenções.

Porém, esta união de Norte e Sul pela via da entrada das franquias sul-africanas no antigo campeonato céltico não significa que os Springboks emigrem também para o Velho Continente, já que existe um acordo comercial (televisivo, etc) até 2026, sendo que as federações da África do Sul, Nova Zelândia, Austrália e Argentina afirmaram que querem continuar a disputar o The Rugby Championship em anos vindouros, tendo a selecção do País do Arco Iris a possibilidade de “beber” dos dois mundos, desenvolvendo mentalidades e estratégias diferentes para qualquer tipo de adversário.

O nascimento desta United Rugby Championship marca o início de uma nova era para a modalidade, que tem a sua primeira competição de cruzamento de hemisférios. Resta agora saber se a África do Sul vai conseguir chegar à Heineken Champions Cup com mais do que uma equipa, sendo que só um máximo de 3 poderão conseguir tal objectivo (mediante que ganhem todos os jogos fora da sua pool nacional da África do Sul), sendo isto uma realidade completamente diferente ao que o rugby mundial estava habituado.