Brasil no Rio 2016. Foto: Fotojump

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ARTIGO OPINATIVO – Não tem como fugir do assunto. Pegou muito mal a desistência do Brasil no Pré Olímpico masculino. Foi praticamente unânime nas redes sociais que os Tupis deveriam jogar o torneio em Mônaco e certamente a decisão azeda a relação da CBRu com sua comunidade. Se fosse uma decisão de parar todas as seleções por conta da pandemia, poderia ser justificável. Não sou especialista em saúde para dizer o contrário. Porém, apenas o sevens masculino foi descartado. Por quê?

Basicamente, foram dois pontos alegados pela Confederação. O primeiro foi a pandemia, que criou dificuldades na preparação; e o segundo, o conflito de datas com as Eliminatórias para a Copa do Mundo. Ou melhor, “semi” conflito, porque o Pré Olímpico é nos dias 19 e 20 e o primeiro jogo pelas Eliminatórias (contra o Paraguai) é no dia 26. O conflito existe pelas dificuldades de viagem, sim, mas não há coincidência de datas exatamente.

No comunicado da CBRu, lê-se que “a convocação de atletas para a disputa da repescagem mundial [o Pré Olímpico] reduziria sensivelmente o período de treinamento dos Tupis visando a vaga na Copa do Mundo”. É um absurdo alegar isso. Primeiro, porque confessa que o sevens masculino (modalidade olímpica) é um incômodo. Indiretamente, desrespeita a memória dos atletas do Rio 2016, na minha opinião. Segundo, porque transparece a falta de planejamento.

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É lógico que chegar à Copa do Mundo de 2023 é prioritário para a CBRu, pois hoje parece mais plausível ficar entre os 20 melhores do XV do que entre os 12 melhores do mundo no sevens. Afinal, estarão no Pré Olímpico, brigando por apenas 1 vaga, França, Irlanda, Samoa, Tonga. A questão de qual modalidade terá mais foco não é problema para mim.

No entanto, o conflito de datas entre Pré Olímpico e Eliminatórias é sabido desde o ano passado. Essas datas não mudaram. Elas foram reveladas 7 meses antes, sendo que a remarcação dos Jogos Olímpicos ocorrera há ainda mais tempo. Já havia uma forte possibilidade da pandemia seguir sendo um problema e já havia a certeza do conflito de datas entre Eliminatórias e Pré Olímpico. A CBRu (e todo mundo em todas as áreas) vem sofrendo muito com as incertezas da pandemia. “Não dá pra planejar nada com a pandemia” é uma verdade, mas só meia verdade neste caso. Para o Pré Olímpico, o que mudou? As datas não mudaram e um cenário negativo da pandemia nunca deveria ter sido descartado.

Não estamos falando num evento qualquer, irrelevante. É o Pré Olímpico. Desistir de um torneio porque as chances de vitória são pequenas é contra os valores do rugby e do olimpismo. Pragmaticamente, esse fator pode ter sido conveniente para se cortar gastos. Oras, se o fator financeiro seria um problema, esse problema deveria ter sido identificado há muito tempo atrás, permitindo que outro valor do rugby se impusesse: a solidariedade, abrindo a vaga a outros países. Nós ocupamos uma vaga preciosa para o mundo todo. Descartá-la em cima da hora não é certo.

Além disso, existe a questão dos atletas e seus sonhos. Todo mundo sabe também que o rugby brasileiro tem atletas fora do universo dos Cobras que querem e merecem oportunidades. Jamais a questão de elenco deveria ter sido alegada. A mensagem transmitida para a comunidade é muito ruim. O número de atletas e ex atletas que se manifestaram nas redes sociais deixa claro que faltou planejamento e sensibilidade na decisão.

Reafirmo que entendo e apoio todos os cuidados com a pandemia. Afinal, vivemos época sombria no combate à doença, com recordes recentes de mortes. Este é um país que virou pária no mundo pela sua irresponsabilidade (pra dizer o mínimo) no combate à doença. Quem critica a realização dos Jogos Olímpicos tem argumentos sim, não é maluco. Porém, a CBRu não defende a paralisação das suas seleções, já que jogará as Eliminatórias. Portanto, o problema não mora na pandemia em si – trata-se de um argumento conveniente, mas que não deixa claro os reais motivos.

Para o Brasil jogar o Pré Olímpico seria necessário montar um grupo específico para ele. Seria necessário um grupo de 15-20 atletas treinando entre si, para depois serem escolhidos 12 para o Pré Olímpico. Por sua vez, o XV seguiria treinando com cerca de 35-40 atletas. Pela necessidade de se montar bolhas sanitárias e testar atletas, seria necessário fechar os grupos com antecedência. Não é possível marcar jogo treino com um clube, por exemplo. Traria riscos à saúde dos envolvidos.

Obviamente, seria irresponsável montar um elenco alternativo em cima da hora em época de pandemia. O problema aqui está no planejamento. Mais do que isso, a montagem de tal elenco dependeria da CBRu abrir espaço para mais atletas. Atletas do M20 atual? Jogadores de fora do sistema que queiram e estejam disponíveis para viveram numa bolha sanitária? Opções que deveriam ter sido definidas há muitos meses porque, novamente, seria otimista demais achar que em junho a pandemia já seria passado.

Era crucial ter começado 2021 com um plano definido para o sevens, paralelo aos Cobras. É exatamente isso que assusta. A demora nas definições sobre como operariam os Cobras provavelmente contribuiu para o problema do planejamento do Pré Olímpico. Por sua vez, as trocas na gestão na Confederação em 2020 certamente não ajudaram no planejamento dos Cobras, deixando o Pré Olímpico para o último plano.

Outro assunto pertinente são as eternas reclamações do público sobre “panela” na seleção. A maior parte das críticas são fruto de desconhecimento do que é alto rendimento. É bizarro um jogador que começou apenas na categoria adulta de um clube que tem literalmente 10 jogos por ano (o que é um grande nada) achar que de uma hora pra outra vai jogar rugby em nível profissional contra atletas de países cujos calendários para qualquer clube beiram os 30 jogos anuais desde a categoria de base. Intensidade, velocidade do jogo, das tomadas de decisões, do entendimento tático, não são aprendizados rápidos. No entanto, ainda assim, é claro que é possível identificar um grupo de 20 atletas fora dos Cobras com capacidade de encararem o desafio. A mensagem de abrir as portas para novos jogadores seria muito importante. Ainda mais num momento de resultados ruins do time principal. A prudência com relação à pandemia precisaria se impor. Haveria gastos com testes, com a manutenção dos atletas em isolamento, etc. Porém, houve tempo pra esse planejamento.

É muito fácil eu falar tudo isso não vivendo os problemas de dentro. Há muitas questões de gestão que só é possível julgar com acesso profundo ao funcionamento da entidade. A pandemia agravou muitos problemas, é fato. Infelizmente, surgiu no rugby brasileiro a figura do mestre em asneiras nas redes sociais. Tem gente que se gaba que viver o rugby é poder falar mal dos outros, xingar árbitro e “puxar saco” de quem convém. É constrangedor, triste, patético. Não é meu caso, jamais me rebaixarei a esse nível. Porém, não é difícil afirmar que a decisão dos Tupis abandonarem o Pré Olímpico agora é lamentável.

Se o problema fosse apenas a pandemia, eu, sinceramente, não estaria escrevendo esta crítica, pois não tenho capacidade para debater com qualidade o tema. Se fossem alegados problemas com a viagem (dificuldades com voos, vistos, custos inflacionados, falta de apoio de outras instituições, etc), realmente seria culpa das incertezas constantes do nosso presente. No entanto, o comunicado da CBRu não sugere nada disso. Não foi um bom dia para o rugby brasileiro.